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Dengue é causado por falta de cálcio e trata-se com suplementos?

Circula nas redes sociais um vídeo em que se alega que o dengue é provocado por baixos níveis de cálcio no organismo e que o tratamento da doença é feito com suplementação de cálcio e vitamina D. Verdadeiro ou falso?

27 Mai 2023 - 08:00
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Dengue é causado por falta de cálcio e trata-se com suplementos?

Circula nas redes sociais um vídeo em que se alega que o dengue é provocado por baixos níveis de cálcio no organismo e que o tratamento da doença é feito com suplementação de cálcio e vitamina D. Verdadeiro ou falso?

Num vídeo que parece ter sido gravado num consultório, um médico recomenda “tomar cálcio com vitamina D para tratar o dengue clássico e hemorrágico”. O médico – que se identifica como Emilio Sánchez-Valdéz – garante que esta doença “se dá por falta de cálcio” e que é por isso que provoca “dores nos músculos” e “hemorragias”.

O autor do vídeo afirma ainda que antes de começarem os sintomas de dengue, os pacientes devem tomar suplementos de cálcio e de vitamina D para tratar a doença. Durante o vídeo, o médico diz ter analisado esta situação.

De facto, Emilio Sánchez-Valdéz é autor de um artigo, publicado em janeiro de 2009, em que se analisa cinco casos de pacientes com dengue a quem foi administrado cálcio de vitaminas D como forma de tratamento. Mas será verdade que a falta de cálcio é a causa para o dengue? E a suplementação de cálcio e de vitamina D é um tratamento eficaz e comprovado para esta doença?

É verdade que o dengue é causado por falta de cálcio?

Não, o dengue não é causado pela falta de cálcio. Trata-se de uma doença infeciosa que se desenvolve através de um vírus do género Flavivirus (DENV), transmitido através da picada de mosquitos do género Aedes previamente infetados. Pode provocar febre, dores de cabeça, dores musculares, dores em redor dos olhos, vómitos, manchas na pele e hemorragias.

“Ter um baixo nível de vitamina D e de cálcio não é um fator causal do dengue”, esclarece ao Viral Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, sublinhando que “o dengue é causado por um vírus”.

Também Paulo Paixão, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia e professor de virologia na Nova Medical School, explica que “o dengue é transmitido de uma forma muito direta: através da picada de mosquitos da espécie aedes aegypti e aedes albopictus”.

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Paulo Paixão reconhece que é conhecido “que a vitamina D tem ligação com a resistência às infeções”. Contudo, para o virologista, o problema deste vídeo surge quando se “começa a colocar a falta de cálcio e de vitamina D como responsável pela infeção”.

“Níveis baixos de vitamina D vão prejudicar a imunidade inata – que é o primeiro mecanismo de defesa do organismo. Isto pode levar a um aumento da frequência e da gravidade de várias infeções”, explica. No entanto, isso não significa que o défice de vitamina D provoque dengue.

Suplementos de vitamina D e de cálcio são tratamentos eficazes para o dengue?

Não existe evidência científica robusta que comprove que os suplementos de cálcio e de vitamina D sejam um tratamento eficaz para o dengue.

Os dois especialistas contactados pelo Viral esclarecem que existem alguns estudos observacionais que relacionam os níveis de vitamina D e a gravidade da doença. Contudo, sublinham, são estudos muito preliminares, sendo necessário realizar mais investigação sobre o assunto para chegar a uma conclusão.

Paulo Paixão explica ao Viral que “não há nenhum antiviral para o dengue” e que o tratamento desta doença passa por aliviar os sintomas do paciente. 

Nos casos mais graves – que, segundo o virologista, são uma minoria em Portugal e na Europa – o tratamento de suporte em hospital é fundamental para a sobrevivência.

“Não há nenhuma demonstração sobre qual o mecanismo de ação da vitamina D neste assunto”, destaca ainda Gustavo Tato Borges, acrescentando que “não é reconhecida nenhuma propriedade antimicrobiana desta vitamina no combate a doenças infecciosas.”

O especialista em saúde pública deixa ainda um alerta sobre os perigos da ingestão excessiva de suplementos vitamínicos: “As vitaminas não são substâncias inócuas, não se podem ingerir sem equilíbrio e sem cuidado. Nada na vida é – nem mesmo a água. Há sempre um limite para o que o corpo consegue processar.”

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No caso da vitamina D, por exemplo, uma quantidade elevada no organismo poderá provocar danos nos ossos, lesões nos músculos e problemas renais – associados à acumulação de cálcio em cálculos, que podem causar danos estruturais.

Como evitar ser contaminado?

Em Portugal continental não existem, atualmente, casos de dengue “autóctones”, avança ao Viral Gustavo Tato Borges. 

Desde 2017, foram identificadas colónias de mosquitos aedes albopictus em Portugal continental, mas, aponta o especialista, não estão infetados.

Em 2013, foi registado um surto de dengue na ilha da Madeira. No total, foram confirmados 1080 casos, segundo dados do Serviço Regional dos Assuntos Sociais. A presença do mosquito aedes aegypti nesta região autónoma continua a ser vigiada atualmente.

Os casos de dengue diagnosticados em Portugal são “em pessoas que viajaram para países onde a doença é endémica”, afirma o médico de saúde pública. Uma realidade que é também mencionada por Paulo Paixão.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), esta doença é endémica em mais de 100 países de algumas regiões de África, América, leste do mediterrâneo, sudeste asiático e pacífico ocidental.

A prevenção da picada do mosquito é a melhor forma de evitar a doença. Gustavo Tato Borges recomenda que, antes de viajar para um país onde o dengue é endémico, marque uma consulta de medicina do viajante e siga as recomendações do profissional de saúde.

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Uma vez no país, poderá utilizar repelente, roupas largas que tenham cores claras e que cubram a maior parte do corpo. Sempre que possível, use uma rede mosquiteira sobre a cama, feche as janelas durante a noite e evite zonas onde existem viveiros de mosquitos.

“Se tiver viajado para um país onde existe esta doença e começar a ter sintomas, deve procurar aconselhamento médico”, conclui o especialista em saúde pública. 

Os sintomas de dengue surgem entre quatro e sete dias após a picada do mosquito e duram cerca de sete dias a passar.

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27 Mai 2023 - 08:00

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