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Sumo de aipo ajuda a recuperar de AVC ou enfarte?

29 Jan 2024 - 10:19
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Sumo de aipo ajuda a recuperar de AVC ou enfarte?

Numa publicação no Facebook, alega-se que o sumo de aipo ajuda na recuperação de um AVC ou de um enfarte.

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Segundo o autor do post, o sumo inclui “três talos de aipo” e meio litro de água e deve ser consumido “duas ou três vezes” por dia durante um mês.

No vídeo, defende-se que, ao beber este preparado, as “células tronco”, que estão dentro do “cérebro, sangue e coração”, vão recompor os “músculos e vasos lesados”.

O autor refere dois estudos da China em que terão, alegadamente, participado 170 pessoas. Ao fim de 30 dias a ingerir o sumo, os participantes terão aumentado 75% das “células tronco”, comparando com os que não ingeriram a bebida. 

Mas será verdade que o sumo de aipo ajuda na recuperação em caso de AVC e de enfarte?

É verdade que o sumo de aipo ajuda a recuperar de um AVC ou de um enfarte?

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A alegação de que o sumo de aipo ajuda na recuperação de um AVC ou de um enfarte “não se encontra suportada com evidência científica credível”, adianta o cardiologista do Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil e membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia José Pedro Sousa.

Ao Viral, o médico explica que, apesar de o aipo ter uma composição química com “moléculas interessantes” e efeitos “antioxidantes e anti-inflamatórios”, é “manifestamente insuficiente para gerar, por si só, o desejado”, ou seja, ajudar na recuperação de um enfarte ou de um AVC.

É necessário a realização de “ensaios clínicos com pessoas como um todo” cujos resultados sejam de um “inequívoco valor clínico”, aponta.

Importa também sublinhar que o Viral não encontrou registo dos estudos mencionados no vídeo.

José Pedro Sousa refere que ingerir sumo de aipo com o objetivo de ajudar na recuperação de um enfarte ou AVC é “um salto de fé”, citando o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard.

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O cardiologista reconhece que o aipo é uma “fonte dietética de vitaminas (A, B2, B6, B9, C e K)” e de minerais, como compostos de potássio. Além disso, tem um “forte teor de fitonutrientes” e de outros “compostos plantares” (luteolina, apigenina e pirroloquinolina quinona).

“Estas constatações aliadas à pobreza em hidratos de carbono (vulgo, “açúcar”) terão sido responsáveis pela propagação da noção de que o sumo de aipo desempenha efeitos salutares na saúde humana”, explica.

Por exemplo, “falta também documentação” que mostre que o sumo de aipo “desintoxica” o organismo.

Há riscos em consumir sumo de aipo?

Por outro lado, há também riscos do consumo de aipo. Para os doentes com insuficiências cardíaca e/ou renal pode ser “motivo de preocupação”, uma vez que tem uma “concentração relativamente elevada de sódio”.

Adicionalmente, o sumo de aipo apresenta psoraleno, um “químico que sensibiliza a pele à radiação ultravioleta, aumentando o risco de queimadura solar, dermatite e fotoenvelhecimento”.

Enfarte e AVC: o que são?

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Segundo a World Heart Federation, 85% das mortes por doença cardiovascular são devido a enfartes agudos do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais.

O coração humano, refere a mesma fonte, é “apenas do tamanho de um grande punho”, contudo, é o músculo que “mais trabalha”. Bombeia sangue por todo o corpo que, por sua vez, transporta oxigénio e nutrientes para os tecidos e órgãos. Num dia, bate cerca de 100 mil vezes e bombeia até 7500 litros de sangue.

Rita Calé Theotónio, presidente da Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular (APIC), explica que um enfarte agudo do miocárdio é uma “condição médica grave” que acontece quando o fluxo sanguíneo que vai para o coração é “interrompido subitamente”. Nesse processo, o músculo cardíaco “fica em sofrimento” porque deixa de receber oxigénio e os “nutrientes necessários” ao funcionamento.

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José Pedro Sousa, membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, acrescenta que um enfarte pode ocorrer por diversos processos. De todos eles, o mais comum corresponde à “erosão ou rutura de uma placa de aterosclerose – colesterol – formada na parede das artérias que suprem o coração”.

Isso levará à “formação de um trombo sanguíneo”, que poderá obstruir a artéria coronária, levando ao “sofrimento do músculo cardíaco”.

“Prolongando o processo, dele resultará uma lesão cardíaca irreversível”, explica o cardiologista.

Mas como sei que estou a ter um enfarte? Os sintomas mais típicos do enfarte agudo do miocárdio são a dor no peito, que pode irradiar para o braço, para o pescoço ou para as costas, indica Rita Calé Theotónio. Normalmente, a dor é acompanhada de suores, má disposição, náuseas ou vómitos, mas também, em alguns casos, de cansaço súbito ou de tonturas.

