Precisamos de dormir mais no inverno? O que se sabe até agora
A ideia de que precisamos dormir mais no inverno voltou a ser muito discutida, a propósito de um estudo recente. Na investigação em questão, os autores sugerem “uma variação sazonal na arquitetura do sono, mesmo quando se vive num ambiente urbano, em doentes com perturbações do sono”. Mas há dados suficientes para concluir que necessitamos de mais horas de sono nos meses mais frios? O que se sabe até agora?
É verdade que precisamos de dormir mais no inverno?
Em esclarecimentos ao Viral, Vânia Caldeira, pneumologista e especialista da Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPN), adianta que “há muito tempo que se tenta perceber se o sono é influenciado pela sazonalidade”, mas “ainda não se sabe muito sobre o assunto”.
No âmbito da saúde mental, por exemplo, há perturbações que “têm alguma sazonalidade mais ou menos bem descrita”, aponta.
Já em relação às patologias do sono, apesar de existir alguma evidência sobre a insónia, os estudos “são pouco conclusivos”.
“Alguns mostram que há mais incidência de insónia no inverno, mas outros estudos dizem que não”, esclarece.
Este último trabalho, publicado há cerca de um ano, é, na visão de Vânia Caldeira, mais um passo para se tentar perceber se a sazonalidade tem impacto no sono. Contudo, “é preciso alguma cautela ao analisá-lo”, avisa a pneumologista.
Isto porque o estudo “foi feito numa clínica em Berlim” e estudaram-se “pessoas com distúrbios do sono”. A amostra era composta, na sua maioria, por doentes com “insónia”, “algum distúrbio depressivo” ou “apneia do sono”. Por isso, “não é uma população propriamente saudável”, sustenta.
Afinal, o que apuram os investigadores? “O estudo sugere que no inverno há uma maior proporção, digamos assim, de sono paradoxal, de sono REM”, aponta Vânia Caldeira.
A especialista explica que este é um resultado que “estudos prévios tinham mostrado”. No entanto, a comunidade científica continua sem perceber muito bem porque é que isto acontece.
“É possível que tenha a ver com a luz”, já que “o sono REM é muito sensível à luz”. Como há menos luz no inverno, nessa altura “pode haver maior disposição para se prolongar o sono REM”, afirma.
Ainda assim, lembra a médica, aqui estuda-se “uma população específica”, e “é, sobretudo, difícil extrapolar estes resultados para conselhos na prática clínica”.
Até porque, por outro lado, “é difícil entender se este aumento de tempo de sono no inverno é uma causa ou uma consequência, se, de facto, termos menos luz faz-nos dormir mais e melhor”.
O que é certo é que, “embora a maioria das pessoas, subjetivamente, prefira o horário de verão, esse é o horário mais prejudicial para o sono”.
O horário de verão “expõe-nos à luz solar até mais tarde” e “isso retarda a produção da melatonina”, o que “atrasa os horários de sono”.
Isto é “particularmente pior em pessoas com cronotipos mais tardios”, ou seja, “que já têm uma tendência a deitarem-se mais tarde no horário de inverno”, justifica.
Aliás, num texto publicado no seu site, a Associação Portuguesa do Sono (APS) posiciona-se a favor da “adoção permanente do horário de inverno”.
Isto porque este horário apresenta mais vantagens, “como mais luz natural ao início da manhã, com efeitos benéficos para o ritmo de sono-vigília pelo maior alinhamento com o ciclo natural luz-escuro (maior facilidade em adormecer e acordar, atenuação do jetlag social)”.
Outras vantagens apontadas pela APS são: a “melhoria do desempenho profissional e escolar”, a “melhoria da saúde mental” e a “redução do risco da doença física (cancro, diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, doenças neurodegenerativas, problemas da imunidade)”.
Por último, acrescenta, o horário de inverno proporciona a “redução de risco de acidentes e provável repercussão positiva para a economia”.
Tentar minimizar os efeitos da mudança da hora é o mais importante
Na perspetiva de Vânia Caldeira, “independentemente da sazonalidade”, é essencial “adaptarmo-nos à mudança da hora”, pois “é um período de muita suscetibilidade”, sobretudo quando se muda do horário de inverno para o de verão.
Nesta transição “perde-se uma hora de sono, por isso no dia a seguir as pessoas estão seguramente privadas de sono”.
Os riscos para a saúde provenientes desta mudança “estão muito bem demonstrados”, salienta a especialista do sono. “O risco cardiovascular aumenta” e “há mais acidentes de viação”, exemplifica.
No fundo, “as pessoas ficam privadas de sono e vão ter consequências disso, sobretudo as que são muito sensíveis à luz”, que têm “cronotipos mais tardios”.
De modo a minimizar os efeitos da mudança da hora, Vânia Caldeira recomenda que haja uma preparação para esta transição. A médica aponta cinco cuidados fundamentais nesta fase (que devem ser mantidos ao longo do ano):
- “Assegurar que antes desta transição está a dormir horas suficientes”, o que corresponde a “7 a 9 horas de sono para os adultos” e um pouco “mais para os adolescentes”;
- “Manter os horários de sono regulares”;
- “Evitar ao máximo a exposição à luz artificial em casa, seja à luz dos candeeiros, seja à dos dispositivos eletrónicos”;
- Na preparação do sono, “ter um ambiente o mais sossegado possível”;
- “Regular bem a temperatura do quarto nestas variações sazonais”. Segundo Vânia Caldeira “não há um número chave”, o que se pretende é “uma temperatura confortável”.
Categorias: