As pessoas com sangue tipo O são intolerantes ao álcool?
Circulam no TikTok dois vídeos, protagonizados pela mesma pessoa, em que se defende que “o sangue O é intolerante ao álcool”.
Segundo o autor das alegações, o sangue do tipo O “é o sangue mais antigo que existe”. Como “há duzentos mil anos, não existia álcool de nenhuma forma”, sugere-se que as pessoas com sangue tipo O têm “uma tolerância muito menor a elementos tóxicos”, como o álcool. Mas será verdade? Há uma relação comprovada entre o tipo de sangue e a intolerância ao álcool?
É verdade que as pessoas com sangue tipo O são intolerantes ao álcool?
Em esclarecimentos ao Viral, Paulo Santos, especialista em Medicina Geral e Familiar e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), adianta que “não existe evidência científica de que essa relação [entre o tipo de sangue e a intolerância ao álcool] possa existir”.
Aliás, frisa o médico, nem é lógico existirem estudos sobre a matéria, “porque, do ponto de vista teórico, esta ideia não faz sentido nenhum”.
Segundo Paulo Santos, o nível de tolerância ao álcool está relacionado “com enzimas no fígado e com a sua capacidade na metabolização do álcool”, não tendo qualquer relação com o tipo de sangue. Então, como surgiu esta ideia?
A tese de que as pessoas com sangue tipo O são intolerantes ao álcool surge a propósito da dieta do tipo sanguíneo, um regime alimentar sem qualquer comprovação científica que defende que se deve privilegiar ou excluir determinados alimentos consoante o tipo de sangue de cada um.
O nutricionista António Pedro Mendes já tinha explicado ao Viral, em declarações anteriores, que a dieta do tipo sanguíneo surgiu no final dos anos 90, “com a publicação de um famoso livro de Peter D’Adamo”.
O autor baseou-se numa tese evolucionista para defender que “determinado tipo de sangue, por ter sido dominante em determinada zona geográfica, poderia beneficiar mais ou menos de alguns alimentos”, esclareceu o nutricionista.
Por exemplo, apontava o especialista, a ideia defendida pelo autor “associa o tipo de sangue O à possibilidade de um grande consumo de carnes, por ser o tipo de sangue mais antigo e que, alegadamente, seria predominante nos nossos antepassados mais longínquos”.
Além disso, Peter D’Adamo sugere que as pessoas com sangue tipo O são mais vulneráveis a comportamentos destrutivos (como abuso de substâncias), quando estão demasiado cansadas, deprimidas ou aborrecidas. Nesse sentido, aconselha os indivíduos com este tipo de sangue a evitarem a cafeína e o álcool.
No entanto, António Pedro Mendes e Filipe Sousa já tinham adiantado também que não há evidência científica que comprove os alegados benefícios da dieta do tipo sanguíneo (ver aqui e aqui)
Segundo António Pedro Mendes, desde a publicação do livro em questão, já foram feitos vários estudos sobre o tema e nenhum “consegue mostrar, de forma consistente, que determinado tipo de alimentos ou padrão tipo alimentar favoreça as pessoas com diferentes tipos de sangue”.
O nutricionista apontava que o tema da dieta do tipo sanguíneo foi “amplamente estudado até 2014”. Contudo, o interesse dos investigadores foi diminuindo à medida que as alegações sobre este regime alimentar iam sendo contrariadas pela evidência científica.
Em suma, não há nada que comprove que as pessoas com sangue tipo O sejam intolerantes ao álcool, até porque não há qualquer relação entre o tipo de sangue e a intolerância ao álcool. Esta ideia é baseada na tese da dieta do tipo sanguíneo, que também nunca foi validada pela comunidade científica.
O que é a intolerância ao álcool?
Segundo um texto informativo do Centro de Informação sobre Doenças Genéticas e Raras (GARD, na sigla inglesa) dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, “a intolerância ao álcool é caracterizada por reações desagradáveis imediatas após o consumo de álcool”.
Por norma, “a intolerância ao álcool é causada por uma condição genética em que o corpo é incapaz de decompor o álcool de forma eficiente”, aponta a mesma fonte.
No entanto, “em alguns casos, o que parece ser uma intolerância ao álcool pode ser uma reação a algo presente numa bebida alcoólica, como químicos, grãos ou conservantes”.
Além disso, salienta o GARD, “a combinação de álcool com determinados medicamentos também pode causar reações”.
Paulo Santos explica, de forma geral, porque é que algumas pessoas não conseguem metabolizar o álcool de forma eficaz: “Quando fazemos uma ingestão alcoólica, o álcool vai ser absorvido e vai passar pelo fígado”, adianta. Depois, sucedem-se “dois processos importantes”.
Numa primeira fase, dá-se “a transformação de álcool numa substância chamada aldeído acético”. Enquanto tivermos álcool no sangue, “vamos ter aquela euforia e alteração cognitiva”, típicas da “sensação de bebedeira”, refere o médico.
Na fase seguinte, “já não temos álcool no sangue, mas temos o aldeído acético, que vai transitar no organismo até se dar a metabolização completa do álcool etílico”.
Nesta etapa, surgem “os tais sintomas da ressaca”, como “a sensação de enjoo, de mal-estar e algumas dores musculares”.
O problema é que “algumas pessoas têm maior ou menor facilidade em fazer esse circuito metabólico”. Se a pessoa tiver menos enzimas (responsáveis pela metabolização do álcool) ou se essas enzimas não estiverem a fazer o seu trabalho, verifica-se uma menor tolerância ao álcool.
Isto porque “o álcool ou o aldeído acético vão permanecer mais tempo no organismo”. Dependendo se a pessoa tem mais dificuldade em fazer a metabolização de um ou de outro, vai acumular uma das substâncias, experienciando mais sintomas de “bebedeira” ou mais sintomas de ressaca.
É possível fazer uma reação alérgica a uma bebida alcoólica?
Paulo Santos explica que “o álcool é uma substância química muito simples”, por isso, por norma, “não desenvolvemos alergias a este tipo de substâncias”.
Contudo, segundo o médico, uma pessoa pode fazer alergia, não ao álcool em si, mas a determinados componentes de algumas bebidas alcoólicas. Por exemplo, aponta, “pode haver alergia ao vinho, por causa dos antioxidantes ou dos corantes” (ver também aqui e aqui).
No mesmo sentido, num texto informativo da Sociedade Australasiana de Imunologia Clínica e Alergia (ASCIA, na sigla inglesa), refere-se que já “foram descritas reações alérgicas graves em pessoas com alergias às proteínas da uva, levedura, lúpulo, cevada e trigo”.
Categorias: