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AVC: Quantos tipos existem? O que os distingue? Como se tratam?

A 31 de março assinala-se o Dia Nacional do Doente com AVC, aquela que é uma das principais causas de morte em Portugal. Mas sabia que os acidentes vasculares cerebrais (AVC) não são todos iguais, que os tratamentos diferem e as possíveis consequências também?

31 Mar 2023 - 08:00

AVC: Quantos tipos existem? O que os distingue? Como se tratam?

A 31 de março assinala-se o Dia Nacional do Doente com AVC, aquela que é uma das principais causas de morte em Portugal. Mas sabia que os acidentes vasculares cerebrais (AVC) não são todos iguais, que os tratamentos diferem e as possíveis consequências também?

Os números conhecidos não deixam dúvidas quando à gravidade da prevalência do AVC (Acidente Vascular Cerebral). Segundo os dados publicados em 2022 pela World Stroke Organization (WSO), ocorrem, anualmente, mais de 12,2 milhões de AVC no mundo.

Em Portugal, os números não são menos preocupantes e continuam a colocar o AVC no topo das causas de mortalidade. O relatório sobre as principais causas de morte em 2020 do Instituto Nacional de Estatística revelou que as doenças do aparelho circulatório estiveram na origem do maior número de óbitos em Portugal, com o AVC no topo, com um total de 11.439 AVC ocorridos nesse ano, uma subida de 4,2% em relação ao ano anterior.

Mas que tipos de AVC existem?  O que os distingue? E as estratégias de prevenção são as mesmas?

Os AVC são todos iguais?

Em declarações ao Viral, Liliana Pereira, neurologista no Hospital Garcia de Orta e embaixadora da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral para o Dia Nacional do Doente com AVC, começa por explicar que existem dois grandes grupos de AVC: o AVC isquémico e o AVC hemorrágico.

Existe ainda o acidente isquémico transitório (AIT), muitas vezes denominado de mini AVC ou de princípio de AVC, designações que os neurologistas “não apreciam, embora este episódio tenha os mesmos mecanismos fisiopatológicos que um AVC isquémico”.

A diferença entre o AIT e o AVC isquémico é que, no primeiro, os sintomas podem demorar alguns minutos ou horas, o doente recupera completamente da sintomatologia no espaço de 24 horas e quando é realizado o exame de imagem – TAC ou ressonância magnética – “a pessoa não tem uma lesão cerebral identificada”, detalha a especialista.

O que distingue os tipos de AVC?

Um AVC isquémico ocorre quando coágulos de sangue ou outras partículas bloqueiam os vasos sanguíneos do cérebro impedindo que este receba o aporte de sangue e oxigénio que necessita para as funções que desempenha. 

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O doente não recupera dos sintomas em 24 horas – como acontece no AIT – e quando é realizado o exame imagiológico para o diagnóstico “encontramos tecido cerebral lesionado”, sublinha a neurologista.

O AVC hemorrágico não acontece por um bloqueio das artérias, mas pela rutura de uma artéria no cérebro. Assim, o sangue derramado desse rompimento acaba por danificar as células cerebrais pela pressão exercida e também pela interrupção do fornecimento dos nutrientes necessários ao normal funcionamento do cérebro.

Qual o tipo de AVC mais frequente?

“Os números conhecidos não são iguais em todos estudos, as percentagens variam, mas é consensual em todos os trabalhos que os AVC isquémicos são os que ocorrem com maior frequência, em alguns estudos chegam a 85% dos casos, enquanto os hemorrágicos são menos comuns e representam cerca de 15% dos casos”, explica Liliana Pereira.

Sobre a prevalência de cada tipo de AVC, no relatório global que a WSO publica anualmente refere-se que mais de 62% dos AVC mundiais são isquémicos e mais de 28% são hemorrágicos.

