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Palmadas são educativas ou prejudiciais? Quais as alternativas?

A ideia de que “uma palmada na hora certa” é fundamental para educar as crianças ainda é defendida por alguns pais e educadores. Mas, afinal, as palmadas são educativas ou prejudiciais?

17 Out 2022 - 07:30

Palmadas são educativas ou prejudiciais? Quais as alternativas?

A ideia de que “uma palmada na hora certa” é fundamental para educar as crianças ainda é defendida por alguns pais e educadores. Mas, afinal, as palmadas são educativas ou prejudiciais?

As chamadas “palmadas pedagógicas” são, ainda hoje, um instrumento utilizado por pais e educadores que as consideram parte de uma estratégia válida e eficaz de educação das crianças e dos jovens. No entanto, várias organizações nacionais e internacionais opõem-se aos castigos físicos – proibidos pela lei penal portuguesa desde 2007 – por defenderem que estes “violam os direitos das crianças”.

Afinal, porque é que os pais batem nas crianças? As palmadas são necessárias e eficazes? Que impactos têm? E quais as alternativas? Foram estas as questões que o Viral endereçou às psicólogas Tânia Gaspar, coordenadora da equipa portuguesa do estudo “Health Behaviour in School-aged Children” da OMS, e Clementina Almeida, fundadora e diretora clínica da For Babies Brain.

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Porque é que os pais batem nas crianças?

“As palmadas têm duas origens”, começa por explicar Tânia Gaspar. Por um lado, podem nascer do “modelo de aprendizagem” segundo o qual os próprios pais foram educados. Isto é, se uma pessoa recebeu castigos físicos enquanto era criança, pode utilizar o mesmo modelo com os filhos, por ser o método mais “imediato” e que melhor conhece.

Por outro prisma, adianta a psicóloga, a palmada pode ser um ato “impulsivo” provocado pela “dificuldade de gestão emocional dos pais”.

Em ambos os casos, conclui, esta atitude “revela uma falta de competências por parte do adulto para conseguir encontrar outras formas de lidar com a situação”.

Esta visão é partilhada por Clementina Almeida que alerta também para o perigo do argumento “eu também apanhei e não morri” utilizado por alguns educadores. Ora, na perspetiva da psicóloga, esta frase “romantiza” a violência e impede a adoção de estratégias de educação mais “gentis”.

Para ser mais clara, a fundadora da For Babies Brain faz uma analogia com a segurança rodoviária: “Nós antigamente também andávamos sem cinto de segurança e muitos de nós não morreram. Mas a verdade é que hoje sabemos que isso pode trazer danos, e já ninguém pensa em ter uma criança no carro sem cinto de segurança, porque existe um risco”.

Assim sendo, “há coisas que nós fazíamos antigamente que não nos faziam morrer, mas que, se calhar, deixaram marcas e que não fazemos agora”.

Por isso, atualmente, havendo maior conhecimento sobre os impactos dos castigos físicos, “deveríamos deixar de usar a palmada”.

As palmadas são necessárias e eficazes?

Ambas as especialistas concordam que as palmadas não são necessárias e que há outras formas de educar as crianças sem recurso à violência. Para Clementina Almeida, os castigos físicos “são sempre o exercício do poder de alguém mais forte sobre alguém mais fraco, mesmo na educação das crianças”.

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No mesmo sentido, sustenta Tânia Gaspar, estes castigos, sobretudo quando aplicados nas fases de desenvolvimento da criança, “são contraproducentes, porque revelam uma dificuldade em encontrar alternativas para conseguirmos mostrar à criança que aquilo que ela está a fazer é perigoso ou não é correto”.

Quanto à eficácia das palmadas, a coordenadora do estudo “Health Behaviour in School-aged Children” aponta que esta pode ser apenas aparente e de curto-prazo. Em primeiro lugar, uma palmada pode fazer a criança parar um comportamento. No entanto, não contribui para que esta perceba o porquê de esse comportamento ser errado nem garante que não o volte a repetir.

“Quando a criança toca numa coisa perigosa, como uma tomada, e os pais chegam lá e batem-lhe, a criança não percebe o que fez de errado. Ela está a explorar o mundo, não consegue perceber que aquilo era perigoso. E fica confusa, podendo pôr em causa o seu próprio movimento de exploração do ambiente”, exemplifica.

Além disso, acrescenta, a criança pode vir a repetir o mesmo gesto, o que vai criar ainda mais irritação nos pais que se poderão sentir tentados a dar outra palmada, abrindo um “ciclo de violência”.

Nesse sentido, completa Clementina Almeida, mesmo quando a palmada acaba com um comportamento errado ou perigoso da criança, pode, a longo prazo, “trazer consequências para a saúde mental duradouras e prolongadas”.

