PUB

Fact-Checks

Cristais e pedras tratam depressão, stress e ansiedade?

7 Jun 2023 - 10:01
falso

Cristais e pedras tratam depressão, stress e ansiedade?

Da ametista à turmalina negra, passando pela lepidolite e pela ágata musgosa, vários cristais e pedras são apresentados (e vendidos) nas redes sociais e nos blogues como sendo, supostamente, eficazes a tratar problemas de saúde como a depressão e a ansiedade.

Há quem afirme que algumas pedras e vários cristais atuam como um “tranquilizante natural”, equilibrando “os altos e baixos emocionais”, e há até quem defenda que têm “o poder de libertar energias positivas”.

Noutras publicações, as alegações são ainda mais diretas e apelativas. Numa delas, por exemplo, diz-se que a lepidolite “afasta depressões e combate o stress”. O objetivo, em boa parte destas publicações, é vender pulseiras e colares feitos com estas pedras e com estes cristais Mas estarão os efeitos prometidos comprovados? É seguro usar pedras e cristais no tratamento de doenças como a depressão?

É verdade que cristais e pedras são eficazes no tratamento de depressão?

cristais depressão

Em declarações ao Viral, o psiquiatra Gustavo Jesus, diretor clínico da PIN (Partners in Neuroscience) e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), adianta que não existem estudos científicos que comprovem os efeitos dos cristais e das pedras no tratamento da depressão, do stress ou da ansiedade.

Não há evidência científica que prove que o mecanismo de ação existe, ou seja, que as pedras emitam vibrações, que essas vibrações alterem o campo vibracional da pessoa e que essas alterações tratem a depressão”, explica.

O psiquiatra sublinha que a depressão e o stress têm por base “mecanismos biológicos” e não estão “ligados a campos vibracionais”. 

O stress, por exemplo, pode estar relacionado com uma “vivência emocional perturbada por acontecimentos”, que atua como um sinal de alerta no cérebro, causando “pensamentos ruminantes” e “sentimentos negativos”.

PUB

“Quando acontece uma ameaça – que pode ser uma ameaça de vida, de autoestima ou ao nível do sucesso profissional – a amígdala transforma o sinal de alarme numa mensagem neuronal. Esta leva à produção de hormonas de stress (cortisol), ativa o sistema nervoso simpático e aumenta a frequência cardíaca”, sustenta.

Por isso, reforça Gustavo Jesus, “são tudo fenómenos altamente biológicos e neurológicos”, remata.

Também Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses, destaca que a depressão é uma doença “complexa e multifatorial” e, por essa razão, “não existe nenhum tratamento absoluto que resulte para toda a gente da mesma forma”.

O psicólogo ressalva, contudo, que “as pessoas devem procurar o que as faça sentirem-se bem”, mesmo que isso implique recorrer a rochas ou a cristais. No entanto, alerta, deve evitar-se “chamar tratamento” a estas medidas de conforto.

Importa sublinhar, contudo, que trocar o tratamento convencional de uma depressão (por exemplo, os antidepressivos e a psicoterapia) pela utilização de cristais e pedras, não só não é eficaz, como também pode colocar a vida da pessoa em risco.

Os riscos das terapias alternativas na saúde mental

cristais depressão

A Ordem dos Psicólogos Portugueses publicou, em maio de 2023, um artigo sobre a “Pseudociência na área da Saúde Psicológica”. 

A organização denuncia que existe uma “grande confusão” na sociedade entre as “terapias psicológicas baseadas no conhecimento e evidência científica” e a pseudociência, que “não cumpre os critérios científicos”. Os Psicólogos destacam ainda os riscos associados à prática de terapias alternativas e complementares.

“A pseudociência corresponde àquilo que se faz passar por ciência, não o sendo. E, na área da saúde e, particularmente, da saúde psicológica, nem sempre é evidente para o/a cliente aquilo que não é ciência – situação esta que tem aberto espaço ao que temos chamado ‘terapias alternativas e complementares’ (TAC) e a um conjunto de pseudo-terapias psicológicas (PTP), ilegítimas e adulteradas”, pode ler-se no documento.

PUB

O número de pessoas a optar por terapias alternativas e complementares (TAC) como um complemento ao tratamento de doenças tem vindo a aumentar nos últimos anos. Um estudo publicado em 2017 por Kemppainen et al. avançava que cerca de 26% da amostra (39.258 cidadãos europeus) usou TAC no decorrer do ano. Em Portugal, a percentagem de cidadãos a recorrer a estas técnicas era de 14%.

A Ordem dos Psicólogos alerta que, “além do risco de consequências negativas para a saúde, um dos principais riscos das terapias alternativas e complementares ou das pseudo-terapias psicológicas é ainda levar quem precisa de cuidados psicológicos a não procurar tratamento adequado ou a adiar essa procura.”

Também as publicações que promovem a utilização de cristais e pedras no tratamento da depressão podem ter essa consequência: ambos os especialistas contactados pelo Viral referiram que seguir estas práticas pode levar a um atraso do diagnóstico e, consequentemente, do tratamento.

“Todos os tipos de terapêutica alternativa sem evidência científica não tratam a depressão, vão atrasar o tratamento”, afirma o psiquiatra Gustavo Jesus, sublinhando que esta demora pode “piorar o prognóstico”. 

Isto é, por exemplo, “uma pessoa que não trate a depressão pode sofrer uma evolução grave com consequências drásticas – entre as quais o suicídio”.

Os dois especialistas referem que o tratamento para situações de depressão passa por uma ação conjunta de psicoterapia e farmacopsiquiatria (uso de antidepressivos, por exemplo). 

Enquanto a farmacopsiquiatria atua nos sintomas mais graves da depressão, a psicoterapia dá ferramentas para que o paciente possa entender os sintomas, racionalizá-los e, dessa forma, ganhar controlo sobre os comportamentos. 

“Vamos dar garantias à pessoa de que, no futuro, terá capacidade de ultrapassar uma situação de tristeza e depressão”, esclarece ainda Miguel Ricou.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) estimam que 5% dos adultos, a nível mundial, sofram de depressão. Esta doença “é 50% mais comum nas mulheres do que nos homens”, sendo que “mais de 10% das mulheres grávidas e mulheres que deram à luz experienciaram depressão”. 

PUB

“Apesar de haver tratamentos conhecidos e eficazes para as perturbações mentais, mais de 75% das pessoas que vivem em países com baixos ou médios rendimentos não recebem tratamento”, avança ainda a OMS.

Em suma, a utilização de cristais e rochas não tem efeito comprovado no tratamento de depressão, ansiedade ou stress. Estas questões devem ser diagnosticadas por médicos especialistas, que irão apresentar um tratamento adequado ao paciente.

Perante a promoção de terapias alternativas nas redes sociais, Miguel Ricou deixa um conselho: “Desacreditem sempre de soluções simples para problemas complexos. E a depressão é um problema muito complexo.”

————————————————

PUB

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

falso

Categorias:

Saúde mental

7 Jun 2023 - 10:01

Partilhar:

PUB