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Estudo prova que a dieta carnívora melhora diabetes, excesso de peso e saúde no geral?

16 Mar 2024 - 08:30
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Estudo prova que a dieta carnívora melhora diabetes, excesso de peso e saúde no geral?

Circula nas redes sociais um vídeo em que o autor (que se identifica como “expert em emagrecimento e hipertrofia”) aponta para conclusões alegadamente “interessantes” e “positivas” de um artigo científico sobre a dieta carnívora.

Segundo o autor do vídeo, este estudo prova que a dieta carnívora provoca melhorias na “saúde em geral” e, sobretudo, no excesso de peso e na diabetes.

O autor do vídeo desafia as pessoas a comerem “única e exclusivamente carne durante seis meses”, ou seja, “sem uma folha de alface, uma única ervilha” ou “qualquer outro alimento a acompanhar”.

O interveniente alega que, entre os “muitos resultados positivos” deste estudo, todos os participantes com diabetes terminaram os tratamentos com insulina, porque deixaram de ter necessidade de a usar, e 95% dos participantes apontaram para melhorias na “saúde de forma geral”.

Além disso, o alegado “expert em emagrecimento e hipertrofia” indica que 93% das pessoas com excesso de peso dizem ter “melhorado significativamente o problema” e mais de metade terá relatado “melhorias em reações alérgicas e marcadores inflamatórios”. Mas será mesmo assim?

Estudo prova que dieta carnívora melhora diabetes, excesso de peso e saúde no geral?

O artigo científico referido no vídeo existe e foi publicado na revista científica Current Developments in Nutrition, em novembro de 2021. No entanto, não prova que a dieta carnívora melhora a saúde, a diabetes e o excesso de peso.

Apesar de ser referido no estudo que alguns participantes relataram melhorias no controlo de peso e na insulino-resistência, o artigo científico apresentado “não prova” que a dieta carnívora tem efeitos benéficos para a saúde, desde logo porque é “um estudo observacional”, adianta Filipa Vicente, nutricionista e professora auxiliar na Egas Moniz School of Health & Science.

Em declarações ao Viral, a nutricionista refere que a metodologia é, “por si só, enviesada, dado que os participantes foram recrutados através das redes sociais, sobretudo em grupos temáticos sobre a dieta carnívora. Ou seja, não foram incluídos na investigação indivíduos que “não seguiam a dieta” antes, de forma a comparar resultados.

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Além disso, todos os dados foram auto-reportados. Isto é, através de questionário preenchido pelos participantes, e não através de análises, exames ou outro tipo de recolha de dados clínicos, acrescenta Filipa Vicente.

“É um estudo observacional. Mesmo com uma amostra de dimensão considerável, não permite estabelecer causalidade”, reforça a professora auxiliar na Egas Moniz School of Health & Science.

Um bom estudo científico tem de ter “um grupo de teste (com o que queremos estudar) e um grupo de controlo ou placebo (em que está ausente o fator de estudo)”, explica.

E isto, continua, na área da nutrição, torna-se “muito difícil”, visto que o grupo de controlo saberia que “não estava a comer determinados alimentos e podia, por iniciativa própria, mudar alguns hábitos”.

Num estudo observacional, não sendo possível controlar o fator que estamos a estudar, tem de haver, “no mínimo, um comparativo”.

“Seria expectável que fossem observados os indicadores de saúde de indivíduos que fazem uma dieta carnívora, mas também os mesmos indicadores em indivíduos que seguem as recomendações para uma dieta saudável”, acrescenta a nutricionista consultada pelo Viral.

Ou seja, em estudos de grande dimensão sobre o papel da alimentação, deve ser “relacionada a ingestão de um alimento ou grupo de alimentos” e a “incidência da doença em dezenas ou mesmo centenas de mulheres de pessoas”.

A ingestão deve ser avaliada com “ferramentas adequadas”, como questionários de frequência de ingestão alimentar validados.

O “fator tempo” – isto é, quanto tempo foi seguida essa alimentação – também tem de ser “tido em conta”.

A nutricionista consultada pelo Viral lamenta que as “ideias disruptivas” sejam “mais populares e fiquem mais facilmente virais” do que um nutricionista a falar da “importância de comer de acordo com as necessidades”.

Importa sublinha que no estudo em causa, apesar de concluírem que os participantes relataram “poucos efeitos negativos” e identificaram “benefícios” para a saúde, os investigadores admitem que o trabalho tem “limitações”, como o desenho de pesquisa, pois foi avaliada a “perceção das pessoas” e não a dieta carnívora em si.

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Os investigadores reconhecem que são necessárias pesquisas adicionais sobre “segurança e benefícios a longo prazo” com “hábitos alimentares exatos”, uma vez que não foi avaliado, por exemplo, o tamanho das porções de alimentos, nem outros hábitos de vida associados à saúde.

