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Beber um copo de vinho por noite ajuda a perder peso?

5 Abr 2024 - 10:11
falso

Beber um copo de vinho por noite ajuda a perder peso?

Sugere-se no TikTok que “beber um copo de vinho por noite ajuda a perder peso”. A autora do vídeo sustenta a sua alegação com dois estudos: um desenvolvido por especialistas da Universidade de Harvard, em 2010; e outro publicado pela Universidade do Estado de Washington, em 2015. Mas é mesmo isso que dizem os estudos? Beber vinho ajuda a perder peso?

É verdade que beber um copo de vinho por noite ajuda a perder peso?

A alegação de que beber vinho ajuda a perder peso “é falsa e baseia-se numa extrapolação errada de factos”. Quem o diz, em declarações ao Viral, é Conceição Calhau, nutricionista e coordenadora da Licenciatura em Ciências da Nutrição e do Mestrado em Nutrição Humana e Metabolismo da NOVA Medical School.

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Além de sublinhar que, do ponto de vista da saúde, esta “recomendação é perigosa”, Conceição Calhau lembra que não há nenhum alimento ou bebida que, por si só, faça perder peso

Apesar de os dois estudos científicos citados serem “publicações científicas validadas por pares, com resultados válidos”, nenhum deles “retira uma conclusão de aplicação clínica do vinho na perda de peso”, salienta a nutricionista.

Porque é que estes estudos não provam que beber vinho todas as noites ajuda a perder peso?

Em primeiro lugar, em relação ao estudo da Universidade do Estado de Washington (WSU, na sigla inglesa), a professora da NMS lembra que este é “um estudo de intervenção no modelo animal”. Ou seja, não foi feito em humanos.

Além disso, o estudo mencionado não estudou os efeitos do consumo de vinho na perda de peso, mas sim os efeitos do consumo de resveratrol que, tal como explica Conceição Calhau, é um “fitoquímico, fenólico, que poderá estar presente no vinho tinto”, mas também noutras frutas.

Esta ideia (errada) de que o vinho ajuda na perda de peso provém do facto de o estudo mostrar “que este fenólico facilita a transdiferenciação dos adipócitos amarelos (cuja função é armazenar gordura) em adipócitos beges (que têm, sobretudo, a capacidade de oxidar a gordura)”, adianta a nutricionista. 

Contudo, Conceição Calhau destaca alguns motivos que não permitem atribuir um benefício clínico ao consumo de vinho.

Em primeiro lugar, “extrapolar os resultados de intervenção com doses farmacológicas de resveratrol para consumo humano de vinho seria uma irresponsabilidade científica”, defende.

Depois, “ainda que pudesse ser extrapolado, a oxidação ocorre quando promovida por estilos de vida adequados”. Isto quer dizer que, se uma pessoa for sedentária e tiver uma alimentação inadequada, “não será a hipotética transdiferenciação de adipócitos que levará à ‘queima’ de gordura e consequente perda de peso”, esclarece a nutricionista.

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Além disso, “o resveratrol só está presente no vinho tinto com muitos ‘ses’, ou seja, este composto só é produzido pela planta (videira) se existir uma ameaça efetiva de contaminação por fungos”, uma vez que “a planta produz o resveratrol como um fungicida”.

Por isso, se forem utilizados fungicidas, “a planta não terá a necessidade de síntese”, logo, o resveratrol não será produzido. Isto “vem explicar que beber vinho tinto não é sinónimo de consumir uma conhecida dose de resveratrol”, sustenta.

Quanto ao estudo observacional desenvolvido por investigadores da Universidade de Harvard, Conceição Calhau tem muitas dúvidas sobre as conclusões que se podem retirar desta investigação.

A nutricionista começa por explicar que, nesta investigação, se apurou os efeitos do “consumo de álcool” no geral e, na perspetiva de Conceição Calhau, “quando se fazem estudos de observação, é particularmente importante perguntar-se que bebidas alcoólicas se consomem”.

Isto porque, segundo a nutricionista, por vezes, “reduzimos uma diversidade imensa de bebidas alcoólicas a etanol (álcool)”, mas “não é tudo a mesma coisa”, sobretudo em termos de impacto na saúde, já que algumas bebidas “contêm muitas substâncias químicas além do etanol”.

Questões como “que álcool”, “em que quantidade”, “com que frequência” e “em que contexto” são, do ponto de vista da nutricionista, fundamentais. 

“Porque eu posso beber dois litros por mês e beber um litro em cada sábado, ou posso beber dois litros por mês a dividir por todos os dias”, exemplifica.

A importância do contexto percebeu-se, sobretudo, com um estudo que originou o chamado “Paradoxo Francês”, ou seja, a ideia de que “o consumo de vinho tinto pareceu explicar a menor mortalidade cardiovascular de zonas do sul de França”.

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No entanto, frisa a nutricionista, os resultados deste estudo podem não estar necessariamente ligados ao consumo de vinho, já que “estas pessoas também consumiam mais hortícolas, praticavam mais atividade física e também faziam mais atividades ao ar livre (pelo que os níveis de vitamina D poderiam ser melhores)”.

Posto isto, mesmo que algumas bebidas alcoólicas tenham alguns benefícios provenientes de compostos específicos, sabe-se que os potenciais benefícios não compensam os riscos.

Aliás, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já anunciou que “nenhum nível de consumo de álcool é seguro para a saúde”. 

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Por isso, para reduzir o risco, como já tinha referido o psiquiatra João Marques, em esclarecimentos anteriores ao Viral, os limites considerados moderados são de “duas unidades de bebida por dia para os homens e uma unidade para as mulheres, no máximo, se estiverem abaixo dos 65 anos, com um ou dois dias sem beber por semana”.

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5 Abr 2024 - 10:11

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