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Sente-se uma fraude? Como combater a chamada “síndrome do impostor”

21 Abr 2024 - 08:30

Sente-se uma fraude? Como combater a chamada “síndrome do impostor”

Começa mais um dia de trabalho com um sentimento derrotista. Chega ao escritório e prepara-se para começar um projeto que lhe foi atribuído pela sua chefia, mas os pensamentos que surgem são de desvalorização pessoal e profissional

A ansiedade começa a subir, o receio de não conseguir terminar o projeto que lhe foi atribuído volta a passar-lhe pela cabeça, atribui “à sorte” o facto de ter conseguido aquele cargo e receia ser despedido quando descobrirem que, afinal, é “uma fraude”.

Este é um cenário que corresponde a um padrão de pensamentos que, nas redes sociais, tem sido descrito como a “síndrome do impostor”. Em declarações ao Viral, a psicóloga Liliana Dias, membro do Conselho de Especialidade de Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações da Ordem dos Psicólogos, explica o que é a chamada “síndrome do impostor” e deixa algumas recomendações sobre como contornar os pensamentos negativos.

O que é a chamada “síndrome do impostor”?

Apesar de o termo síndrome estar associado a doença, a “síndrome do impostor” não é classificada como tal pela Organização Mundial de Saúde. Trata-se de um “padrão de pensamentos” que leva a pessoa a “ter dúvidas sobre ela própria”, explica a psicóloga Liliana Dias.

“Estas crenças fazem com que nos sintamos uma fraude, que pensemos que não temos talento ou que não somos bons o suficiente” e que “é só uma questão de tempo até as pessoas descobrirem que não somos tão competentes como aparentamos ser”, prossegue.

Poderá ocorrer em retrospetiva, ao considerar que um determinado acontecimento não correu bem, que os contributos dados não foram relevantes ou que o trabalho entregue não era suficiente. 

Mas pode também afetar projetos futuros – sentimentos de que não irá conseguir concluir um projeto, por exemplo – ou interferir com a perceção das próprias competências – atribuindo as suas conquistas à sorte ou ao carisma, em vez de as reconhecer como fruto do trabalho.

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Na prática, o indivíduo vai “desvalorizar as conquistas e o sucesso”, reforça Liliana Dias. Por essa razão, a chamada “síndrome do impostor” é muitas vezes associada ao contexto laboral, mas pode ocorrer também na escola, na família e até em relações amorosas.

“Algumas pessoas têm a sensação de que não merecem estar com o parceiro e, por isso, estão em permanente estado de ansiedade, podendo inclusive sabotar a relação”, exemplifica.

Segundo a literatura, este quadro de pensamentos foi descrito pela primeira vez em 1978, pelos psicólogos Clance e Imes. Numa primeira fase, foi identificado entre mulheres em altos cargos profissionais, mas os dados mais recentes sugerem que acontece de igual forma em todos os géneros.

Liliana Dias refere que “não se sabe bem quando começam” estes pensamentos negativos, podendo estar ligados a experiências na infância ou serem motivados pelo ambiente de trabalho em que a pessoa se insere.

“Famílias muito exigentes, que valorizam muito o sucesso, podem fazer a criança sentir que os resultados alcançados não são suficientes e isso pode persistir na vida adulta”, esclarece a psicóloga. 

Em adulto, a “síndrome do impostor” pode desenvolver-se em pessoas que tenham “traços de perfeccionismo”, em “ambientes de trabalho muito competitivos” ou “com chefias tóxicas”.

Este quadro de pensamentos é também associado a situações de baixa-autoestima, ansiedade social ou de desempenho e sintomas somáticos. Poderá levar os indivíduos a desenvolver estados depressivos ou burnout

“A ansiedade é tal que pode até autossabotar o desempenho”, sublinha Liliana Dias, dando como exemplo a “procrastinação” (o adiar sucessivo de tarefas).

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Como lidar com a “síndrome do impostor”?

Apesar de ter sido estudada ao longo de quase 50 anos, não existem tratamentos definidos e comprovados para a chamada “síndrome do impostor”. Existem, no entanto, algumas técnicas que podem ajudar a evitar ou a contornar este padrão de pensamentos negativos.

  • Não rejeite os seus sentimentos

Quando começa a sentir que não está a ter um bom desempenho no trabalho ou que não é suficiente no seu contexto familiar, “não deve rejeitar estes sentimentos”, aconselha Liliana Dias. 

Pelo contrário, é aconselhável que esteja “mais atento” e que “analise os factos”, a fim de perceber quais os fatores que estão a contribuir para estes pensamentos de desvalorização pessoal e profissional.

Ao mesmo tempo, é importante deixar para trás as “crenças e sensações interiores” na avaliação do seu desempenho, assim como os vieses de pensamento. 

“É necessário perceber o facto, fazer um teste à realidade e recolher feedback perante outras pessoas”, acrescenta.

A especialista dá um exemplo prático: depois de uma reunião que acha que correu mal, pode perguntar a um colega quais os pontos em que pode melhorar, de forma detalhada e concreta. Assim, poderá “focar-se nos factos em vez de nas emoções do momento”.

  • Aprenda a valorizar-se e evite comparações

Sendo a “síndrome do impostor” caracterizada por uma série de pensamentos de desvalorização pessoal e profissional, poderá contornar essa tendência focando-se nas suas conquistas. Um bom exercício para isso é fazer “uma lista do seu sucesso”, aconselha a psicóloga.

É importante “aceitar as suas imperfeições”, trabalhando numa “aceitação incondicional de si próprio”. Evite fazer comparações com os outros, que podem aumentar os sentimentos negativos perante as suas capacidades.

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As redes sociais podem ter um impacto negativo nesta área, por serem uma espécie de montra para a vida de várias pessoas, tornando tentadora a comparação com amigos, conhecidos ou profissionais da mesma área. Lembre-se que os conteúdos publicados podem não contar a história toda e, inclusive, até podem ser falsos ou manipulados.

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  • Fale sobre o que está a sentir e procure apoio

O quadro de pensamentos que caracteriza a “síndrome do impostor” pode levar o indivíduo a sentir-se sozinho, uma vez que existe uma tentativa de esconder a alegada incapacidade. Liliana Dias sublinha a importância de contrariar esta tendência e apela a que “fale sobre o que sente”.

“Conseguir verbalizar o que está a sentir, identificando os fatores que estão a alimentar estes sentimentos, pode ajudar a que não se sinta preso ou a ruminar sozinho nestes pensamentos e emoções”, explica.

Também neste processo poderá contar com apoio de um profissional de saúde mental, que o poderá ajudar a analisar estas questões psicológicas, conduzindo-o a uma situação de harmonia consigo próprio.

Categorias:

Saúde mental

21 Abr 2024 - 08:30

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