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Ouvir música ou podcasts antes de dormir ajuda ou prejudica o sono?

9 Jun 2023 - 11:01

Ouvir música ou podcasts antes de dormir ajuda ou prejudica o sono?

A popularidade dos podcasts tem registado uma tendência crescente nos últimos anos. Há cada vez mais pessoas a ouvir regularmente estes conteúdos áudio e cada vez mais opções temáticas para os ouvintes.

Dados avançados pela NPR & Edison Research, com base na população norte-americana, referem um aumento de 45% na audição discurso falado (palavras) entre 2014 e 2022. Entre a geração Z (pessoas que, atualmente, têm entre 13 e 24 anos) o aumento foi de 214%.

Ouvir podcasts ou música é um hábito que acompanha várias pessoas nas suas tarefas diárias, como arrumar a casa ou lavar a louça. Há quem até não consiga adormecer sem dar “play” numa plataforma de podcasts ou sem escutar uma lista de músicas predefinidas.

Tendo em conta que a utilização de aparelhos eletrónicos no quarto se tem tornado uma preocupação e motivo para vários estudos (como este e este) devido ao seu impacto no sono e no humor, questionamos duas especialistas desta área sobre quais os impactos que ouvir música ou podcasts antes de adormecer pode ter no sono e na saúde. Será que este hábito melhora o sono? Ou pode, pelo contrário, prejudicá-lo?

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Ouvir música ou podcasts antes de dormir tem benefícios ou prejuízos para o sono?

Depende do caso. Ouvir conteúdos áudio pode ser benéfico e reduzir o tempo que a pessoa leva a adormecer, mas pode também ter um impacto negativo na qualidade do sono. Além disso, a utilização destas estratégias de forma sistemática pode causar uma habituação pouco saudável. Mas como assim?

Vamos por partes…

Vários estudos analisaram o impacto que a música tem no ato de adormecer. Apesar de algumas limitações nas investigações, os estudos apontam que a melodia e o ritmo das músicas podem relaxar a pessoa e, desta forma, tornar o processo de adormecimento mais rápido. 

No entanto, Teresa Rebelo Pinto, psicóloga, somnologista e fundadora da Clínica Teresa Rebelo Pinto – Psicologia&Sono, esclarece ao Viral que são poucas as investigações que analisam o impacto da música no sono inteiro. 

“O que se sabe é que a música tem um impacto fortíssimo a nível emocional e cerebral”, explica a especialista. Por exemplo, “uma música com uma batida mais lenta pode ajudar a reduzir o batimento cardíaco, a relaxar e a adormecer.”

Uma revisão sistemática, publicada pela Cochrane Library, em 2022, analisou 13 estudos, reunindo 1.007 participantes. 

As conclusões sugerem que “a música pode melhorar subjetivamente a qualidade do sono nos adultos com sintomas de insónia”. 

Contudo, os investigadores acrescentam que “é preciso mais investigação para estabelecer o efeito de ouvir música noutros aspetos do sono assim como nas consequências diurnas da insónia”.

A melodia é também reconfortante para a pessoa “desde a infância”, lembra a psicóloga. As músicas de embalar são uma forma que os cuidadores utilizam para fazer adormecer os bebés e esse efeito acaba por se refletir também na idade adulta.

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Sobre o impacto dos podcasts, a literatura é ainda mais escassa. Teresa Rebelo Pinto considera que a utilização destas fontes de som tem um “elemento distrativo” que afasta a pessoa de pensamentos ruminantes e, ao mesmo tempo, pode transmitir um “sentimento de que a pessoa está acompanhada”.

“O processo pelo qual a música e os podcasts podem ser úteis é emocional. Do ponto de vista orgânico, não precisamos disto. Precisamos de escuro e de boa temperatura”, sustenta.

Por outro lado, esta prática pode também ter impactos negativos para o sono. “Em alguns casos, a música não é favorável ao sono. A ‘playlist’ pode ter uma música mais alta ou com uma batida mais marcada que faz o indivíduo acordar”, alerta a psicóloga.

O mesmo se passa com os podcasts. “Se houver grandes barulhos pelo meio do podcast, estes podem prejudicar o sono da pessoa”, prossegue. 

