PUB

Tomar inositol trata a Síndrome do Ovário Poliquístico? Tem riscos?

5 Mar 2024 - 10:23

Tomar inositol trata a Síndrome do Ovário Poliquístico? Tem riscos?

Nas redes sociais, sobretudo no TikTok, muitas mulheres com síndrome do ovário poliquístico (SOP) têm partilhado a sua experiência com a toma de inositol. Em vários vídeos, alega-se que este suplemento “melhora a resistência à insulina”, “reduz os níveis de testosterona” e “ajuda no ciclo menstrual”. Há quem vá mais longe e sugira que o inositol é a “cura” para a SOP. Mas será verdade?  

O que é a síndrome do ovário poliquístico? 

Em esclarecimentos ao Viral, Irina Ramilo, ginecologista e obstetra, e Maria João Fernandes, nutricionista interessada pela área da fertilidade e da saúde da mulher, começam por adiantar que a síndrome do ovário poliquístico é uma doença hormonal muito frequente em mulheres em idade reprodutiva.

Segundo Irina Ramilo, a SOP é uma “patologia complexa”, que se caracteriza “por uma desregulação do ciclo menstrual e hormonal”. 

Por vezes, acrescenta, “é difícil de estabelecer diagnósticos diferenciais”. Isto porque “os sintomas não são os mesmos em todas as mulheres e não têm sempre a mesma intensidade”, justifica.

Por norma, aponta Maria João Fernandes, uma mulher com SOP tem: “alterações dos ciclos menstruais (longos ou ausência de menstruação)”; “hiperandrogenismo”, que se manifesta através da “acne, excesso de pelos na cara ou nas costas, queda de cabelo ou aumento das hormonas sexuais masculinas”; e a “presença de ovários poliquísticos”.

Além disso, aponta Irina Ramilo, sabe-se que “cerca de 40% a 50% das mulheres com SOP têm excesso de peso ou obesidade” e, acrescenta Maria João Fernandes, têm uma “acumulação de gordura na barriga”.

Irina Ramilo refere ainda que esta condição associa-se com frequência a um “maior risco de hiperinsulinemia com resistência à insulina e risco de desenvolver diabetes tipo 2 e doença cardiovascular (como hipertensão arterial)”.

PUB

Para mais, mulheres com SOP têm uma “maior prevalência de hiperplasia e cancro do endométrio em idade precoce” e um “maior risco de síndrome metabólica, obesidade e infertilidade”, prossegue a ginecologista.

Da mesma forma, a doença “surge também associada a ansiedade, síndromes depressivos e apneia do sono”, destaca.

Na visão de Maria João Fernandes, é importante realçar que “engravidar com SOP não controlada aumenta o risco de problemas na gravidez e pode ter impacto na saúde do bebé, aumentando o risco de diferentes doenças no futuro, incluindo SOP”.

O inositol trata, por si só, a SOP?

As duas especialistas admitem que o inositol tem mostrado um efeito promissor no tratamento da SOP. Este suplemento tem “efeitos benéficos na regulação do ciclo menstrual e na melhoria da sensibilidade à insulina”. Por isso, “pode ser coadjuvante na melhoria dessa sintomatologia”, sustenta Irina Ramilo.

Contudo, “não é nenhuma cura milagrosa”, salienta a médica. 

No mesmo sentido, Maria João Fernandes destaca que “a base para o controlo da doença é o estilo de vida”, ou seja, “se a pessoa tiver uma alimentação desequilibrada, dormir pouco (ou mal) e for sedentária, a suplementação não fará nenhum milagre”. 

Qual o nível de eficácia do inositol no tratamento da SOP?

Irina Ramilo começa por explicar que o inositol é uma substância produzida pelo organismo e pode ser “encontrado em muitos alimentos, de modo especial, em cereais e frutas”.

Os dados atuais da literatura médica “demonstram que a presença de altos níveis de mio-inositol [variante do inositol, mais presente nos suplementos] no fluido folicular está relacionada com uma boa qualidade dos óvulos e a sua inclusão nos tratamentos melhoram a divisão celular e os resultados de gravidez”, esclarece a ginecologista.

PUB

Por norma, “as mulheres com SOP costumam ter deficiência da enzima que produz o inositol no corpo”. Por isso, “nesse grupo, a suplementação de mio-inositol apresenta os melhores resultados, tanto na regulação do ciclo menstrual, como na fertilidade” (ver aqui, aqui, aqui e aqui).

