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Laura recebe oxigénio “24 horas por dia”. A causa é a hipertensão pulmonar

30 Mai 2023 - 04:25

Laura recebe oxigénio “24 horas por dia”. A causa é a hipertensão pulmonar

 Laura Edelma já nasceu com problemas cardíacos (uma cardiopatia congénita), mas foi aos 13 anos que, após vários internamentos devido a “pneumonias e asma”, soube que tinha hipertensão pulmonar. 

Desde o dia em que o diagnóstico chegou, tem aprendido a viver com as suas limitações, como o cansaço extremo que transforma tarefas aparentemente simples em exigentes desafios. “O simples facto de tomar banho pode ser bastante complicado”, relata Laura, em declarações ao Viral.

Laura chegou a estar em risco de vida, mas hoje, aos 37 anos e com a doença controlada, afirma que vê o dia de amanhã “com esperança”. Sabe que o futuro não deverá ser fácil. No entanto, sublinha, “baixar os braços” não é opção. Mas, afinal, o que é a hipertensão pulmonar? De que forma pode condicionar a vida de um doente?

O que é a hipertensão pulmonar?

A hipertensão pulmonar “consiste num aumento anormal da pressão com que o sangue circula nos pulmões”. Quem o diz é Graça Castro, cardiologista e responsável pelo setor de Hipertensão Pulmonar do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).

Este fenómeno, explica a especialista, “pode resultar de uma série de condições ou doenças, umas frequentes, outras raras”.

Por isso, é difícil “fazer generalizações” em relação à hipertensão pulmonar, já que, na prática, é um “sinal de gravidade da doença a que se associa”.

A maior parte dos casos deve-se a doenças cardíacas e pulmonares, mas a hipertensão pulmonar pode estar associada a um “conjunto muito heterogéneo de doenças, muito diferentes na sua origem e tratamento” e pode ser dividida em cinco grupos clínicos.

De acordo com a American Thoracic Society, todas as formas de hipertensão pulmonar são graves e podem até ser fatais, um dado que é também referido pela Associação Portuguesa de Hipertensão Pulmonar, que descreve ainda algumas formas como “raras” e “debilitantes”. 

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A patologia desenvolve-se em pessoas de qualquer idade e de forma “diferente” em cada uma delas, diz a Pulmonary Hypertension Associaton.

“Disse sempre que, enquanto aguentasse, não iria usar oxigénio”

Laura não esquece o dia em que, no final de 2018, teve alta do Hospital Garcia da Orta, em Almada, com uma “nova realidade”: receber oxigénio “24 horas” por dia, um cenário que evitou durante anos. 

“Disse sempre que, enquanto aguentasse, não iria usar oxigénio. Depois comecei a usar só à noite. Até que chegou a uma altura em que já não dava para fugir mais”, conta ao Viral.

Sente-se constantemente cansada. Não pode entrar em excessos e tem de “fazer as coisas ao seu ritmo”.

Com 37 anos, Laura toma medicação oral e usa um ventilador não invasivo à noite e quando está mais cansada. Além do oxigénio, recebe medicação subcutânea através de “uma máquina durante 24 horas”, o que lhe causa “desconforto”. No entanto, tenta viver “da forma mais normal possível”.

No caso de Laura, a hipertensão pulmonar surge devido à cardiopatia congénita, uma malformação do coração que aconteceu ainda no útero da mãe. Também tem asma, o que complica os períodos “de crise”.

A cardiologista do CHUC explica que os sintomas da hipertensão pulmonar vão condicionar a vida dos doentes “a todos os níveis”, nomeadamente “em tarefas banais do dia a dia, como subir escadas ou andar mais depressa na rua, tomar banho ou vestir-se”. 

Os doentes podem sentir “cansaço, tosse e falta de ar”, queixas que, por “desvalorização”, podem levar a um diagnóstico tardio, aponta.

“Pode haver casos em que surge perda de conhecimento – ou síncopes. Tendem a surgir em fases mais avançadas”, acrescenta ainda.

Laura Edelma, que sente “cada vez mais cansaço e dificuldade nas pequenas coisas”, foi diagnosticada com hipertensão pulmonar aos 13 anos. Começou a piorar, sobretudo, quando tinha cerca de 30. 

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Ao Viral, relata que chegaram a chamar a família ao hospital durante um internamento, “por não saberem se ia resistir”. A “primeira vez nos cuidados intensivos” ou a primeira vez que “lhe deram morfina” foram também momentos marcantes. 

“Lembro-me de o médico me colocar cateteres na virilha para estar diretamente ligado às artérias”, lembra.

“Era impensável engravidar”

laura edelma

Quando “era pequena”, tinha a ideia de um futuro “como se vê nas novelas e filmes”: “casar, ter bebés e ser feliz para sempre”, conta Laura ao Viral. No entanto, quando começou a namorar, a médica marcou-lhe a laqueação de trompas para não engravidar.

“É o que os médicos aconselham. Mal temos espaço para os nossos pulmões, quanto mais para dividir o oxigénio com uma criança. Um deles pode não resistir”, refere.