Quais os impactos das palmadas?

palmadas

Em relação aos impactos negativos das palmadas, Clementina Almeida explica que, “perante a ameaça do castigo físico, desencadeia na criança, uma série de mecanismos internos, nomeadamente a nível cerebral, que a preparam para uma situação de perigo, porque sente naquele momento que tem de temer pela vida”.

Assim, explica, os níveis de cortisol ficam “mais elevados”, geram “um medo imenso” e “paralisam todo o funcionamento cerebral a nível cognitivo, porque a criança só vai pensar em fugir daquela situação”, o que a curto prazo pode desencadear “sentimentos de raiva e de injustiça”.

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Já a longo prazo, refere, “o castigo físico acaba por ter repercussões negativas na autoestima das crianças, o que as torna mais predispostas a sofrerem, no futuro, com alguns problemas como a ansiedade e a depressão”.

No mesmo plano, Tânia Gaspar lembra que as crianças “aprendem mais pela observação do que pelo que os pais dizem”. Por isso, “se o pai disser que não pode bater nos amigos, mas depois o próprio pai bater na criança, ela aprende que  se resolve as situações a bater”.

Portanto, a criança pode tornar-se uma agressora, embora possa dar-se também o caso de, no sentido oposto, “tornar-se uma criança passiva, uma vítima”, quando o ideal seria que fosse “assertiva”, ou seja, que se conseguisse “explicar e defender” sem recorrer à violência.

Por outro lado, existem também situações mais extremas “em que os filhos começam a bater nos pais”.

“Há casos de adolescentes cujos pais lhes bateram durante toda a infância e que, a determinada altura, por volta dos 12 ou 13 anos, passam a ser agressivos com os próprios pais”, revela.

A especialista sublinha ainda que a postura agressiva ou passiva aprendida na infância pode prolongar-se para a vida adulta e ter impactos nas relações pessoais e na forma de expressão do afeto.

Noutra perspetiva, quando crescem, podem tornar-se “pais passivos e excessivamente permissivos”, numa “tentativa de compensar” a violência que sofreram na infância e na adolescência.

Existem alternativas às palmadas? Quais são?

Antes de pensar numa alternativa às palmadas, Clementina Almeida considera essencial “cada adulto ter consciência dos seus limites, dos seus gatilhos, do que os faz perder a cabeça e ceder a uma palmada”.

E porquê? Porque, defende a psicóloga, “esse autoconhecimento ajuda-nos a ter mais consciência dos momentos e a conseguir contorná-los para não chegarmos a esse ponto de descontrolo”.

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No fundo, introduz Tânia Gaspar, é necessário “ganhar a consciência destas nossas emoções, perceber que elas estão a acontecer e separá-las do nosso comportamento”. Caso contrário, acrescenta, “vamos agir impulsivamente e fazer uma coisa que se calhar não queríamos fazer”.

Depois, continua Clementina Almeida, é fundamental procurar uma conexão com a criança e “validar as suas emoções”. Deste modo, sustenta, “sempre que nos conseguimos conectar emocionalmente com os nossos filhos e perceber o que eles estão a sentir, conseguimos criar toda a colaboração possível”.

Para tal, prossegue, é preciso “não disparar logo em acusações e agressividades e tentar perceber o ponto de vista deles”, o que não significa ser permissivo. “Podemos ter de lhes dizer ‘não’ ou colocar limites a seguir, mas fazendo-o de forma gentil e de forma a criar esta colaboração”, esclarece.

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Por exemplo, desenvolve a psicóloga, “podemos dizer à criança que percebemos que queira comer uma bolacha, mas isso não vai ser possível porque vamos servir o jantar e acrescentar que entendemos que isso a deixe frustrada.” 

Segundo a especialista, esta atitude ajuda “a que a criança sinta que nós estamos ao lado dela e não contra ela” e “permite uma maior colaboração”. Depois, sugere, “podemos trazer a criança para a solução”, perguntando-lhe se quer comer “três ou quatro uvas para ter a sensação de que está a comer alguma coisa”, porque, “quando as crianças colaboram na decisão, estão mais predispostas a levá-la a cabo”.

Outra estratégia recomendada por Tânia Gaspar é “prevenir as situações”, antecipando as ocasiões que poderão dar origem a momentos de tensão e negociando com as crianças a atitude a adotar em determinado contexto. Por exemplo, antes de uma ida a um supermercado, pode conversar-se com a criança sobre o que ela pode ou não pedir e que produtos pode ou não escolher trazer para casa.

Por fim, é fundamental garantir que as regras estabelecidas são cumpridas.

“O que acontece aos pais mais permissivos é que estabelecem os limites e depois não os cumprem. E as crianças aprendem, deste modo, que os limites são uma coisa muito flexível que não vão ser cumpridos. Por isso, é preciso haver algumas regras – mas não demasiadas – e garantir que elas são cumpridas”, conclui.

Categorias:

Saúde mental

17 Out 2022 - 07:30

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