Em causa estão os “ruídos excessivos e repentinos” que são interpretados pelo cérebro como “sinais de perigo” e podem interromper o sono de forma abrupta.

Ana Allen Gomes, membro da direção da Associação Portuguesa do Sono, professora e investigadora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, frisa que, “mesmo que a pessoa não acorde”, os sons mais fortes podem causar uma “maior dificuldade em atingir sonos profundos e até alterar o ritmo cardíaco” do indivíduo.

“Os sons constantes – como, por exemplo, a chuva ou o ruído branco que existia, antigamente, nas televisões após terminar a emissão – não afetam o sono e até estão associados, subjetivamente, a uma melhor qualidade do sono. Outro tipo de sons pode interferir com o sono, mesmo que a pessoa não acorde”, adianta. 

Noutro plano, Teresa Rebelo Pinto lembra que a utilização de fones durante a noite pode causar danos auditivos. 

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“Os fones não foram feitos para utilizar enquanto se dorme, podem danificar o canal auditivo ou levar a uma maior produção de cera”, alerta. 

Caso os fones tenham fio – os modelos mais antigos e sem sistema bluetooth – isso pode, inclusive, causar situações de estrangulamento e asfixia.

Ambas as especialistas apontam que a utilização de música ou podcasts, como forma de relaxamento, deve ser realizada “antes de ir para cama, não quando for para a cama”. Até porque, alertam, a utilização sucessiva de técnicas de adormecimento pode causar uma espécie de habituação.

Música e podcasts para relaxar? Sim. Para adormecer? É de evitar

Tanto Teresa Rebelo Pinto como Ana Allen Gomes são taxativas nos riscos de associar uma atividade – como ouvir música ou podcasts – ao ato de adormecer.

As especialistas avisam que esta prática pode levar a pessoa a criar uma espécie de dependência dos mecanismos, não conseguindo adormecer sem eles ou até ficando em pânico quando estes faltam.

“Se, sistematicamente, alguém adormecer rapidamente a ouvir música ou um podcast, pode consolidar-se uma associação aprendida ‘música/podcast-adormecimento’”, afirma Ana Allen Gomes. 

Esta associação realizada sistematicamente “pode tornar-se desvantajosa a partir do momento que a pessoa começa a ter dificuldade em iniciar o sono sem recurso à música ou ao podcast”.

A especialista insiste que “o efeito da música ou do podcast pode tornar-se contraproducente caso a pessoa os utilize como estratégia para tentar adormecer”, dado que “quando alguém se esforça para adormecer, a ativação psicofisiológica, em vez de diminuir, tende a aumentar, interferindo com o relaxamento desejável para iniciar o sono”.

Um estudo realizado em 2023 concluiu que, entre a população da Noruega, a utilização de “truques para adormecer” é mais frequente nas pessoas com insónias. 

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Entre as pessoas identificadas pelos investigadores como tendo “insónia crónica”, 53,7% reportou a utilização de “métodos ou truques” para adormecer. No geral, 34,3% dos 1.028 participantes afirmou recorrer a “métodos ou truques” na hora de ir dormir.

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Ana Allen Gomes sublinha que estes recursos “externos” de relaxamento podem continuar a ser utilizados, desde que fora do quarto: “A música ou o podcast podem ser usados sem problemas – e até com vantagens – como parte da rotina para descontrair e preparar o sono antes de ir para a cama, mas não na cama.”

Quando a pessoa começa a reportar dificuldades a adormecer sem estas técnicas, é necessário realizar uma “dessensibilização”, explica Teresa Rebelo Pinto. Nestes tratamentos, serão “gradualmente substituídas as estratégias utilizadas para adormecer por outras mais favoráveis e com menor risco”. 

Ana Allen Gomes destaca ainda a importância de manter uma boa “higiene de sono” assente numa “regularidade horária para ir dormir” e com “uma rotina apropriada antes de ir para a cama”. 

Esta rotina poderá incluir técnicas de relaxamento, música, podcasts ou outras atividades que a pessoa considere calmantes. Mas repete: a rotina é para realizar “antes de ir para cama”.

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Sono

9 Jun 2023 - 11:01

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