Contudo, deste documento, a neurologista destaca a preocupação da mensagem que a WSO passou no Dia Mundial do AVC de 2022, que se assinala a 29 de outubro, chamando a atenção para a probabilidade de uma em quatro pessoas com mais de 25 anos poder vir a ter um AVC ao longo da vida.

Este foi um número que “aumentou 50% nos últimos 17 anos”, lê-se no documento, muito em virtude do estilo de vida atual, com a especialista a destacar “o sedentarismo, o excesso de consumo de sal e a pouca adesão às medidas de estilo de vida saudável”.

Quem sofre um AIT tem um risco aumentado de vir a ter um AVC isquémico?

“Essa ideia é totalmente correta”, afirma Liliana Pereira. A explicação da neurologista para este risco aumentado nos doentes que tiveram um AIT é que “o mecanismo pelo qual ocorrem os dois episódios é o mesmo e as causas que levaram à ocorrência do primeiro evento, do qual o doente recuperou sem lesão cerebral, estão lá e aumentam o risco de que possa repetir-se no futuro” com maior gravidade.

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Nesse sentido, a especialista salienta a necessidade de investigar as causas do AIT e tratar atempadamente, pois só desta forma se estará a “prevenir os eventos futuros”.

Os sintomas são diferentes para cada tipo de AVC?

Nesta questão, a resposta de Liliana Pereira é “sim e não”. Em primeiro lugar, aponta a neurologista, “a distinção entre o AVC isquémico e o AVC hemorrágico não pode ser feita apenas pela clínica, ou seja, pelos sintomas, porque o médico antes de fazer o exame de imagem nunca consegue ter 100% de certeza qual é o tipo de AVC em causa”.

No entanto, frisa, algumas apresentações clínicas “como a presença de cefaleia, a existência de náuseas e de vómitos e a presença de alguns fatores de risco como a hipertensão arterial muito elevada no momento do AVC podem fazer pensar que se trata de um AVC hemorrágico, mas o diagnóstico exige sempre um exame de imagem”.

Os três sintomas mais fáceis de decorar para qualquer tipo de AVC são os três “F”: face, fala e força. 

“Valorizamos alguém que tem dificuldade em explicar-se, tem a voz enrolada, para quem é difícil perceber o que é lhe dito, as pessoas que apresentam assimetria da face, mais vulgarmente conhecida por ficar com “a cara de lado”, e as que têm falta de força num braço ou arrastam uma perna ao andar”, enumera a neurologista.

Por outro lado, apesar de estes três “F” serem os sintomas mais frequentes nos dois tipos de AVC, “como o cérebro controla tudo”, é igualmente importante não desvalorizar outros sintomas menos comuns. São eles, por exemplo, a perda de visão, a perda de sensibilidade num dos lados do corpo, o desequilíbrio e a descoordenação motora que, se aparecerem de forma súbita, podem indiciar que se trata de um AVC.

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A dor é um dos sintomas associados ao AVC?

A ideia de que a dor é um dos sintomas associados ao AVC é uma confusão comum quando se fala das doenças cérebro-cardiovasculares, o grupo de doenças do aparelho circulatório onde se enquadram os AVC e os enfartes agudos do miocárdio. Apesar de ambos os eventos serem doenças agudas do aparelho circulatório, os AVC ocorrem no cérebro, os enfartes no coração e, nas palavras de Liliana Pereira, “seria uma raridade um AVC apresentar-se com dor ou com uma cefaleia isolada de outros sintomas, por isso preferimos não falar em dor como sintoma de AVC”.

A dor é, sim, um sintoma associado ao enfarte agudo do miocárdio.

Os tratamentos são iguais para os diferentes tipos de AVC?

Em relação ao AVC isquémico e ao AIT – neste último caso se o doente chegar ao hospital antes de os sintomas passarem – a fase aguda deve ser tratada “idealmente nas primeiras quatro a seis horas depois do início dos sintomas”, avança a especialista. 

