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Usar gorros causa otites nos bebés e nas crianças?

A otite é uma das doenças benignas mais comuns no inverno e deixa muitos pais desesperados à procura de respostas sobre prevenção e tratamento. E uma das perguntas que os pediatras mais ouvem é se os gorros causam otites. Será que são eles os culpados?

22 Jan 2024 - 10:44
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Usar gorros causa otites nos bebés e nas crianças?

A otite é uma das doenças benignas mais comuns no inverno e deixa muitos pais desesperados à procura de respostas sobre prevenção e tratamento. E uma das perguntas que os pediatras mais ouvem é se os gorros causam otites. Será que são eles os culpados?

Nos fóruns de parentalidade online, a pergunta começa a circular quando as temperaturas invernais chegam aos termómetros nacionais: colocar gorros nas crianças, sobretudo nas mais novas, causa otites?

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Hugo Rodrigues, pediatra que criou a página Pediatria Para Todos no Instagram e é autor dos livros “O Livro do Seu Bebé” e “Porque é que o meu filho se comporta assim?”, reconhece que não há inverno em que esta dúvida não seja abordada em consulta pelos pais e cuidadores dos mais novos.

E será que tem razão de ser? É verdade que os gorros, essa peça de vestuário tão necessária para manter a temperatura corporal, são os culpados pelas otites?

Os gorros causam otites nos bebés e nas crianças pequenas?

Para o pediatra da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, que é também professor na Escola de Medicina da Universidade do Minho, a resposta é clara: “Não, os gorros não causam otites”.

O especialista até diz perceber o porquê da propagação deste mito entre os pais. 

“Pela coincidência de haver mais otites no tempo frio, durante o qual as crianças andam mais agasalhadas, e por, habitualmente, as pessoas também terem tendência a agasalhar ainda mais as crianças quando estas estão constipadas”, isto pode fazer com que esta “coincidência temporal” faça crescer o mito.

Só que, como frisa Hugo Rodrigues ao Viral, “o principal fator de risco para desenvolver otites são as infeções das vias aéreas superiores” e não o vestuário típico desta altura do ano.

Aliás, o pediatra lembra que “não há nenhum estudo que mostre existirem mais otites nos países nórdicos do que nos países do Sul [da Europa], sendo que por lá usam muito mais os gorros do que nós”, devido às temperaturas particularmente baixas, e durante períodos mais prolongados do que acontece nos meses de inverno em países como Portugal.

Afinal, o que são as otites?

A otite é uma inflamação ou uma infeção do ouvido, que pode ser causada por vírus ou bactérias, e é muito comum, principalmente em bebés e em crianças até aos quatro anos.

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Na maioria dos casos, é considerada uma situação benigna de resolução simples e Hugo Rodrigues refere que se trata, “sobretudo, de uma complicação das constipações”, principalmente quando falamos do tipo de otite mais frequente, a otite média aguda, que é a que afeta mais as crianças nesta altura do ano. 

Nestas situações, o quadro clínico começa com uma infeção respiratória – uma constipação ou gripe – que provoca o fecho das Trompas de Eustáquio, que unem os ouvidos ao nariz.

Como “esses tubinhos estão encerrados, não acontece a normal ventilação do ouvido médio e, se estiverem colonizados por micro-organismos, estes acabam por não ser drenados para o nariz e pode desenvolver-se a infeção que resulta na otite”, explica Hugo Rodrigues.

Existem ainda outros dois tipos de otites. A otite interna, “que afeta as estruturas responsáveis pela audição (cóclea) e pelo equilíbrio corporal (labirinto)”, é, regra geral, uma complicação das otites médias agudas.

Já a otite externa “é uma infeção da pele que cobre o canal externo do ouvido, que une o exterior ao tímpano, provocada por micro-organismos que existem na pele”, refere Hugo Rodrigues.

Este tipo de otite é mais frequente no verão e está muito associada aos mergulhos constantes nas piscinas e no mar que deixam “a pele que cobre o canal auditivo mais macerada e, por isso, é mais fácil haver uma invasão de micro-organismos”, acrescenta o especialista.