No caso de Laura, com “o problema cardíaco e pouco peso, era “impensável” engravidar.

“Cresci com o ‘pensamento das novelas e filmes’, mas depois de adulta tive de aceitar, deixei de ter esse sonho. Por ter nascido já doente, acabou por ser mais fácil aceitar a realidade”, afirma.

O risco de uma gravidez na presença de hipertensão pulmonar “é muito elevado”, “tanto para a mulher como para o feto” e, por isso, é “desaconselhada”, explica a obstetra Graça Castro. “Há uma grande probabilidade de complicações graves e irreversíveis”, acrescenta. 

No entanto, o risco pode ser “aceitável” em alguns casos que sejam “bem controlados com medicação”, mas, salienta a cardiologista, só depois de “uma avaliação muito cuidada em centros especializados”.

Alguns tipos de hipertensão pulmonar, como “as formas familiar e idiopática” (grupo 1), tendem a afetar mais as mulheres do que os homens”, acrescenta ainda a médica Graça Castro. A Associação Portuguesa de Hipertensão Pulmonar também refere que a hipertensão arterial pulmonar (grupo 1) é mais comum em mulheres, apesar de poder afetar qualquer pessoa.

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Laura tem agora a “doença controlada”. Depois de internamentos constantes, há mais de três anos que não é hospitalizada.

“Tinha uma média de vida de chegar aos 28 anos, hoje tenho 37”, conta ao Viral, com sorrisos do outro lado do telefone.

Sabe que, no futuro, “as coisas vão complicar-se”, mas diz “não pensar a longo prazo”. Até porque, tal como referiu a cardiologista Graça Castro, podem surgir sintomas “mais limitantes” para atividades “simples” à medida que a doença vai avançando.

“Penso no ‘hoje’ e no ‘amanhã’ e mesmo assim com cuidado. Tento sempre aproveitar o dia de hoje. Mas encaro o futuro com esperança”, reconhece Laura Edelma.

Sintomas “pouco específicos”: do diagnóstico ao tratamento

O diagnóstico pode ser relativamente “mais fácil e até precoce”, se o doente já for acompanhado por “ter uma doença que se pode complicar”. No entanto, de forma geral, o diagnóstico “é difícil”, sobretudo em pessoas “mais jovens e, supostamente, saudáveis”, como as com hipertensão arterial pulmonar, explica a responsável do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

“O facto de os sintomas serem vagos e pouco específicos condiciona em grande parte o diagnóstico”, refere a especialista , acrescentando que é “importante” os “médicos, em geral, e os médicos de família, em particular”, estarem “despertos para a patologia”.

Por norma, é possível identificar e encaminhar casos suspeitos com a realização de “exames simples e acessíveis”, como o ecocardiograma.

Atrasos no diagnóstico levam a um reconhecimento das doenças já “em fases mais avançadas” e, consequentemente, a “piores resultados” no tratamento. 

Ao Viral, Graça Castro destaca que, em particular nos grupos de hipertensão arterial pulmonar (grupo 1) e hipertensão pulmonar causada por trombos crónicos (grupo 4), o sucesso do tratamento “é tanto maior quanto mais precoce” for o diagnóstico.

Na prática, os tratamentos vão ser diferentes consoante as doenças que causam a hipertensão pulmonar. 

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Se a origem estiver relacionada com doenças cardíacas e pulmonares, que são “as formas mais frequentes”, o tratamento consiste em “medidas terapêuticas das doenças de origem”. Para as outras formas, existem “medicamentos e estratégias terapêuticas” que “melhoram os sintomas, a qualidade de vida e prolongam a vida”.

“Na ausência de tratamento e acompanhamento adequado, estas doenças podem levar  à morte prematura”, refere a cardiologista do CHUC.

Graça Castro salienta que o seguimento dos doentes em centros especializados nas doenças “influencia muito os resultados”. 

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Neste momento, aponta, é “ainda difícil falar em cura” da hipertensão pulmonar. No entanto, podemos falar em “doenças crónicas, controláveis com terapêutica”. 

Laura Edelma não conhece outra realidade e, ao longo da vida, foram frequentes os internamentos. “Ora era o coração, ora eram os pulmões, ora era a asma”. Mas para quem teve um diagnóstico de hipertensão pulmonar recente, e pode estar a sentir-se “assustado e perdido”, Laura deixa tem uma mensagem a partilhar.

“É importante ter pensamentos positivos. A ciência está a avançar. As medicações ajudam-nos a ter qualidade de vida. Ter um diagnóstico de hipertensão pulmonar não é sinal do fim, pode ser o começo de aproveitar mais a vida, dar um sentido à vida. Só temos duas opções: ficar sentados de braços cruzados à espera da nossa hora ou aproveitar o tempo que cá estamos”, conclui.

Cerca de 1% das pessoas em todo o mundo estão diagnosticadas com hipertensão pulmonar, de acordo com o National Heart Lung and Blood Institute. Em Portugal, estão em tratamento cerca de 300 doentes.

30 Mai 2023 - 04:25

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