Além disso, prossegue a médica, “o mio-inositol atua também como um sensibilizador de insulina”, promove “melhorias na ovulação” e tem um papel importante na “redução dos níveis de testosterona, podendo ser comparável à metformina em eficácia, mas com um bom perfil de segurança” (ver aqui e aqui).

No entanto, na perspetiva de Irina Ramilo, “estudos mais prospetivos, controlados e randomizados são necessários para definir o papel exato dos tipos de inositol nas vias metabólicas e, acima de tudo, para conhecer os seus efeitos de acordo com os diferentes fenótipos do SOP”.

Além do inositol, “há outros suplementos nutricionais que têm sido estudados no contexto da SOP”, frisa Maria João Fernandes. 

“Mediante as características de cada mulher, os seus sintomas e alterações bioquímicas, receitam-se os suplementos mais benéficos”, acrescenta.

Irina Ramilo aponta que é comum recomendar: “ómega-3”, pelos “efeitos benéficos na sensibilidade à insulina”; “metilfolato”, por “melhorar a qualidade embrionária e aumentar a probabilidade de gravidez”; “vitamina D”, porque “tem um impacto sinérgico benéfico nos perfis metabólicos e na inflamação sistémica”; e “melatonina”, devido “à relação entre o sono/descanso e a fertilidade”.

Existem riscos para a saúde associados à toma de inositol? 

Irina Ramilo defende que a toma de suplementos como o inositol carece “sempre de orientação médica”.

PUB

Isto porque, fundamenta Maria João Fernandes, “o suplemento errado ou a dose errada pode não ser apenas desperdício de dinheiro, mas também ter efeitos prejudiciais”.

Regra geral, aponta Irina Ramilo, “o inositol é muito bem tolerado, com poucos efeitos secundários”. Contudo, de facto, “pode haver alguma hipersensibilidade e ocorrerem sintomas como dores de cabeça, fadiga, nervosismo, náuseas, diarreia, entre outros problemas gastrointestinais”, avisa.

Além disso, “o inositol pode reduzir os níveis de açúcar no sangue, logo, em conjunto com medicação antidiabética, pode levar a hipoglicémia”, conclui a médica.

Em que consiste o tratamento da SOP?

“Embora a SOP não tenha cura, os seus sintomas podem ser controlados”, adianta Maria João Fernandes.

Irina Ramilo conta ao Viral que “o tratamento passa por uma abordagem médica individualizada e assenta sobretudo num estilo de vida saudável, uma dieta adequada, perda de peso, exercício físico regular, além de eventual psicoterapia para controlar o stress e reduzir a ansiedade causada pelas mudanças corporais”.

Segundo Maria João Fernandes, “a dieta mediterrânea, que é muito conhecida como sendo promotora de saúde, é uma das dietas que os estudos indicam como sendo protetora em relação à SOP”. 

Em particular, “o consumo de produtos processados e muito açucarados agravam a doença” e “as dietas com moderação da quantidade de hidratos de carbono podem ser vantajosas para o controlo da SOP”, acrescenta a nutricionista.

No que diz respeito ao tratamento farmacológico, Irina Ramilo expõe que “é geralmente direcionado para os sintomas mais exuberantes”. 

Por exemplo, “a perda de peso pode levar, só por si, ou associada a medicação, a um reinício de ciclos ovulatórios (menstruações regulares)”.

PUB

No caso das mulheres com hiperandrogenismo, “o uso de pílulas anticoncecionais antiandrogénicas ajuda a diminuir a produção de hormonas masculinas, inibe o ciclo menstrual anárquico, diminui a acne e diminui os riscos de lesão endometrial”, sustenta a médica. 

Também “pode haver necessidade de recorrer ao uso de medicamentos insulino-sensibilizantes, como a metformina”, refere a mesma fonte. Outra medida “é o recurso à suplementação, como o inositol”, afirma.

O último recurso, conclui, é o “drilling ovárico”, que é um “tratamento cirúrgico por laparoscopia, baseado na destruição parcial do tecido ovárico por meio de energia elétrica/térmica”, apenas usado em “casos com pouca resposta”.

Em suma, embora o inositol possa ajudar a tratar alguns sintomas da Síndrome do Ovário Poliquístico, não é uma cura por si só e pode não funcionar com todos os casos de SOP.

5 Mar 2024 - 10:23

Partilhar:

PUB