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Açúcar vicia mais do que a cocaína?

Nos últimos anos, foram publicados vários estudos que investigaram a possibilidade de o açúcar ter caráter aditivo. Desde então, têm sido feitas comparações entre a dependência do açúcar e o vício da cocaína nas redes sociais. Será que o açúcar vicia mais do que a cocaína?

4 Out 2022 - 04:50

Açúcar vicia mais do que a cocaína?

Nos últimos anos, foram publicados vários estudos que investigaram a possibilidade de o açúcar ter caráter aditivo. Desde então, têm sido feitas comparações entre a dependência do açúcar e o vício da cocaína nas redes sociais. Será que o açúcar vicia mais do que a cocaína?

A teoria de que o açúcar vicia mais do que a cocaína é frequentemente partilhada com base nas conclusões de um artigo de revisão, publicado em 2017. O texto científico refere que estudos em animais mostraram que “o açúcar produz mais sintomas do que o necessário para ser considerado uma substância viciante”. 

A partir das conclusões do artigo, várias publicações nas redes sociais dão como certa a teoria de que o açúcar vicia tanto ou mais do que a cocaína.

Afinal, está provado que o açúcar vicia mais do que a cocaína?

Não. Quem o adianta ao Viral é Davide Carvalho, coordenador do departamento de Endocrinologia do Hospital São João e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), e Conceição Calhau, coordenadora da Licenciatura em Ciências da Nutrição e do Mestrado em Nutrição Humana e Metabolismo da NOVA Medical School.

Davide Carvalho começa por explicar que “o sabor do açúcar é uma das perceções sensoriais mais básicas para humanos e outros animais”. Aliás, “os animais podem desenvolver uma forte preferência pelo açúcar mesmo que não tenham recetores de sabor doce, indicando um mecanismo independente do sabor”, sustenta.

Nesse sentido, adianta o endocrinologista, estudos experimentais observaram que “os mesmos centros de recompensa e prazer do cérebro que são acionados por drogas viciantes como cocaína e heroína também são ativados por alimentos, especialmente alimentos altamente palatáveis”, ou seja, “alimentos ricos em açúcar, gordura e sal”. 

Assim sendo, estes alimentos “desencadeiam a produção de substâncias químicas cerebrais que causam a sensação de bem-estar, como a dopamina”. O que acontece depois de se consumir os tais “alimentos palatáveis” é que o “prazer associado ao aumento da transmissão de dopamina” faz com que as pessoas sintam a necessidade de comer novamente.

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Por sua vez, “os sinais de recompensa” podem “anular outros sinais de enfartamento e saciedade” e as pessoas “continuam a comer, mesmo quando não estão com fome”, conclui o médico do Hospital de São João.

Ora, os especialistas acrescentam que a adição a comida é frequente. No entanto, neste caso, o endocrinologista sublinha que tudo depende do nível de exposição, ou seja, se a pessoa “tem condições para desencadear essa dependência”. Nesse plano, Conceição Calhau revela que, atualmente, “estamos muito mais expostos a alimentos ricos em açúcares livres, processados e ultraprocessados, muito acima das necessidades metabólicas”.

Ainda assim, não está provado que o açúcar seja mais viciante do que a cocaína. No caso dos estudos realizados no âmbito da escolha entre cocaína e o açúcar, deve-se ter em conta que a amostra utilizada é propositadamente exposta a estas duas substâncias. Além disso, Davide Carvalho conclui que é sempre complexo adaptar dados de investigações em animais para os seres humanos, porque os resultados poderão nem sempre ser os mesmos.

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Alimentação

4 Out 2022 - 04:50

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