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Jejum intermitente aumenta níveis de testosterona?

29 Jul 2023 - 08:30
falso

Jejum intermitente aumenta níveis de testosterona?

Num curto vídeo partilhado no Tik Tok, alega-se que a prática de jejum intermitente está relacionada com um aumento dos níveis de testosterona e da hormona do crescimento em homens jovens.

“Estudos mostram que, com 15 horas [de jejum], vemos a subida da hormona do crescimento. A hormona do crescimento é a hormona que mantém a juventude e ajuda a queimar gordura. Também vemos, nos homens, um aumento de 13% [dos níveis] da testosterona, apenas devido a um jejum intermitente de 13 a 15 horas”, defende-se no vídeo.

As alegações em causa são da autoria de Mindy Pelz, que se identifica como “especialista em saúde holística e uma das principais vozes na educação de mulheres sobre o seu corpo”.

Mas serão as declarações de Mindy Pelz fundamentadas e comprovadas pela ciência? Confirma-se que fazer jejum intermitente aumenta os níveis de testosterona e da hormona do crescimento?

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É verdade que o jejum intermitente aumenta os níveis de testosterona?

A ideia de que o jejum intermitente aumenta os níveis de testosterona não tem fundamento científico. Aliás, há alguma evidência a apontar no sentido contrário. 

Embora haja poucos estudos sobre o assunto, o que se tem verificado é que o jejum intermitente parece estar associado a uma potencial redução da testosterona no organismo masculino. Os dois endocrinologistas contactados pelo Viral referem, ainda assim, que esse efeito será ligeiro e não interferirá com a fertilidade.

“Quando estamos perante um défice calórico, existe uma diminuição de produção de testosterona”, começa por explicar Francisco Sousa Santos, endocrinologista no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental

Esta redução pode estar associada à gestão dos níveis de energia disponíveis. Isto é, “o organismo começa a ‘desligar’ gastos metabólicos, começa a escolher o que é mesmo necessário. Pensa-se que é uma lógica de reserva de energia para sobreviver mais tempo, aponta.

Ainda assim, reforça, esta descida dos níveis de testosterona não é significativa e os valores “parecem manter-se dentro do considerado normal”, prossegue Francisco Sousa Santos.

Também João Sérgio Neves, médico endocrinologista no Centro Hospitalar Universitário de São João e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), sublinha que esta diminuição não é clinicamente significativa.

“Os homens com peso normal que façam jejum intermitente não vão ficar com os níveis de testosterona baixos. É um efeito bioquímico ligeiro, não é relevante do ponto de vista clínico”, esclarece o especialista.

Pela forma como os estudos foram realizados, também “não há evidência de que esta redução da testosterona seja prejudicial à função sexual”, nomeadamente testicular e gonadal, acrescenta João Sérgio Neves.

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Uma revisão de ensaios clínicos, publicada em 2022, concluiu que o jejum intermitente “reduz os níveis de testosterona em homens jovens, magros e fisicamente ativos, mas não afeta os níveis de concentração de globulina de ligação de hormonas sexuais”. 

Os autores deste trabalho ressalvam, no entanto, que a evidência científica sobre este assunto é limitada, uma vez que existem “muito poucos estudos conduzidos sobre este tópico”. 

E na hormona do crescimento?

Ao contrário do que acontece com os níveis de testosterona, o jejum intermitente parece poder estar associado a um aumento da hormona do crescimento, tal como é referido no vídeo. 

No entanto, os estudos existentes focam-se em jejuns prolongados (entre dois e cinco dias) e não nos protocolos frequentes do jejum intermitente. Além disso, nem tudo o que se alega no vídeo sobre os efeitos da hormona do crescimento é verdade.

De facto, a redução das calorias ingeridas pode estar relacionada com o aumento de episódios de libertação de hormona do crescimento no organismo. É também verdade que esta hormona está associada com a queima de gorduras acumuladas, uma vez que promove o processo de lipólise (transformação de ácidos gordos em glicose para fornecer energia às células).

“Quando estamos longos períodos sem comer, precisamos de uma fonte alternativa de comida e isso leva ao aumento da hormona do crescimento”, explica Francisco Sousa Santos, acrescentando que esta “hormona ‘liga o interruptor’ para que o organismo possa ter fontes de energia alternativas”.

Um artigo científico publicado em 2022 segue em concordância com as conclusões anteriormente verificadas de que o jejum estará relacionado com um aumento da hormona do crescimento. Apesar de o “mecanismo” por trás desta estimulação da hormona ser “ainda pouco claro”, os autores sublinham que pode estar relacionada com “um mecanismo compensatório com o objetivo de mobilizar energia endógena para ajudar a assegurar a sobrevivência”.

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João Sérgio Neves admite que “sempre que se faz jejum, os níveis de hormona do crescimento aumentam”. 

O endocrinologista explica que a falta de alimento leva a que sejam ativados os efeitos metabólicos da hormona, que estão associados à libertação e transformação de ácidos gordos em glicose. 

Por outro lado, o efeito anabólico – associado ao crescimento e reforço muscular – pode não ocorrer durante os períodos de jejum.

É importante também referir que a alegação de que a hormona do crescimento “mantém a juventude”, referida no vídeo, é uma afirmação “controversa” e sem evidência científica que a comprove, afirmam os dois endocrinologistas.

Jejum intermitente: uma forma de dieta ainda em estudo

O jejum intermitente tem vindo a ganhar adeptos nos últimos anos. É promovido como uma forma de perder peso e de “desintoxicação” e “limpeza” do organismo. 

Apesar de haver ainda muitas questões sobre esta forma de dieta – com a maioria dos estudos a serem realizados em roedores –, sabe-se que a perda de peso e de gordura são semelhantes aos de uma dieta de restrição calórica.

Num estudo realizado na população chinesa, em 2022, foram comparados os efeitos de um plano alimentar com base nas regras do jejum intermitente com os resultados obtidos através de uma dieta de restrição calórica. 

Os 139 indivíduos com obesidade foram divididos, de forma aleatória, em dois grupos: num, só podiam comer entre as 08h00 e as 16h00; no outro, ingeriam no máximo entre 1.500 e 1.800 calorias, no caso dos homens, e 1.200 e 1.500 calorias, nas mulheres. Ao final de um ano, os dados recolhidos em ambos os grupos eram sobreponíveis.

Quando o objetivo é perder peso, explica Francisco Sousa Santos, “mais importante do que o jejum intermitente” é “a quantidade de calorias que se restringe”.

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“Para algumas pessoas, pode ser mais fácil ter uma janela em que come e outra em que não come. Se a pessoa conseguir fazer uma restrição de calorias fora do sistema de jejum intermitente, o resultado seria semelhante”, clarifica.

No mesmo sentido, Francisco Sousa Santos refere que, à luz da ciência atual, “não se pode dizer taxativamente que o jejum intermitente é a melhor ou pior forma de perder peso”, sublinhando que “a melhor forma é a que se adapta melhor à pessoa”.

Tanto o jejum intermitente como uma dieta de restrição calórica são “eficazes na diminuição do peso”, não havendo “evidências inequívocas” de que um dos processos seja superior ao outro.

A ciência está ainda a analisar as vantagens e as desvantagens do jejum intermitente e “não há conclusões definitivas”. Há, inclusive, diversos estudos a decorrer, que podem contribuir para uma maior clarividência no futuro sobre esta forma de dieta.

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29 Jul 2023 - 08:30

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