A dieta carnívora tem riscos?

Filipa Vicente explica que a dieta carnívora consiste numa alimentação à base de “alimentos de origem animal, sobretudo músculo, como carne e pescado, e ovos”.

Ou seja, as pessoas ingerem apenas os nutrientes “naturalmente presentes nestes alimentos”: proteína, gordura de variedades diferentes, vitamina B12, outras vitaminas do complexo B (B1, B2), minerais e oligoelementos (Sódio, Fe, Zinco, Iodo, Potássio, fósforo).

A professora da Egas Moniz School of Health & Science explica que, neste tipo de dieta, não são consumidos alimentos de origem vegetal, o que exclui, por exemplo, o consumo de “fibra, vitamina C e fitonutrientes (como polifenóis)”, que não estão presentes nos alimentos de origem animal.

A nutricionista reforça que “não há qualquer evidência” de que a alimentação carnívora “tenha benefícios” na alimentação, lembrando que “não foram feitos estudos clínicos com este modelo comparando com os demais”.

Além disso, a dieta carnívora não inclui “alimentos nutricionalmente ricos”, como hortofrutícolas frescos, o que exclui “alguns dos compostos bioativos mais importantes” na prevenção de doenças crónicas não transmissíveis. É o caso de fibra e fitonutrientes com ação antioxidante, cardioprotetora, anti-neoplásica, anti-inflamatória e neuroprotetora.

No mesmo sentido, explica Filipa Vicente, cereais completos e os seus derivados (como pão, flocos de aveia, massa), que também não fazem parte de uma alimentação carnívora, são “igualmente importantes numa alimentação equilibrada” por serem fontes de vitamina E, fibra e magnésio.

A “evicção de leguminosas” reduz também a ingestão de “vitaminas essenciais no metabolismo energético”, como tiamina (B1) e riboflavina (B2), fibra e, sobretudo, hidratos de carbono, que têm “inúmeros benefícios na dislipidemia e no controlo glicémico pelo seu efeito na flora intestinal”.

A nutricionista alerta que uma alimentação restritiva, como a dieta carnívora, é problemática pelo excesso de alimentos de um grupo (neste caso, a carne) e pela “ingestão deficiente de outros grupos”.

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Ao “depender apenas de carne, peixe e ovos” como fontes de energia na sua alimentação, vai verificar-se um “excesso de gordura saturada”.

A professora universitária acrescenta ainda que vai haver igualmente um “défice” de fibra e compostos bioativos presentes nos hortofrutícolas e cereais completos, que têm benefícios “comprovados na evidência científica” na prevenção de doenças crónicas não transmissíveis.

Alimentação equilibrada: como deve ser?

Para Filipa Vicente, as leis de Pedro Escudero definem “na perfeição” o que é uma “alimentação equilibrada”: quantitativamente suficiente, qualitativamente adequada, harmoniosa em todos os seus elementos e adequada ao organismo a que se destina.

Ou seja, uma alimentação deve respeitar os seguintes princípios:

  1. Quantidade: porções adequadas;
  2. Qualidade: alimentos nutricionalmente densos;
  3. Harmonia: equilíbrio entre grupos de alimentos, de acordo com o seu valor nutricional;
  4. Adequação: ajustada ao indivíduo.

A nutricionista reconhece que “não é fácil” encontrar estes quatro princípios “completamente definidos” na evidência científica. 

No entanto, as “representações gráficas de uma alimentação equilibrada” – como na Roda dos Alimentos ou nos princípios da dieta mediterrânica – seguem esses princípios.

O ajuste de doses dos alimentos às suas necessidades é “uma das maiores dificuldades”, identifica a profissional.

De acordo com o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), da Direção-Geral da Saúde (DGS), que tem como objetivo melhorar o estado nutricional da população, a Roda dos Alimentos é um “guia” em forma de círculo que ajuda a “escolher e combinar” alimentos que devem fazer parte da alimentação diária.

Encontra-se dividida em 7 grupos de alimentos com composição nutricional semelhante. Os grupos de maior dimensão devem estar “presentes em maior quantidade” na nossa alimentação.

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De acordo com a Roda dos Alimentos:

  1. Cereais e derivados, tubérculos – 28%
  2. Hortícolas – 23%
  3. Fruta – 20%
  4. Lacticínios – 18%
  5. Carne, pescado e ovos – 5%
  6. Leguminosas – 4%
  7. Gorduras e óleos – 2%

A água não tem grupo próprio, diz a DGS, mas está representada em todos os grupos porque “faz parte da constituição de quase todos os alimentos”. 

Além disso, é “fundamental” que se beba água “em abundância” todos os dias. As necessidades variam entre 1,5 e 3 litros por dia.

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16 Mar 2024 - 08:30

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