Deve desinfetar feridas com água oxigenada e álcool?
Diz a sabedoria popular que “o que arde cura”. Por isso, na hora de desinfetar feridas, há quem recorra ao álcool etílico e à água oxigenada por acreditar que a sensação de ardor na pele é sinal de uma desinfeção eficaz. Mas será esta uma boa prática? Quais os cuidados a ter quando nos ferimos na pele?
É recomendado desinfetar feridas com álcool e água oxigenada?
Em declarações ao Viral, Dora Franco, enfermeira especialista na consulta multidisciplinar de estudo e tratamentos de feridas na unidade de investigação em enfermagem do IPO de Lisboa e dirigente na Ordem dos Enfermeiros, adianta que o álcool etílico e a água oxigenada incluem-se nos “agentes desinfetantes não recomendados” em caso de feridas.
Por um lado, explica, a utilização de álcool etílico “é contraindicada, quer pela toxicidade celular e decorrente dano, quer pela dor” provocada na sua aplicação. Além disso, “o seu uso não tem fundamentação científica sólida”, defende a enfermeira.
Quanto à água oxigenada (peróxido de hidrogénio), “apesar da sua ação empírica sobre os microrganismos e detritos, não existe evidência científica forte da sua utilização, podendo inclusive ser tóxica para os tecidos, prejudicando a síntese de colágeno”, justifica Dora Franco. Para mais, tal como o álcool, “a sua aplicação pode ser dolorosa”.
Além destes dois agentes, a enfermeira ainda refere o hipoclorito de sódio como “não recomendado”. Este produto é tóxico para os tecidos e torna-se “inativado após 30 minutos em contacto com matéria orgânica”, refere.
Como tratar e desinfetar feridas
Segundo Dora Franco, é importante ter em conta que “existem diferentes tipos de feridas”.
Considerando “as feridas cicatrizáveis, agudas, causadas por traumatismos e acidentes”, a maioria “são feridas simples, pequenas, abrasões e quebras cutâneas de pequenas dimensões”.
Na visão da enfermeira do IPO de Lisboa, o primeiro passo é “perceber a causa”, “o contexto”, “os sintomas associados” à ferida e a “real dimensão e profundidade” da mesma. “Se nesta avaliação o diagnóstico inicial for de gravidade, deve procurar-se de imediato um profissional de saúde”, salienta.
De seguida, aconselha Dora Franco, deve confirmar-se se a pessoa que fez a ferida tem “a vacina contra o tétano e difteria” em dia.
Depois, deve-se assegurar a limpeza da ferida. “Nas feridas superficiais deve lavar-se a ferida com soro fisiológico ou água potável, de preferência com irrigação”. Além disso, a pele à volta da lesão (perilesão) deve ser lavada com água e sabão.
Se o soro fisiológico ou a água corrente “não for suficiente para eliminar os eventuais detritos presentes na ferida (como areia ou pedras), deve ser utilizada uma compressa ou um pano limpo para as retirar com cuidado sem esfregar”, explica a enfermeira.
Para a enfermeira, o soro fisiológico é ideal para limpar as feridas por vários motivos: “não é tóxico para os tecidos, nem causa reações alérgicas”; “não é suscetível de causar resistências” e “reduz a carga de microrganismos”.
Posto isto, deve escolher-se um penso apropriado, “de acordo com as características da ferida”. Por exemplo, o penso ideal deve “manter o ambiente favorável à cicatrização”, “proteger a ferida de traumas externos” e “ser impermeável a microrganismos e não aderente ao leito da ferida”.
Por fim, não se deve “esfregar a ferida”, nem “soprar para o leito da ferida”. Para mais, também não é recomendado “usar algodão ou outro material que possa eventualmente deixar resíduos” na ferida, “colocar ligaduras apertadas”, ou “aplicar produtos que se julgam cicatrizantes, sem evidência científica, como plantas não esterilizadas”, sustenta Dora Franco.
Quando se deve ir ao médico?
De modo geral, as feridas “são mais frequentes em crianças e idosos, e podem ser tratadas em casa, sem necessidade de recorrência ao sistema de saúde”.
No entanto, às vezes, é necessária “a intervenção por parte de profissionais de saúde”. Assim, são consideradas feridas graves quando “os cortes que não se juntam e medem mais de dois ou três centímetros”.
Além disso, deve-se recorrer a um profissional de saúde quando “a hemorragia na ferida persiste, mesmo após dez minutos de pressão”.
São também consideradas feridas graves aquelas “localizadas em zonas oculares e genitais”, “profundas e/ou que decorreram de um objeto cortante/perfurante, sujo ou oxidado”; “feridas com corpos estranhos de difícil remoção e limpeza”; “feridas causadas por mordidas de pessoas ou animais”; e “feridas com dor intensa associada no local”.
É também necessário ir ao médico, se houver “suspeita de fraturas ósseas”.
Quais os riscos associados às feridas?
“A maioria destas feridas agudas simples acabam por cicatrizar sem complicações, criando uma crosta dura, não necessitando inclusive de proteção com penso”, começa por tranquilizar a enfermeira.
Não obstante, “o risco de infeção é um fator a considerar”, devido, por um lado, “à causa e características da ferida em questão”.
Depois, segundo Dora Franco, é necessário ter uma atenção especial em pessoas consideradas de risco pelas vulnerabilidades ou morbilidades.
A enfermeira refere-se, por exemplo, a pessoas: com “diabetes”; que tenham tido uma “cirurgia recente”; com uma “condição clínica associada a hipóxia ou má perfusão tecidular”; com uma “disfunção do sistema imunitário”; que tenham um “défice nutricional em proteínas”; ou consumam “substâncias, como álcool e drogas”.
Os sinais clínicos que devem ser vigiados são: “rubor, calor e edema na zona circundante à ferida; dor ou sensação de picada; exsudado (líquido) com odor, mais espesso ou coloração leitosa, esverdeada; febre ou mal-estar geral”.
Assim, alerta a especialista, “se há risco ou suspeita de infeção presente, deve recorrer a um profissional de saúde, enfermeiro ou médico”.
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