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Quem tem dores menstruais deve evitar comer ovos, leite e carne?

19 Mar 2024 - 09:45
falso

Quem tem dores menstruais deve evitar comer ovos, leite e carne?

As dores associadas à menstruação podem ser incapacitantes e, nas redes sociais, é apresentada uma solução para reduzir o incómodo: não comer ovos, leite e carne.

Num vídeo partilhado no Tik Tok, alega-se que, “na medicina oriental, o centro da vitalidade da mulher são os ovários” e que o consumo destes alimentos – em particular dos ovos, onde “está contido o início da vida de um pintainho” – interfere “com as funções normais do ovário”, provocando “dores menstruais”.

Na descrição que acompanha este vídeo, o autor escreve que “é totalmente desaconselhado que a mulher consuma ovos, qualquer tipo de laticínios e carnes”, dado que, supostamente, estes alimentos “vão impedir as suas funções biológicas de ocorrerem”. Mas será verdade?

É verdade que quem tem dores menstruais deve evitar comer ovos, leite e carne?

Não existem evidências científicas robustas que comprovem que ingerir ovos, o leite e a carne tem interferência com o sistema reprodutor feminino. As alegações são, por isso, falsas.

As dores menstruais têm o nome clínico de dismenorreia e podem dividir-se em primária – que não está associada a qualquer causa orgânica ou patológica – e secundária – quando ocorre na sequência de uma condição médica (como a endometriose). 

Mariana Robalo Cordeiro, interna de ginecologia e obstetrícia na Unidade Local de Coimbra (antigo Centro Hospitalar Universitário de Coimbra) e docente associada na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, explica que a dismenorreia primária é um “processo fisiológico que está inerente a uma cascata de inflamação”, que surge devido à “queda dos níveis hormonais de progesterona” durante a menstruação. 

Não existem recomendações para a evicção de alimentos no tratamento da dismenorreia”, sublinha a médica. 

O tratamento desta condição é feito à base de anti-inflamatórios não esteroides (como o ibuprofeno), podendo ser acompanhado por processos holísticos adicionais, como fisioterapia com estimulação nervosa, calor local, ioga ou práticas de relaxamento.

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Foram publicados vários estudos observacionais sobre o impacto da alimentação nas dores associadas à menstruação. No entanto, é “difícil encontrar evidência científica robusta” na área da nutrição, acrescenta Mariana Robalo Cordeiro, acrescentando que os estudos realizados são observacionais e limitados.

No mesmo sentido, Maria Inês Cardoso, nutricionista no Hospital da Luz e na equipa online Diana Cruz Nutrição, reconhece as “limitações na metodologia dos estudos” que tentaram analisar “o impacto isolado de um alimento na dismenorreia”.

A nutricionista reforça que a ingestão de alimentos “ocorre enquadrada em refeições e não de forma isolada”, o que dificulta a análise do efeito causal devido à “sinergia e interação entre nutrientes e alimentos”.

No caso dos ovos, uma revisão sistemática de estudos observacionais, publicada em 2019, analisou dois estudos com resultados contraditórios. Enquanto um dos artigos reportava que as mulheres com dismenorreia “consumiam ovos mais frequentemente do que o grupo de controlo”, o outro apontava que a ingestão deste alimento era “significativamente menor”.

No mesmo artigo são também analisados os impactos do leite e laticínios, da carne, do peixe, dos legumes e das frutas. Quatro dos cinco artigos negaram a alegação partilhada nas redes sociais, apresentando uma “significativa associação inversa” entre o consumo de laticínios e casos de dismenorreia

Maria Inês Cardoso recorda que o leite, devido ao elevado “teor em cálcio”, poderá ter um “papel ao nível da musculatura e das contrações uterinas”. 

Sobre a carne, os resultados dos estudos existentes “não apresentaram resultados significativos no que toca a uma associação entre dismenorreia e o consumo de carne e as suas alternativas”, referem ainda os autores da revisão sistemática. 

A nutricionista acrescenta que parece “ser mais prudente” priorizar o “consumo de carnes brancas, evitando enchidos e produtos de charcutaria” e evitar “um consumo elevado de carne vermelha”. Esta indicação não diz respeito apenas à questão da redução das dores menstruais, mas também para manter uma boa saúde no geral.

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Dieta Mediterrânica associada à redução de incidência de dismenorreia

A Dieta Mediterrânica – um regime alimentar à base de alimentos regionais e com base na culinária saudável – parece “estar associada a uma redução da incidência da dismenorreia e severidade da dor”, devido a uma diminuição da “produção de citocinas pró-inflamatórias”, explica a nutricionista consultada pelo Viral.

Mariana Robalo Cordeiro lembra que este regime alimentar está também “associado a bons desfechos reprodutivos” e a uma promoção do “bem-estar e saúde da mulher”. Entre os alimentos promovidos na Dieta Mediterrânica estão o ovo, a carne e o leite.

Em contraponto, ambas as profissionais de saúde reconhecem que o consumo de alimentos pró-inflamatórios – como doces, alimentos processados, óleos e snacks salgados – e uma dieta pobre em fibra apresentam uma “associação positiva com o aumento do risco e incidência da dismenorreia”.

É importante reforçar que os estudos realizados sobre este assunto – tanto os que comprovam o efeito protetor da Dieta Mediterrânica como os que desaconselham a ingestão de alimentos pró-inflamatórios – são observacionais e não comprovam uma relação de causa-efeito.

A dismenorreia primária é “multifatorial”, prossegue Mariana Robalo Cordeiro, lembrando que as práticas de vida saudável – nomeadamente beber uma quantidade adequada de água, fazer exercício físico e ter bons hábitos de sono – podem contribuir para a redução da dor abdominal durante a menstruação

Um estudo publicado em 2021 refere a existência de uma associação entre “fumar, comer frequentemente açúcar, refrigerantes, café, chá e bebidas energéticas” com casos de “dismenorreia severa”. 

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A interna de ginecologia e obstetrícia lembra que a dismenorreia primária pode ser “altamente incapacitante”, mas é um “problema médico que tem solução”. Aconselha, por isso, as jovens mulheres a falarem sobre o assunto com os cuidadores ou encarregados de educação e, se necessário, procurarem aconselhamento médico.

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19 Mar 2024 - 09:45

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