Devo tomar suplementos de vitamina D no inverno?
Um estudo publicado em 2020 na revista científica Archives of Osteoporosis indica que dois em cada três portugueses têm défice de vitamina D. No inverno, os níveis de concentração desta vitamina descem devido à diminuição da exposição à luz solar. Perante esta situação, coloca-se a questão: devemos todos tomar suplementos de vitamina D durante os meses mais frios?
Em declarações ao Viral, o nutricionista Pedro Carvalho e o endocrinologista Francisco Sousa Santos explicam o que diz a ciência sobre esta questão controversa e apontam os benefícios e riscos da suplementação generalizada de vitamina D.
O que é a vitamina D e qual o seu papel?
A vitamina D “é uma hormona” considerada “única”, porque “pode ser sintetizada na pele a partir da exposição ao sol”, explica a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia e Diabetes e Metabolismo. Pode também ser ingerida através do consumo de peixes gordos e ovos.
Para que possa tornar-se biologicamente ativa, a vitamina D tem de atravessar um processo de conversão no fígado e nos rins.
Isso significa que “os níveis de vitamina D no sangue dependem de fatores externos (exposição solar e alimentação) e de fatores internos (conversão a nível do fígado e depois a nível do rim na forma biologicamente ativa)”.
A vitamina D tem um papel fundamental na absorção de cálcio, no crescimento e desenvolvimento dos ossos e dentes e na manutenção do sistema imunológico. Segundo o Serviço Nacional de Saúde (SNS), esta vitamina tem um “efeito protetor” em doenças “infeciosas, autoimunes, cardiovasculares e oncológicas”.
Toda a população deve tomar vitamina D durante o inverno?
A suplementação de vitamina D é um assunto controverso e que divide opiniões na comunidade médica.
Por um lado, há quem seja apologista da toma de suplementos de forma proativa para grupos considerados de risco. Por outro, há quem defenda a prescrição de suplementos apenas quando existe défice comprovado.
Além dos caso em que “há défice comprovado por análises”, Pedro Carvalho, professor de Nutrição na Universidade Católica do Porto e nutricionista no Centro de Inovação Médica, defende que a suplementação de vitamina D é aconselhável “aos principais grupos de risco quanto ao défice” – nomeadamente idosos, indivíduos com obesidade, fumadores, pessoas com pele escura ou que não tenham grande exposição solar.
O nutricionista acrescenta que, “em Portugal, não é necessária uma recomendação geral, mas sim uma recomendação ajustada a cada caso específico pelo médico ou nutricionista”.
Também Francisco Sousa Santos, endocrinologista e autor da página Hormonas em Bom Português, considera que a recomendação para a suplementação de vitamina D deve ser feita com o objetivo de repor os níveis, ou seja, quando existe um défice comprovado.
O especialista acrescenta que pode também ser feita para “dosear a vitamina D em pessoas com fatores de risco de défice”.
Em Portugal, não existe uma recomendação oficial da Direção Geral de Saúde (DGS) para suplementar toda a população adulta, nem para realizar análises em pessoas saudáveis.
A norma da DGS determina que a suplementação de vitamina D em adultos deve ser apenas prescrita para o tratamento de défices em grupos de risco – nomeadamente “pessoas com doenças crónicas, idosos, grávidas, doentes com medicação crónica que diminui a absorção de vitamina D”, lê-se na página do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Apenas os bebés até aos 12 meses de vida devem tomar suplementação vitamínica D, “independentemente do seu tipo de alimentação”. Esta suplementação em idade infantil tem como objetivo prevenir alterações no crescimento dos ossos (raquitismo).
O estudo da Archives of Osteoporosis que identificou uma prevalência de 66% dos portugueses adultos com défice ou insuficiência de vitamina D verificou também que as pessoas que viviam nos Açores apresentavam doses mais baixas do que as que habitam nas restantes zonas do país.
Além disso, foi também identificada uma redução da vitamina D durante o inverno em pessoas com idade avançada e em obesos.
Francisco Sousa Santos justifica esta elevada frequência de défice de vitamina D com as características da sociedade. Atualmente, os indivíduos “passam muito tempo em casa e com pouca exposição solar”.
Os benefícios e os riscos da suplementação de vitamina D
Alguns países adotaram práticas de suplementação para prevenir o défice de vitamina D. A Finlândia, por exemplo, decretou a fortificação do leite e dos produtos lácteos a partir de 2003, tendo já duplicado a quantidade de vitamina D presente nestes alimentos. Mas terá esta prática benefícios comprovados para a saúde da população?
Um artigo publicado em 2022 analisou vários estudos sobre o impacto da vitamina D na saúde. Com base em ensaios clínicos randomizados em adultos com bons níveis vitamina D, os investigadores concluíram que a suplementação “não proporciona benefícios de saúde demonstráveis” e que “não previne cancro, eventos cardiovasculares, quedas ou progressão para diabetes mellitus tipo 2”.
Os autores do estudo destacam que, apesar de haver “cerca de 7% da população mundial com défice severo”, “muitas pessoas com bons níveis de vitamina D tomam suplementação de vitamina D sem benefícios claros”.
Na mesma investigação lê-se ainda que “uma percentagem pequena da população ingere doses mais elevadas do que o limite seguro”, aconselhando-se a prudência na administração de suplementos de vitamina D.
À semelhança de outras hormonas ou nutrientes, a ingestão de dose demasiado elevada de vitamina D pode ter riscos para o organismo. Francisco Sousa Santos lembra que esta vitamina “é um mensageiro químico que provoca efeitos nos tecidos do corpo”.
Os dois especialistas admitem que “é necessário suplementar em grande quantidade e durante muito tempo” para atingir a toxicidade de vitamina D. No entanto, o excesso de vitamina D está relacionado com uma elevação dos níveis de cálcio no sangue, o que aumenta o fator de risco para o aparecimento de cálculos renais e de calcificação dos vasos sanguíneos. Pode ainda provocar alterações ao nível do sistema digestivo e renal.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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