PUB

Fact-Checks

O leite é inflamatório e não deve ser consumido por humanos?

9 Abr 2024 - 02:42
falso

O leite é inflamatório e não deve ser consumido por humanos?

O leite é descrito em várias publicações nas redes sociais como um produto “extremamente inflamatório” que não deve ser consumido “por humanos”, independentemente de terem ou não alergia ou intolerância aos compostos deste alimento.

Em vários vídeos do TikTok, alega-se, por exemplo, que “o leite de vaca faz mal”, porque “causa um processo inflamatório no intestino”, podendo, supostamente, levar ao “desenvolvimento de doenças autoimunes”. Mas será mesmo assim? O leite inflama o corpo e é prejudicial para a população em geral?

O leite de vaca é inflamatório para a população em geral?

leite inflamatório prejudicial humanos

PUB

Em declarações ao Viral, Bárbara Beleza, professora da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) e investigadora do GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável, adianta que a ideia de que o leite é inflamatório é um mito.

Aliás, sublinha a investigadora, para a população em geral, o leite, “quando muito, poderá ter até um efeito protetor da inflamação e não o contrário”.

Segundo Bárbara Beleza, esta crença de que o leite é inflamatório surge “associada à caseína, uma das proteínas do leite”. Como a caseína “tem um elevado peso molecular”, acredita-se “que a sua passagem pelo intestino desencadeia processos inflamatórios”, expõe.

No entanto, “tem-se vindo a provar que, de facto, o potencial anti-inflamatório, à partida, é maior do que o que se diz ser o potencial inflamatório do leite”, destaca.

Nesse sentido, a investigadora refere “uma revisão sistemática relativamente recente com estudo de grande qualidade”.

O objetivo do trabalho em questão foi avaliar a evidência científica, publicada entre 2012 e 2018, “sobre os efeitos do leite e produtos lácteos nos biomarcadores inflamatórios fornecidos por ensaios clínicos randomizados”, referem os investigadores.

Se o consumo de leite se repercutisse num aumento dos biomarcadores inflamatórios, “ficaria comprovada uma associação entre o leite e processos inflamatórios no nosso organismo”, anota Bárbara Beleza.

Contudo, no capítulo da discussão dos resultados, os investigadores concluem que “o consumo de leite ou de produtos lácteos não demonstrou um efeito pró-inflamatório”.

Pelo contrário. Bárbara Beleza salienta que a revisão acabou por verificar “que a maioria dos estudos avaliados documentaram um efeito inverso, ou seja, um efeito anti-inflamatório significativo, tanto em indivíduos saudáveis, como em indivíduos com algumas anomalias metabólicas, nomeadamente diabetes tipo 2, síndrome metabólica e excesso de peso”.

PUB

E para as pessoas com alergia ou intolerância?

leite inflamatório prejudicial humanos

Bárbara Beleza explica que só se fala num “potencial inflamatório” em casos de alergia à proteína do leite de vaca. Mas, neste contexto, “já estamos a falar de quem é que não deverá consumir leite”, não da população em geral.

Segundo a nutricionista, esta é uma alergia caraterística, sobretudo, da idade pediátrica

De acordo com os dados da Organização Mundial de Alergia (WAO, na sigla inglesa), cerca de 2 a 4,5% dos bebés e menos de 0,5% dos adultos têm alergia ao leite de vaca. 

Apesar de nem sempre acontecer, “a maioria das crianças ultrapassa a alergia ao leite de vaca na primeira infância, em particular a alergia aos produtos lácteos cozinhados”, salienta a WAO.

Bárbara Beleza adianta que essa alergia é, muitas vezes, superada através da “introdução progressiva de pequenas porções de leite, sob vigilância, para se perceber se a reação alérgica se mantém”.

Noutro plano, destaca a investigadora, quando se fala em intolerância, “saímos do foro da proteína do leite e passamos para a questão da lactose”, que nada tem a ver com uma reação alérgica.

A nutricionista explica que a lactose “é um açúcar, um hidrato de carbono, constituído por dois monossacarídeos – a glicose e a galactose”.

Para que a lactose “possa ser utilizada pelo nosso organismo tem que ser dividida nestes dois monossacarídeos”. Este processo é feito por uma enzima chamada lactase.

