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Tosse convulsa: O que é? Porque estão a aumentar os casos?

21 Mai 2024 - 02:00

Tosse convulsa: O que é? Porque estão a aumentar os casos?

Nas últimas semanas, registou-se um aumento do número de diagnósticos de casos de tosse convulsa em Portugal, segundo os dados da plataforma de suporte ao SINAVE – o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica – divulgados pela Direção-Geral da Saúde num esclarecimento à agência Lusa.

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Nos primeiros quatro meses de 2024, registaram-se no país mais de 200 casos, um aumento significativo relativamente ao número de casos diagnosticados no ano passado (22) e no ano antes da pandemia por Covid-19, com os 66 casos diagnosticados em 2019.

A situação nacional está em linha com o que está a ocorrer no resto da Europa, como é referido pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC na sigla de língua inglesa).

Segundo a mais recente atualização do organismo europeu, após alguns anos de circulação limitada na União Europeia, particularmente durante a pandemia de COVID-19, “mais de 25 mil casos de tosse convulsa foram relatados em 2023 e mais de 32 mil entre janeiro e março de 2024” números que se assemelham aos que foram observados em 2016 (41.026 casos) e 2019 (34.468).

Em declarações ao Viral, Filipa Prata, pediatra na Unidade de Infeciologia e Imunodeficiências do Serviço de Pediatria Médica do Hospital de Santa Maria, explica se este aumento no número de diagnósticos de tosse convulsa em Portugal e na Europa é motivo de preocupação e esclarece dúvidas sobre esta doença inflamatória respiratória.

Afinal, o que é a tosse convulsa?

Filipa Prata, que também preside à Sociedade de Infeciologia Pediátrica, esclarece que a tosse convulsa, também conhecida por “tosse coqueluche ou pertussis, é uma doença infeciosa aguda, causada pela bactéria Bordetella pertussis, que compromete o aparelho respiratório”, nomeadamente a traqueia e os brônquios.

Tal como outras doenças respiratórias, a “tosse convulsa transmite-se por gotículas de saliva expelidas por uma pessoa infetada quando tosse ou espirra ou mesmo pelo contacto com objetos contaminados com secreções do doente”.

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O período de incubação da doença, ou seja, o tempo que decorre entre a exposição ao vírus e o aparecimento de sintomas, pode variar entre os cinco a 21 dias, embora o mais comum seja entre os sete e os 10 dias.

Como se manifesta esta infeção respiratória?

A tosse convulsa caracteriza-se por três fases de desenvolvimento. A primeira, denominada de fase catarral, dura entre uma a duas semanas e manifesta-se “com sintomas do trato respiratório alto, corrimento nasal, tosse não produtiva e febre baixa”, explica a pediatra.

Segue-se a fase paroxística – que dura entre duas a seis semanas – durante a qual “se verifica um agravamento da tosse com acessos paroxísticos [espasmos e convulsões], que podem ser acompanhados de cianose – coloração azulada da pele e dos lábios – e protusão da língua [movimentos voluntários com a língua].

Tipicamente existe um ruído inspiratório – um guincho – e a tosse pode provocar o vómito”.

A doença evolui para a fase de convalescença, durante a qual há uma diminuição progressiva da intensidade e frequência da tosse, desaparecendo o ruído inspiratório e os vómitos. Ainda assim, refere Filipa Prata, esta fase “pode prolongar-se durante meses com episódios recorrentes de tosse”.

Em casos menos comuns, “podem ocorrer formas atípicas de doença em recém-nascidos e lactentes, em que a fase catarral é muito curta ou mesmo ausente, com inexistência de guincho inspiratório, apneia e dificuldade respiratória”, frisa a pediatra, esclarecendo ainda que em crianças vacinadas, adolescentes e jovens adultos “a sintomatologia é menos pronunciada, podendo manifestar-se como tosse persistente e prolongada”.

Há grupos etários considerados de maior risco?

Segundo explica a especialista “o risco de tosse convulsa é elevado em crianças com idade inferior a seis meses, não vacinados ou parcialmente vacinadas”, sendo este o grupo em que se regista maiores taxas de morbilidade, ou seja, de complicações, e de mortalidade.

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Também nos indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos e as pessoas de qualquer idade que tenham outras doenças de base, como doenças crónicas respiratórias, ou tenham o sistema imunitário comprometido – imunossupressão por doenças ou fármacos – o risco do contágio pela bactéria é considerado moderado já que estas pessoas também apresentam maior probabilidade de desenvolver formas graves da doença.

E quais são as principais complicações associadas à tosse convulsa?

É, sobretudo, na população mais jovem que as preocupações são maiores, sobretudo entre os lactentes. Nos bebés as complicações estão principalmente relacionadas “com a intensidade dos acessos de tosse que pode estar associada a dificuldades respiratórias, intolerância alimentar e provocar hemorragia conjuntival, hérnias, prolapso retal, hipoxia [falta de oxigénio], cianose [descoloração da pele] e, mais raramente, convulsões”, explica a pediátrica.

Devido a estas dificuldades, assinala Filipa Prata, “os pequenos lactentes têm um risco acrescido de falência respiratória por cansaço respiratório, apneia, pneumonia secundária, risco de falência cardiopulmonar e morte por hipertensão pulmonar grave”.

