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Beber água durante as refeições prejudica a digestão?

9 Mar 2024 - 08:00
falso

Beber água durante as refeições prejudica a digestão?

Circulam no TikTok vários vídeos em que se alega que beber água durante as refeições prejudica a digestão. Segundo o autor de um dos vídeos, isto acontece porque a água  “reduz a produção de saliva”, “dilui o ácido gástrico” e, consequentemente, “diminui a absorção dos nutrientes”. 

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Além disso, alguns utilizadores sugerem ainda que as pessoas com algumas doenças, como refluxo e síndrome do intestino irritável (SII), podem ter sintomas associados a estas patologias se mantiverem este hábito. Mas será verdade que beber água durante as refeições prejudica a digestão?

É verdade que beber água durante as refeições prejudica a digestão?

Não, essa ideia é um mito. Quem o diz ao Viral é Diana Teixeira, especialista em nutrição clínica, investigadora, professora auxiliar da Nova Medical School (NMS) e adjunta da diretora do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde (PNPAS).

Segundo a nutricionista, “há evidência robusta de que consumir água à refeição vai ajudar a garantir a adequação nutricional para a ingestão hídrica diária e, por outro lado, pode, por exemplo, ajudar nos mecanismos de regulação do apetite quando combinada com a ingestão de alimentos”.

Além disso, Diana Teixeira salienta que a ideia de que beber água à refeição dilui a acidez gástrica é falsa, assim como a crença de que a hidratação neste contexto prejudica a absorção de nutrientes. A professora da NMS explica porquê.

Mito nº 1: Consumir água às refeições dilui os sucos gástricos

Diana Teixeira explica que, “em termos gástricos, temos a capacidade de garantir o equilíbrio no pH gástrico e a síntese das enzimas necessárias à digestão”.

Portanto, “não é o consumo de água associado à refeição – até porque os alimentos também a contêm – que vai promover a diluição da acidez gástrica e das enzimas gástricas”.

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Segundo a especialista, “nós temos uma regulação, metabólica e bioquímica, muito concertada, para evitar que o consumo de qualquer alimento desfavoreça a produção das enzimas necessárias à digestão”.

Isto aplica-se à água, mas “já não é verdade quando falamos de outras bebidas, como as bebidas gaseificadas ou o álcool”, alerta. 

Estas bebidas “podem comprometer os mecanismos de digestão porque podem interferir não só no pH, mas também na síntese das enzimas necessárias para a digestão dos alimentos”, esclarece.

Mito nº 2: Beber água durante as refeições prejudica a absorção de nutrientes

A professora da NMS adianta que “também não existe evidência” de que “o consumo de água durante as refeições possa prejudicar a absorção intestinal de nutrientes”.

Aliás, refere, “a verdade é que o consumo de água adequado pode facilitar o trânsito gastrointestinal e garantir que haja uma correta absorção dos nutrientes” ao longo do processo.

Por outro lado, destaca a nutricionista, “o não consumo de água, ou o consumo reduzido, favorece, por exemplo, a obstipação”, uma condição “que pode prejudicar a absorção dos nutrientes”. 

Por esse motivo, neste contexto, “a hidratação pode ser uma das formas de garantir a adequada absorção intestinal”, reforça.

Além disso, “a água não tem calorias nem nenhum ingrediente que possa competir, por exemplo, a nível intestinal com a absorção de nutrientes dos alimentos”, conclui.

Beber água durante as refeições é prejudicial para algumas pessoas?

Há vários vídeos no TikTok em que se alega que as pessoas com algumas patologias gastrointestinais, como o refluxo e a síndrome do intestino irritável, não devem beber água durante as refeições, porque isso pode desencadear sintomas típicos das doenças.

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Segundo Diana Teixeira, “não há evidência de que a água favorece o refluxo”. No entanto, mais uma vez, o mesmo não se aplica às “bebidas gaseificadas e ao álcool” (ver aqui e aqui). Isto porque estas bebidas “alteram o funcionamento do esfíncter, uma espécie de regulador que abre e fecha na passagem do alimento”.

Acontece que “o álcool e as bebidas gaseificadas tendem a relaxar o esfíncter e a permitir que haja um retorno do conteúdo gástrico para o esófago, o que não acontece com a água”, prossegue.

Além disso, “o volume total de alimento consumido na refeição” e “o comportamento sedentário após a refeição” são fatores que “podem favorecer o refluxo”.

Portanto, a única recomendação quanto à ingestão de água às refeições é que não se beba “mais do que um copo”, apenas para “evitar que o volume da refeição seja excessivo” e não porque a água favorece o refluxo.

Em relação à SII, também é um mito que o consumo de água às refeições possa causar desconforto. Diana Teixeira esclarece que “a água não contém nutrientes que possam ser fermentados no cólon e originar, por exemplo, a produção de gás que leva à distensão abdominal”.

Por outro lado, “a água por si só não acelera o trânsito gastrointestinal, desde que seja combinada com alimentos”, frisa. O que pode acelerar o trânsito – originando “sintomatologia associada, como flatulência, distensão abdominal e diarreia” – é “o consumo de alimentos na sua forma mais líquida”, não propriamente a água.

Contudo, a nutricionista considera importante referir que a SII “não está só associada à diarreia, aos gases e à flatulência, também pode estar associada, por exemplo, à obstipação”. 

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Quer no caso de a pessoa ter SII associada a diarreia ou obstipação, beber a água, seja em que momento for, é sempre benéfico.

Beber água, sustenta, “não só garante o adequado estado nutricional do indivíduo que tem perdas excessivas nas fezes, mas também, para aqueles que têm obstipação, ajuda a aumentar a fluidez das fezes, porque uma das razões para esta obstipação, muitas vezes, é o consumo inadequado de água”, sustenta.

Antes, durante ou depois das refeições. Há uma melhor altura para beber água?

Diana Teixeira lembra que “a maioria das células do organismo são compostas por água e, para nós garantirmos que há reposição da água em todas as células, temos de a ingerir”.

Se a água é ingerida antes, durante ou depois das refeições, “não é determinante para o normal funcionamento do tubo digestivo”, frisa. Na perspetiva da nutricionista, “o que importa é beber água e garantir uma ingestão diária adequada e de acordo com a recomendação”.

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Por exemplo, refere, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) “recomenda o consumo de pelo menos um litro e meio de água por dia, associado ao consumo por via alimentar”. 

A investigadora considera relevante apontar que, “para além da água, consumir alimentos que contenham água à refeição, nomeadamente a sopa, pode ajudar aqui no processo de digestão”.

Por fim, Diana Teixeira deixa um apelo: “Nas refeições ou fora das refeições, o importante é que se escolha a água como bebida da excelência e que seja consumida regularmente ao longo do dia. Isso é o mais importante”.

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9 Mar 2024 - 08:00

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