Se o doente chegar ao hospital antes de perfazer nove horas do início dos sintomas, a opção de tratamento passa pela trombólise endovenosa com medicação do grupo dos trombolíticos para dissolver o coágulo.

Noutro plano, se o doente chegar depois desse período, a opção de tratamento passa pela realização de uma trombectomia, um tratamento realizado com um cateter que irá desobstruir a artéria.

Além do tempo que passou entre o início dos sintomas e a chegada ao hospital, “os doentes são selecionados para os tratamentos pelas suas características específicas que vão influenciar o benefício dos tratamentos de fase aguda”, acrescenta a neurologista.

Para o AVC hemorrágico, “infelizmente, temos menos armas terapêuticas e o tratamento passa pela estabilização do doente, pelo controlo da hipertensão arterial (caso esteja presente no momento da monitorização) e alguns doentes vão necessitar de cirurgia”, completa.

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Quando o doente recupera, o tratamento de prevenção secundária “passa pelo controlo dos fatores de risco, pela utilização de um anticoagulante ou de um antiagregante plaquetário, conforme a situação clínica identificada, e, depois, todos os processos de reabilitação e de modificação do estilo de vida”.

O prognóstico é diferente para o AVC isquémico e para o AVC hemorrágico?

“Infelizmente, o AVC hemorrágico é o grupo de doentes que tem um pior prognóstico, comparativamente com quem teve um AVC isquémico, sendo a percentagem de casos fatais maior e também costumam ser mortes mais precoces do que no AVC isquémico”, esclarece Liliana Pereira.

As sequelas de um AVC dependem da área cerebral afetada, da rapidez de tratamento e podem passar por dificuldades na fala, dificuldades de locomoção e de deglutição, problemas na perceção dos espaços ou alterações comportamentais e emocionais que necessitam de acompanhamento de terapias de suporte como fisioterapia e terapia da fala.

Os fatores de risco são diferentes para os vários tipos de AVC?

Há fatores de risco comuns entre os dois tipos de AVC, nomeadamente a hipertensão arterial.

Para o AVC isquémico, Liliana Pereira nomeia como principais fatores de risco a dislipidemia, a diabetes, o tabagismo, o consumo de álcool em excesso, não ter uma alimentação saudável, não praticar exercício físico e fatores de risco que começam agora a ser associados ao AVC, nomeadamente a depressão, como alguns estudos demonstraram (embora sugiram a necessidade de realizar mais investigações).

No caso do AVC hemorrágico, a neurologista identifica também como fator de risco, além da hipertensão arterial, a presença de doenças da coagulação sanguínea.

Por exemplo, a fibrilhação auricular, que é uma arritmia do coração, é igualmente responsável por uma parte dos AVC. Por um lado, é “um fator de risco para o AVC isquémico”. Por outro, estes doentes, se bem identificados, “estarão a tomar anticoagulantes, que, em última instância, podem ser um fator de risco para o AVC hemorrágico”, elucida.

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A prevenção é igual para o AVC isquémico e o AVC hemorrágico?

As medidas para prevenir o AVC isquémico e o AVC hemorrágico são iguais e passam pela escolha de “uma alimentação saudável e diversificada, que seja pobre em gorduras e sal, pela prática de exercício físico durante 45 minutos pelo menos 3 vezes por semana, pelo não consumo de tabaco e pelo consumo moderado de álcool”, aconselha a neurologista, lembrando que cada pessoa deve seguir “as recomendações individuais do médico de família”.

Atendendo à emergência do o AVC, Liliana Pereira sublinha a necessidade de agir rapidamente, identificar os sintomas e contactar o 112 para ativar a Via Verde do AVC que encaminha o doente para um serviço especializado no tratamento e seguimento destes eventos de forma a “evitar as consequências”, seja a perda de mobilidade do doente, seja a morte.

Categorias:

Neurologia

31 Mar 2023 - 08:00

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