Já na restante população, as complicações mais frequentes “incluem síncope [desmaio], perda de peso, alterações do sono, incontinência, fraturas de arcos costais e pneumonia”, acrescenta.

A especialista reforça que, “aproximadamente, um terço a metade dos doentes” com tosse convulsa acabam por ser internados, a maioria em idade pediátrica.

Qual o tratamento para a tosse convulsa?

Sendo uma doença que resulta da infeção por uma bactéria, a terapêutica passa pelo recurso a antibióticos sempre que se suspeite de tosse convulsa, após colheita de secreções para pesquisa da bactéria.

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Filipa Prata assegura que “este tratamento é eficaz a eliminar a Bordetella pertussis da nasofaringe, limitando o contágio. Na fase inicial da doença – a fase catarral – esta terapêutica diminui ou elimina os sintomas e na fase paroxística não altera o estado clínico”.

Pelo risco de transmissão apresentado, é recomendado que as crianças infetadas não frequentem o estabelecimento de ensino até terem completado cinco dias de terapêutica antibiótica eficaz ou, no caso de não ter sido realizado tratamento, 21 dias após início de sintomas.

“Os elementos do agregado familiar e contactos íntimos devem realizar tratamento antibiótico profilático, a iniciar até 21 dias após início dos sintomas do caso”, acrescenta a pediatra. 

Há vacina para a prevenção da tosse convulsa?

“A vacinação constitui a medida preventiva mais importante”, declara Filipa Prata. No Programa Nacional de Vacinação (PNV) está contemplada a administração de cinco doses da vacina pertussis acelular (DTPa, que engloba também a difteria e tétano) nas crianças, segundo o esquema: dose aos 2, 4, 6, 18 meses e aos 5 anos.

O PNV também inclui a vacinação de grávidas contra a tosse convulsa em cada gravidez entre as 20 e as 36 semanas de gestação, após a realização da ecografia morfológica, “com o objetivo de proteger passivamente o recém-nascido e o lactente contra a tosse convulsa, nas primeiras semanas de vida. Nesta situação, a vacina é administrada, gratuitamente, mediante prescrição médica”.

Porque estamos a assistir a este aumento de casos em Portugal e na Europa?

“A tosse convulsa é uma doença endémica na EU/EEE e em todo o mundo, com picos cada três-cinco anos, mesmo em países com elevada cobertura vacinal”, reconhece o ECDC.

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Daí que, após alguns anos de diminuição do número de casos, em especial durante a pandemia de COVID-19, este ano, começaram a ser reportados aumentos no número de diagnósticos em todos os países da União Europeia e da Islândia, Liechtenstein e Noruega, sendo as crianças com menos de um ano de idade o grupo com incidência mais elevada. 

A nível nacional, esclarece Filipa Prata, “desde o início do ano e até ao início de maio, foram notificados mais de 220 casos, mais do que a totalidade de 2023. A maioria dos casos confirmados ocorreu em idade pediátrica (86%) e metade do total de casos em crianças com menos de 10 anos”.

Tem-se verificado sobretudo, “uma maior incidência nas crianças com idade inferior a um ano (20%), seguida dos grupos etários dos um aos quatro anos e dos 10 aos 14 anos”, acrescenta.

Relativamente ao estado vacinal, cerca de 22% dos casos entre os 2 meses e os 17 anos ocorreram em pessoas sem evidência de vacinação ou com esquema vacinal incompleto e foram internados 28% dos casos confirmados, “a grande maioria dos quais em idade pediátrica”.

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Sobre este aumento do número de casos, a pediatra refere que este pode ser atribuído a vários fatores, nomeadamente os picos epidémicos esperados pela natural circulação da bactéria, “a presença de indivíduos não vacinados ou com esquema vacinal incompleto, a diminuição da imunidade ou a diminuição da contribuição do reforço natural da população em geral durante o período da pandemia de COVID-19”.

No entanto, a especialista ressalva que Portugal tem uma taxa de cobertura vacinal superior a 95% nas crianças, “atingindo também valores muito elevados (84%) nas grávidas”, diminuindo assim a probabilidade de os casos evoluírem para os quadros clínicos mais graves.

Ainda assim, “face a este aumento de casos, é fundamental manter uma elevada cobertura vacinal através da conclusão atempada e completa do esquema vacinal, da vacinação das grávidas para proteger os recém-nascidos, considerado o grupo com maior morbilidade e mortalidade, e reforçar a vacinação em indivíduos não vacinados ou com esquema vacinal incompleto”, alerta a especialista.

Um alerta emitido também pela comissária europeia para a Saúde e Segurança Alimentar, Stella Kyriakides: “O aumento do número de casos de tosse convulsa em toda a Europa mostra a necessidade de estarmos vigilantes. É uma doença grave, especialmente em crianças, e temos vacinas seguras e eficazes que podem preveni-la. A vacinação é a nossa principal ferramenta para ajudar a salvar vidas e impedir que a doença se espalhe ainda mais”.

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saúde pública

21 Mai 2024 - 02:00

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