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Antidepressivos podem causar aumento de peso?

Os antidepressivos são usados para tratar a depressão, mas, tal como qualquer medicamento, têm potenciais efeitos secundários associados. Uma das ideias que está colada a esta classe de fármacos é que tem como efeito colateral o aumento de peso. Será verdade?

1 Jan 2023 - 08:00

Antidepressivos podem causar aumento de peso?

Os antidepressivos são usados para tratar a depressão, mas, tal como qualquer medicamento, têm potenciais efeitos secundários associados. Uma das ideias que está colada a esta classe de fármacos é que tem como efeito colateral o aumento de peso. Será verdade?

Os dados mais recentes publicados a propósito do Dia Mundial da Saúde Mental, assinalado a 10 de outubro, referem que, só no primeiro semestre deste ano, foram vendidas em Portugal perto de 10,9 milhões de embalagens de fármacos para o tratamento das doenças do foro mental, das quais mais de 5, 5 milhões corresponderam a embalagens de antidepressivos. 

São uma das classes de fármacos utilizadas para o tratamento dos estados depressivos, nomeadamente depressões crónicas, que, segundo dados do Eurostat de 2019, afetam cerca de 12% dos portugueses. Com a capacidade de atuar ao nível do sistema nervoso central, os antidepressivos vão modificar e corrigir a transmissão neuroquímica nas áreas do sistema nervoso responsáveis pela regulação do estado de humor.

Apesar da utilização bastante alargada dos antidepressivos, uma ideia que sempre acompanhou esta classe de fármacos é que estão associados ao aumento de peso. Será mesmo assim?

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Em declarações ao Viral, Célia Soares, psiquiatra no Centro Hospitalar Conde Ferreira e no Centro de Medicina Digital P5, admite que “sim, os antidepressivos podem fazer ganhar peso, é algo que já está estudado”.

Segundo explica a especialista em Psiquiatria, existem várias classes de antidepressivos e são sobretudo os mais antigos – “que são menos seletivos para o neurotransmissor envolvido na depressão, a serotonina, – que têm mais efeitos laterais, como o aumento ponderal”.

Já os antidepressivos desenvolvidos mais recentemente são mais seletivos ao nível do neurotransmissor serotonina “e não têm esse efeito tão marcado, mas, ainda assim, alguns deles podem ter como efeito secundário esse aumento de peso porque, ao melhorarem ou potenciarem a ação da serotonina – que também influencia as questões do apetite, da saciedade e uma série de outros ritmos biológicos – também podem ter esse efeito”, acrescenta Célia Soares.

E quais são os antidepressivos mais associados ao aumento de peso?

Dentro da classe dos antidepressivos, os mais antigos, chamados de antidepressivos tricíclicos, “são, então, os menos específicos na atuação ao nível do neurotransmissor serotonina, e costumam estar mais associados ao aumento de peso”, esclarece Célia Soares, destacando-se a imipramina com esse efeito colateral.

Também os inibidores da monoamina oxidase (IMAO), especialmente a fenelzina, e os antidepressivos tetracíclicos são fármacos para o tratamento da depressão que podem causar aumento de peso.

Entre os antidepressivos mais recentes, considerados mais eficazes e com um melhor perfil de efeitos secundários, encontram-se os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI), que aumentam os níveis cerebrais desse neurotransmissor. Ainda assim, dentro deste grupo a paroxetina está associada a algum aumento ponderal, sendo que “os restantes têm relativamente pouca influência a esse nível”, esclarece Célia Soares.

No grupo dos antidepressivos atípicos, a mirtazapina é o que apresenta maior potencial de aumento de peso. 

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Mas o aumento de peso durante o tratamento da depressão é necessariamente mau?

A questão do aumento ponderal durante o tratamento da depressão é um pouco mais complexa do que apenas associar o tratamento aos quilos que o doente ganha. 

A psiquiatra explica que “há vários tipos de depressão que tanto podem dar para ganhar peso, quanto para perder, e, por isso, nem sempre a questão do aumento de peso é algo que não é bem-vindo, porque se estamos perante uma depressão em que clinicamente há uma perda de peso, com o tratamento antidepressivo – porque a pessoa retoma a vitalidade e os hábitos que tinha perdido e volta a ter prazer no ato de comer – o aumento de peso é um resultado positivo do tratamento da depressão”.

Contudo, também existem os cenários em que a depressão não tratada, por si só, levou o doente a aumentar de peso. Afinal, alguns quadros depressivos levam a pessoa a ficar mais sedentária, a não estar predisposta a fazer exercício físico, no fundo a um quadro geral de menos “autocuidados que se pode traduzir num aumento ponderal mais significativo”, refere a psiquiatra.

Atendendo a esta complexidade na forma como a depressão se pode manifestar em cada doente e ao demonstrado efeito secundário de aumento de peso causado pelos antidepressivos, a escolha do fármaco deve ser individualizada e tem sempre de ponderar “esse potencial efeito adverso do fármaco, o quadro clínico depressivo da pessoa e as características individuais”.

Como evitar o aumento de peso durante o tratamento com antidepressivos?

Durante o tratamento com antidepressivos, mesmo com os que apresentam mais suscetibilidade para o aumento de peso, podem ser encontradas estratégias em conjunto com o doente para diminuir a probabilidade de aumento ponderal, nomeadamente “apostar nos cuidados com uma alimentação adequada, potenciar ao máximo a atividade física, normalizar o sono, que também interfere na regulação do apetite, assim como o stress”, enumera Célia Soares.

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Se ainda assim a estratégia não surtir efeito e o doente estiver insatisfeito com os quilos que ganhou, há sempre a possibilidade de fazer “um ajuste de dosagem ou mesmo trocar esse antidepressivo por outro que não tenha esse efeito”.

A especialista ressalta que o aumento de peso “não é algo que justifique o não-tratamento da depressão com antidepressivos” pois, além de ser um efeito secundário contornável, “o uso dos antidepressivos é determinante no tratamento da pessoa com depressão”. 

No mesmo sentido, conclui, “não sabemos claramente qual é o mecanismo de ação dos antidepressivos que não atuam apenas ao nível da serotonina, mas sabemos empiricamente e pela investigação já publicada que as pessoas com depressão melhoram e que é o uso de antidepressivos que permite, muitas vezes, evitar a morte por suicídio”.

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Saúde mental

1 Jan 2023 - 08:00

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