Certo é que, reforça Hugo Rodrigues, “nenhuma destas otites é provocada pelos gorros. A otite média aguda adquire-se pelo nariz e os gorros não têm nenhum contacto com o nariz, logo não passa de um mito”.

Quais são os sintomas da otite?

O principal sintoma, que é também o mais perturbador para o bebé e para a criança, é a dor, que, normalmente, agrava-se no período da noite.

Depois, segundo se lê na página do SNS24, dependendo do tipo de otite, podem existir diferentes sintomas. Na otite média aguda, para além da dor, pode existir febre, otorreia (presença de secreções (pus) de um ou de ambos os ouvidos) e ainda a diminuição da audição.

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É também comum o bebé ficar mais irritadiço, chorar mais do que o habitual, esfregar ou puxar as orelhas e ter um sono mais agitado.

No caso da otite externa, além da dor, existe também a sensação de ter o canal auditivo entupido, alguma comichão e diminuição da audição. 

As lavagens nasais ajudam ao desenvolvimento da otite?

“Não, habitualmente é o contrário. As lavagens nasais ajudam a prevenir a otite média aguda precisamente porque ajudam a retirar os micro-organismos presentes nessa zona, o que vai diminuir a probabilidade de acontecer uma otite”, refere o pediatra.

Afinal, é, precisamente, a acumulação das secreções que são comuns nas infeções respiratórias superiores que vai favorecer o encerramento das trompas de Eustáquio e predispor às otites. 

Como se trata uma otite?

O tratamento desta inflamação/infeção depende do tipo de otite diagnosticada. 

No caso das otites externas, as que são mais frequentes no verão, a terapêutica passa, “geralmente, por umas gotas de antibiótico tópico, só em casos mais graves são usados antibióticos orais”, refere o pediatra.

Já no caso das otites médias agudas, as mais comuns no inverno, Hugo Rodrigues lembra que, se não existirem fatores de risco – ou seja, se não for um bebé com menos de seis meses, se não for uma otite que deite pus e se for uma otite só num ouvido –, existe uma alta probabilidade de ser provocada por vírus e, nesse sentido, o que a Direção-Geral da Saúde “recomenda de forma clara na norma de orientação clínica que se trate durante dois dias com um anti-inflamatório e ao fim desses dois dias se pare o tratamento”.

Posto isto, “a criança é, então, reavaliada e, se mantiver a otite, inicia-se um antibiótico”. Se estiver melhor, “não é preciso fazer mais nada”. Afinal, refere, “mais de 80% das otites são víricas” e, assim sendo, sem a presença de bactérias, o tratamento com antibióticos não é útil.

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Hugo Rodrigues sublinha que “nem sempre as otites necessitam de antibiótico”.

“Às vezes os pais pressionam [a prescrição] e não faz sentido para a maioria dos casos”, que se resolvem com um anti-inflamatório para aliviar os sintomas e ajudar a criança a recuperar mais depressa.

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Quando a otite deriva da presença de bactérias, as mais usualmente associadas a esta infeção são a Streptococcus pneumoniae e a Haemophilus influenzae.

Sobre o tratamento da otite interna, o pediatra referiu que está dependente da causa.

É possível prevenir as otites? 

Quanto à prevenção das otites, Hugo Rodrigues insiste nos benefícios das lavagens nasais que, em crianças saudáveis, “é a principal forma de prevenir a ocorrência de otites”. 

Além de ajudarem a ventilar o ouvido, são importantes para “retirar microorganismos e secreções do nariz e, assim, diminuir a probabilidade de surgir uma otite”.

Em crianças que fazem otites de repetição “podemos dar medicamentos, nomeadamente recorrer a um spray anti-inflamatório durante umas semanas, para reduzir a inflamação da mucosa e tentar que as trompas de Eustáquio funcionem melhor”, explica Hugo Rodrigues.

O especialista remata referindo que, “eventualmente, há medicação que pode ajudar a estimular um pouco o sistema imunitário, mas isso é para os casos em que as crianças fazem muitas otites de repetição e tem de ser avaliado caso a caso”.

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22 Jan 2024 - 10:44

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