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Basta um concerto ruidoso para danificar a audição para sempre?

3 Mar 2024 - 07:49
verdade-mas

Basta um concerto ruidoso para danificar a audição para sempre?

Certos hábitos, como ouvir música no volume máximo com auscultadores e trabalhar em ambientes ruidosos sem proteção sonora, podem causar danos na audição. Nesse sentido, uma utilizadora do TikTok recomenda o uso de tampões de ouvidos durante um concerto, porque, sugere, “basta um concerto ruidoso para danificar a audição para sempre”. Mas será mesmo assim? 

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Um concerto ruidoso pode causar danos permanentes na audição?

Em declarações ao Viral, Leonel Luís, Coordenador de Otorrinolaringologia no Hospital Lusíadas Amadora, adianta que um concerto “pode danificar a audição”. No entanto, acrescenta, “se é para sempre ou não, depende se há ou não recuperação”.

A gravidade do dano auditivo, no contexto da exposição ao som, depende, sobretudo, de três fatores: “da intensidade e duração da exposição” e da “capacidade de recuperação do ouvido”, explica o médico.

O otorrinolaringologista avisa que, “às vezes, basta aumentar um pouco o volume para efetivamente o dano ser muito maior”. Isto porque o som afeta a audição de uma forma “exponencial” e “não linear”. Mas o que significa isto em concreto?

Num texto informativo, publicado pelo Instituto Nacional de Surdez e outras Desordens de Comunicação (NIDCD, na sigla inglesa) dos Estados Unidos da América, explica-se que “o som é medido em unidades denominadas decibéis”, sendo que “os sons iguais ou inferiores a 70 decibéis ponderados A (dBA), mesmo após uma longa exposição, não são suscetíveis de causar perda de audição”. 

No entanto, prossegue o NIDCD, “a exposição prolongada ou repetida a sons iguais ou superiores a 85 dBA pode causar perda de audição” e, “quanto mais alto for o som, mais curto será o tempo necessário” para que a perda de audição ocorra.

Além disso, as pessoas, quando expostas a um ambiente ruidoso, podem não ter noção dos riscos que correm. Leonel Luís explica porquê: 

“Por exemplo, a pessoa vai a uma discoteca, passa a receção e parece-lhe que o som está muito alto. Passado um minuto ou dois, parece que o som baixou bastante”, apesar de isso não ter acontecido. 

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A que se deve essa perceção? Tal como esclarece o médico, “nós temos uns músculos que seguram os ossículos do ouvido, que, quando expostos a uma intensidade de som muito alta, seguram os ossículos para que eles não se mexam tanto”. 

Por esse motivo, “de repente, o ouvido da pessoa passa a responder menos a intensidades de som elevadas”.

Contudo, esse processo “tem um limite” e, assim que o atinge, “tudo o que são aumentos de intensidade de som são imediatamente transmitidos para o ouvido interno”, havendo o risco de lesão.

Em suma, é verdade que a ida a um concerto pode, por si só, danificar a audição, mas o nível do dano causado depende de vários fatores.

Como saber se a ida a um concerto provocou danos na audição?

De modo geral, depois de um concerto, a pessoa pode ter a sensação que tem “os ouvidos um pouco tapados” ou “que tem um zumbido nos ouvidos, ouve um ‘pi’”, expõe Leonel Luís.

“Se esse “pi” desaparece, significa que, em princípio, o ouvido conseguiu recuperar”, adianta. Se o zumbido se mantiver, “houve um traumatismo” e é prudente consultar um médico. 

Leonel Luís alerta para a possibilidade de esse zumbido se tornar definitivo e, em último caso, é possível que a pessoa perca a audição.

Em termos de tratamento, por norma, receita-se “anti-inflamatórios no sentido de ajudar o ouvido a recuperar a função”, na tentativa de impedir que “as células do ouvido desistam do processo de reabilitação e se destruam”, sustenta.

Que outros hábitos podem causar danos no ouvido pela exposição ao som? 

Na visão de Leonel Luís, “todos os emissores de ruído” – como “ambientes de trabalho muito ruidosos”, “concertos” e “usar fones num volume muito alto e de forma prolongada” –  podem causar traumatismo nos ouvidos.

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No sentido de elucidar a população sobre o possível dano que alguns contextos sonoros podem causar, o NIDCD refere quantos decibéis têm, em média, alguns sons comuns. 

Por exemplo: uma “conversa normal” tem “60-70 dBA”; um filme passado no “cinema” tem “74-104 dBA”; o barulho das motas tem “80-110 dBA”; “a música através de auscultadores no volume máximo, eventos desportivos e concertos” têm “94-110 dBA”;  “sirenes” têm “110-129 dBA”; e um “espetáculo de fogo de artifício” tem “140-160 dBA”.

Leonel Luís considera importante salientar o risco associado à exposição sonora através do uso de auscultadores. Na perspetiva do médico, o uso destes aparelhos tornou-se um hábito universal: “Vamos no metro e toda a gente tem fones, seja aqui, em Tóquio, ou em Londres”.

O problema, segundo o especialista, é que as pessoas, por norma, “aumentam muito o volume de forma a contrabalançar o ruído exterior”. Isto provoca “um traumatismo sonoro durante horas e horas, por dia”, para o qual “o ouvido não está preparado”.

É também por isso que “já começa a ser frequente vermos jovens com perdas auditivas como se já fossem idosos”, conclui.

Quais os cuidados a ter em ambientes ruidosos?

Em situações de exposição a ambientes ruidosos, “todos têm de ter cuidados”, defende Leonel Luís (ver aqui, aqui e aqui). No entanto, é importante ter mais cuidados com as crianças, porque “os mais jovens têm uma esperança de vida maior e vão carregar possíveis danos durante mais tempo do que os mais velhos”.

Em primeiro lugar, é prudente estar longe da fonte do ruído. Num concerto, por exemplo, deve-se estar “tão longe quanto possível das colunas”.

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“Se ficar junto às colunas durante um minuto, o traumatismo é muito menor do que se ficar lá durante as duas horas do concerto”, reforça. 

Além disso, o médico recomenda o uso de “protetores sonoros, como tampões de ouvidos ou protetores de ruído. Usar este tipo de proteção “acaba por reduzir um pouco a exposição ao som, protegendo, assim, os ouvidos”.

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Por outro lado, é importante “evitar o consumo de substâncias tóxicas, como o tabaco e o álcool, que, obviamente, aumentam ainda mais o traumatismo junto do ouvido interno”.

Deve privilegiar-se “as substâncias antioxidantes, como frutos vermelhos, e uma boa hidratação”. Para mais, “dormir bem” e “alimentar-se bem” são medidas igualmente importantes.

A utilização de auscultadores com cancelamento de ruído “parece ser uma boa estratégia” para evitar “a necessidade de aumentar tanto o volume”.

Segundo Leonel Luís, estes aparelhos cancelam o som “de forma passiva (ao isolarem o som exterior) e de forma ativa, emitindo um som contrário, simétrico, ao ruído que está a ser produzido”.

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3 Mar 2024 - 07:49

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