Corpo nutrido, mente sã. A alimentação pode afetar a saúde mental?
Várias publicações partilhadas nas redes sociais alertam para uma suposta relação entre a existência de défices nutricionais e o aumento do risco de desenvolver problemas de saúde mental, como a depressão e a ansiedade.
Nestes posts sugere-se que a falta de nutrientes como o ferro, o cálcio ou o magnésio pode ter impacto na saúde mental, agravando ou contribuindo para o aparecimento de problemas psicológicos.
Mas que impacto têm os nutrientes na saúde mental? O défice de um ou mais nutrientes aumenta o risco de depressão e ansiedade? E, pelo contrário, uma alimentação saudável pode “proteger” a saúde mental?
O Viral falou com um especialista em nutrição e um psicólogo para perceber o que a ciência sabe sobre a relação entre a alimentação e a saúde mental.
Saúde mental e nutrição: qual a relação?
O filósofo René Descartes apresentava o ser humano num dualismo entre corpo e mente, mas a ciência tem vindo a concluir que as duas partes estão mais ligadas do que se pensava antigamente. Se problemas de saúde mental podem provocar mau estar físico, o contrário também se verifica.
A alimentação tem um papel de destaque nesta equação: os nutrientes adquiridos pelos alimentos são cruciais para um bom desempenho físico do organismo e, por essa razão, um desequilíbrio nutricional pode ter um impacto negativo na saúde mental.
José Camolas, vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no Instituto Egas Moniz, explica ao Viral que os estudos realizados sobre o assunto mostram que “uma dieta desequilibrada está associada a situações de depressão e perturbação do espetro da ansiedade”.
Os nutrientes têm “um papel no funcionamento cerebral e do sistema nervoso”, o que significa que, quando em défice, “têm o potencial de perturbar a função das células neurológicas”.
Isso inclui as proteínas, os aminoácidos, as vitaminas do complexo B, a vitamina D, o magnésio, o zinco, o selénio, o ferro, o cálcio e os ácidos gordos da série ómega-3.
“É plausível admitirmos que a existência de défice de um determinado nutriente essencial ao funcionamento de uma célula vai interferir com a função da célula e do órgão”, afirma o nutricionista.
No entanto, essa relação causa-efeito é difícil de estabelecer, uma vez que não é possível isolar apenas um nutriente para estudar o impacto que terá sozinho na saúde mental.
Por essa razão, os estudos e ensaios clínicos têm-se focado nos potenciais efeitos protetores que diferentes tipos de dietas podem ter em situações de perturbação mental, tais como depressão e ansiedade.
Por outro lado, é importante sublinhar o reverso da moeda também acontece: as perturbações de saúde mental podem também levar o paciente a alimentar-se pior, prejudicando o equilíbrio nutricional.
A relação entre a alimentação e a saúde mental é bidirecional, sendo “difícil definir o nexo de causalidade”, ou seja, se uma alimentação pouco saudável prejudicou a saúde mental ou se uma perturbação mental levou a um desequilíbrio alimentação.
“O mais provável é que as situações vão evoluindo juntas”, adianta José Camolas, acrescentando que a alimentação pode ser uma forma de tratamento, em conjunto com a psicoterapia e os psicofármacos.
Dieta mediterrânica tem efeitos protetores contra depressão e ansiedade
Além do défice nutricional, o tipo de alimentação tem impacto na saúde mental. Osvaldo Santo, psicólogo clínico, professor e investigador do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, reconhece que “alguns padrões alimentares são, supostamente, mais protetores e estão associados ao bem-estar psicológico”, enquanto outros podem aumentar o risco de depressão e ansiedade.
A evidência científica mostra que as dietas ricas em gorduras, açúcares e alimentos processados, por serem “promotoras de estados pró-inflamatórios, estão relacionadas com uma “pior saúde mental, nomeadamente, depressão e ansiedade”, afirma José Camolas
“Cada vez vamos tendo mais evidência que aponta que determinados padrões alimentares – como dietas excessivamente ricas em gorduras e açúcar e pobres nutricionalmente – estão associadas a um estado geral de doença, tanto física como mental”, prossegue o especialista.
Por outro lado, uma alimentação saudável, com forte presença de fruto-hortícolas e poucos produtos processados, atua na proteção do sistema nervoso. A dieta mediterrânica, por exemplo, tem vindo a ser apontada em vários estudos como um potencial protetor da saúde mental.
Esta dieta contém uma forte componente de legumes, frutos, frutos oleaginosos e azeite, associada a um consumo moderado de peixe, laticínios e à reduzida ingestão de carnes vermelhas e produtos processados.
Osvaldo Santos sublinha que a “uma alimentação mais saudável acaba por ter um efeito anti-inflamatório e, ao reduzir a inflamação, vai alterar os processos no cérebro e reduzir os sintomas de depressão e ansiedade”.
“O processo inflamatório é uma reação natural do corpo a ameaças, mas torna-se um problema quando passa a ser um processo constante e crónico”, prossegue o especialista. Este estado inflamatório está ainda relacionado com a redução da plasticidade do cérebro e o stress oxidativo, o que também tem impacto na saúde mental.
O efeito da dieta mediterrânica nos tratamentos de casos de perturbação depressiva major (casos de depressão grave que manifestam resistência aos tratamentos com psicofármacos e psicoterapia) é o mote de um estudo desenvolvido por um grupo de investigadores portugueses – do qual faz parte o nutricionista José Camolas.
O objetivo deste trabalho de investigação é perceber se a mudança do regime alimentar para a dieta mediterrânea ajuda a melhorar o tratamento em pessoas com depressão.
A relação entre as perturbações mentais e as perturbações alimentares
Existem várias perturbações mentais associadas a perturbações do comportamento alimentar: tanto a anorexia nervosa, quanto a bulimia e a obesidade têm uma forte componente mental associada, que se reflete na relação do paciente com a comida.
No caso da obesidade, a “relação entre a obesidade e a depressão é altíssima”, destaca Osvaldo Santos, acrescentando que se um paciente “diminuir o Índice de Massa Corporal (IMC) vai diminuir também o risco de depressão”.
Desde 1975, o número de pessoas obesas triplicou a nível mundial, avança a OMS. Segundo dados de Relatório Europeu sobre a Obesidade, perto de 60% dos adultos e de 30% das crianças na Europa são obesos. Segundo dados da Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação, 38,2% das mulheres e 64,5% dos homens em Portugal têm pré-obesidade e obesidade.
“Se a pessoa tiver menor peso, até por uma questão de autoimagem, terá menos um fator de risco para ansiedade e as perturbações de saúde mental”, explica.
Além disso, o psicólogo sublinha que uma alimentação adequada “funciona também como um cluster comportamental”, levando a pessoa a adotar “comportamentos mais saudáveis, como exercício físico, socialização e exposição ao sol”. Estes comportamentos que podem ajudar a “reduzir o risco de depressão”.
“Uma relação saudável com a comida, do ponto de vista comportamental e social, é protetora para a saúde mental”, conclui o especialista.