Embora os fatores de risco e mecanismos possam ser semelhantes, a forma de manifestação de um AVC é “muito diferente e facilmente distinguível” da do enfarte agudo do miocárdio, aponta a responsável da APIC.

O órgão em sofrimento no AVC é o cérebro e não o coração, como no ataque cardíaco. Ocorre de uma “interrupção do fluxo sanguíneo para uma parte do cérebro”, resultando em “sofrimento e lesão cerebral” por falta de oxigénio.

Calé Theotónio indica que perturbações da fala, da visão, fraqueza ou dormência de um lado do corpo, dificuldade súbita do equilíbrio e da coordenação ou dor de cabeça súbita e intensa são exemplos de sintomas de AVC, que variam consoante a parte do cérebro atingida.

Num texto informativo, João Paulo Gomes, presidente da Delegação Norte da Federação Portuguesa de Cardiologia, especifica que o AVC é causado pela “interrupção do fornecimento de sangue ao cérebro”, que pode acontecer por um “trombo se deslocar e obliterar uma artéria de menores dimensões” – AVC embólico – ou por haver uma “rutura de uma artéria que deixa sair o sangue” – AVC hemorrágico.

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Alertar de “imediato o 112” pode “salvar-lhe a vida e evitar sequelas graves”, ou seja, “quanto mais cedo for diagnosticado e iniciado o tratamento, menos sequelas vão ocorrer” e pode mesmo “haver diferença entre a vida e a morte”, sublinha o autor do texto.

Enfarte e AVC: podemos prevenir?

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Não conseguimos “alterar a história familiar” e também não conseguimos “parar a linha do tempo e permanecer sempre jovens”, aponta a presidente da APIC. Por isso, é preciso “atuar em todos os outros fatores de risco que são modificáveis”.

São eles “deixar de fumar”, “controlar a diabetes e a hipertensão arterial e vigiar os valores de colesterol”. 

Já José Pedro Sousa, do Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, refere que o enfarte agudo do miocárdio é, “em grande medida, um evento prevenível”, que deve acontecer em pessoas “saudáveis”, através de “hábitos de vida salubres”, com uma “dieta regrada”, a prática regular de atividade física e a “abstinência” de tabaco.

Calé Theotónio afirma que existem “muitos mitos” em relação aos fatores que podem desencadear um ataque cardíaco. Destaca, por isso, que é fundamental “iniciar o quanto antes e manter ao longo do tempo” um estilo de vida saudável.

As pessoas com “aterosclerose estabelecida” ou com fatores de risco cardiovascular devem, além dos hábitos de vida saudáveis, fazer “tratamento farmacológico”, acrescenta o cardiologista do IPO-Porto.

A idade é, de acordo com a cardiologista da APIC, um dos fatores de risco para a “doença aterosclerótica”, a acumulação de placas de gordura nas paredes das artérias. Ou seja, à medida que envelhecemos, aumenta o risco de termos a doença. 

“O enfarte ocorre, em média, 10 anos mais tarde nas mulheres”, informa, explicando que acontece porque durante a idade fértil as mulheres estão protegidas pela produção de estrogénios.

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Contudo, as mulheres também precisam de “estar alerta”, sobretudo depois da menopausa.

O tabagismo, a diabetes, a hipertensão arterial e o colesterol elevado são outros fatores de risco cardiovasculares apontados por Rita Calé Theotónio.

“Ter história na família de doença cardiovascular também deve ser um alerta, sobretudo, se ocorre em idade jovem (com menos de 55 anos no homem ou menos de 60 anos na mulher)”, aponta.

Enfarte e AVC: as consequências

As duas consequências “mais terríveis” em caso de enfarte agudo do miocárdio são as “arritmias malignas, que podem degenerar em morte súbita”, e a incapacitação de um grande “território miocárdio”, levando à síndrome da insuficiência cardíaca, aponta José Pedro Sousa.

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As consequências podem ser “mitigadas” se o tratamento do enfarte for “implementado precocemente”. Nesse sentido, em caso de sintomas sugestivos, os doentes “não devem hesitar” em contactar as autoridades de saúde.

A presidente da APIC indica que a ajuda deve ser pedida através do 112 porque o “auxílio pelo INEM” é a forma “mais rápida e segura” de transporte para o hospital com capacidade para tratar o enfarte, ou seja, um “cateterismo urgente que consiga desobstruir a artéria entupida”.

À semelhança do enfarte, em caso de AVC, é também “crucial” pedir ajuda “imediata”, porque o tratamento rápido pode fazer diferença na recuperação e até entre a vida e a morte.

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AVC | enfarte | sumo de aipo

29 Jan 2024 - 10:19

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