Em caso de intolerância, a pessoa “não tem lactase ou não tem quantidade suficiente” desta enzima para digerir a lactose. 

Isto vai desencadear “sintomatologia gastrointestinal, como distensão abdominal, flatulência, diarreia, mal-estar”, aponta.

PUB

Este tipo de sintomas também pode ocorrer com outro tipo de intolerâncias alimentares. Por exemplo, “quando um indivíduo não consegue digerir corretamente determinados hidratos de carbono presentes nas leguminosas”, refere Bárbara Beleza.

No fundo, “há algum mecanismo inflamatório, mas nunca da mesma forma que acontece numa alergia à proteína de leite de vaca”, em que existe o risco da pessoa ter “uma reação anafilática”, esclarece.

Apesar de a intolerância à lactose ser comum, a investigadora explica que existe forma de a contornar, “através de medicação específica” ou recorrendo a leites sem lactose.

De qualquer forma, a nutricionista recomenda que não se restrinja por completo a ingestão de laticínios perante um ou outro sintoma gastrointestinal, sem a certeza de que se tem, de facto, intolerância à lactose.

Isto porque existem vários alimentos que podem desencadear esse tipo de sintomatologia. “Ao deixarmos de consumir leite, a lactase vai deixar de ser produzida ou vai passar a ser produzida em quantidades muito residuais”, dificultando a posterior retoma do consumo, justifica.

“Há mais razões para promover o consumo de leite do que para o limitar”

leite inflamatório prejudicial humanos

Bárbara Beleza frisa que há um consenso sobre a recomendação do consumo de leite para a população geral. Aliás, “o nosso dia alimentar, na roda dos alimentos, deve incluir duas a três porções por dia de laticínios”, aponta a nutricionista.

Isto porque “o leite é um alimento com uma matriz e uma composição nutricional muito interessante”, sustenta.

Para mais, este alimento contém “cerca de 87% de água”, sendo, por isso, “uma excelente fonte de hidratação”, prossegue.

Além disso, “o seu valor energético não é muito elevado, sobretudo se falarmos de leite magro ou meio gordo”. Dependendo das versões que estão no mercado, “100 ml de leite tem entre 35 e 60 quilocalorias”, revela a professora da FCNAUP.

PUB

Ainda no que toca à composição do leite, este alimento “tem cerca de 3% a 4% de proteína, 5% de hidratos de carbono, nomeadamente a lactose, e o teor de gordura é variável em função do tipo de leite”, com valores compreendidos entre os 0,5% aos 3,5%.

A nutricionista considera relevante destacar “a qualidade proteica do leite”. Segundo a investigadora, trata-se de um alimento com “proteínas de alto valor biológico”, isto é, “tem todos os aminoácidos essenciais, que só conseguem ser obtidos através da alimentação”.

Em relação à gordura, a investigadora refere que o leite é composto por “gorduras facilmente digeríveis”, que estão “associadas a algumas vantagens em termos de mecanismos anti-inflamatórios”.

Noutro plano, o leite é um alimento muito rico em vitaminas e minerais, com particular destaque para “a vitamina A, e outras também lipossolúveis, especialmente encontradas no leite gordo”.

No que diz respeito aos minerais, Bárbara Beleza realça “o cálcio”, “o fósforo”, “o potássio” e “o iodo”. Pela sua composição nutricional, o leite tem um papel importante na saúde óssea.

Além de todos os benefícios nutricionais, o leite “é um alimento versátil que pode dar origem a vários produtos lácteos, como iogurte, queijo, requeijão”, salienta.

Outra vantagem é a “relação custo-benefício”, dado que “a densidade nutricional que estamos a ir buscar a um litro de leite, que custa hoje entre oitenta cêntimos e um euro, é muito positiva”.

A investigadora reforça que “consumir leite numa base regular permite-nos atingir parte daquilo que é a dose diária de referência de determinados macronutrientes, vitaminas e minerais”.

PUB

Portanto, “numa base populacional, tudo aponta que há mais razões para promover o consumo de leite do que para o limitar”, conclui.

LER MAIS ARTIGOS DO VIRAL:

falso

Categorias:

Alimentação

Etiquetas:

Inflamação | Leite | Nutrição

9 Abr 2024 - 02:42

Partilhar:

PUB