Quem dorme depois das onze da noite morre mais cedo?
Circula no TikTok um excerto de um vídeo em que se alega que “quem dorme após as 23h00 está a matar-se rápido”. Vários utilizadores da plataforma responderam a esta afirmação com comentários e vídeos irónicos.
“Então, eu já morri há 20 anos e não sabia”, lê-se num destes comentários.
Mas, afinal, quem se deita depois das 23h00 morre mais cedo? Existe uma hora ideal para dormir? Quais as consequências de dormir depois de uma certa hora?
É verdade que quem dorme depois das 23h morre mais cedo?
Na perspetiva de Vânia Caldeira, pneumologista e especialista da Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPN), afirmar que quem dorme depois das 23h morre mais cedo é “exagerado”.
A especialista começa por explicar que há, de facto, “alguma evidência de que as pessoas que dormem mais tarde têm mais risco cardiovascular associado e mais risco de mortalidade”.
No entanto, segundo a médica, “o mais importante é que a pessoa cumpra as horas diárias de sono recomendadas” sem estar em esforço.
“Quanto mais exploramos o sono, mais se percebe que não há uma verdade absoluta para todos”, acrescenta. Isto é, “as pessoas têm as suas preferências” e, além disso, há outros fatores – como o trabalho ou a vida social – que precisam de ser ajustados.
Por exemplo, aponta Vânia Caldeira, “uma pessoa que é tardia por natureza nem consegue ir deitar-se antes das 23h00”. Depois, muitas vezes, “anda a fazer suplementos e medicação, porque não tem sono naturalmente”, refere.
No sentido contrário, “uma pessoa que realmente é uma madrugadora e que tem, por imposição do trabalho, de se deitar tarde, está em sofrimento”.
Nos trabalhos por turnos, por exemplo, há pessoas que “sofrem com o turno da manhã, outras com o turno do meio, outras com o turno da noite, e até há pessoas que sofrem com a rotação (não toleram mudanças)”, salienta a especialista.
Por outro lado, continua a exemplificar, “há pessoas que nasceram para fazer o turno da noite” e preferem dormir de manhã.
Mas o que explica estas diferenças? O cronotipo de cada pessoa, ou seja, “a preferência natural e individual por horários mais matutinos ou mais tardios” de cada um, responde Vânia Caldeira.
O problema de algumas pessoas se deitarem depois das 23h00, à meia-noite ou até mais tarde prende-se com a potencial privação de sono, caso tenham de se levantar cedo no dia seguinte. Isto porque “a maioria dos trabalhos convencionais não se coadunam com deitar muito tarde, pois as pessoas têm de se levantar cedo”.
Se alguém se deitar todos os dias à meia-noite e se levantar às 06h00, não estará a cumprir as sete a nove horas de sono recomendadas para a generalidade dos adultos e poderá estar em privação de sono.
Existe uma hora ideal para dormir?
“Não há uma hora mais indicada para dormir”, responde Vânia Caldeira. Tudo depende do cronotipo de cada pessoa.
Assim sendo, adianta a especialista, “tendo em conta os nossos ritmos sociais, a nossa vida social e familiar”, devemos fazer “um esforço para alocarmos na agenda uma média de 8 horas de sono por noite” e gerir “o nosso horário de acordo com isso”.
Por exemplo, “uma pessoa que tenha de se levantar às sete da manhã, no limite, tem de se deitar às onze, para dormir 8 horas”, frisa.
O mais importante, reforça, “é que as pessoas – dentro do seu cronotipo e das imposições sociais e laborais – façam, de facto, um esforço para dormir as oito horas e preparem o sono”.
Como “preparar o sono”?
Na perspetiva de Vânia Caldeira, “a hora do jantar é o marcador mais fácil”. Ou seja, é importante “a pessoa perceber que a partir do momento em que janta está a preparar o seu sonho”.
Nesse sentido, devem ser adotados alguns cuidados, tais como fazer “refeições mais leves, com comidas menos gordurosas e menos calóricas” e “não beber vinho, café, bebidas energéticas” (ou seja, todas as bebidas que estimulam).
A partir da hora de jantar, deve “evitar uma série de coisas que se continua a fazer por causa das pressões de trabalho, como estar no computador a acabar um trabalho para o dia seguinte”, exemplifica.
É fundamental também deixar de lado dispositivos eletrónicos, como os telemóveis. Além disso, é importante “promover um ambiente mais calmo, em família, com pouca luz”, aponta.
“Ler é um ótimo indutor de sono”, para quem gosta de o fazer, sugere a pneumologista.
A médica aconselha ainda que dê algumas pistas ao cérebro que “está na hora de dormir”. Vestir o pijama “e escovar os dentes” podem ser algumas dessas pistas.
Vânia Caldeira considera ainda relevante usar o quarto apenas para dormir, ou seja, “ir para o quarto apenas quando se tem sono”, “não ter televisão no quarto”, “não estar ao telemóvel”, nem “levar o computador para a cama”. Segundo a especialista do sono, todas essas práticas passam “mensagens erradas ao nosso cérebro”.
No quarto, “ter um bom isolamento” e um ambiente “sem som” e “sem luz”, também promove “a qualidade de sono”.
Privação de sono: quais os perigos para a saúde?
Segundo Vânia Caldeira, não ter um sono de qualidade e em quantidade suficiente acarreta um “risco cardiovascular” acrescido, “que se traduz na mortalidade de forma direta, através do risco de infarto e de arritmia”, por exemplo.
Noutro plano, é comum pessoas “hipertensas” e “diabéticas” terem “alguma patologia do sono, como uma apneia do sono”, e/ou estarem “privadas de sono”.
Para mais, “a saúde mental também está muito ligada ao sono”, salienta a pneumologista. “As pessoas que não dormem bem têm mais índices de depressão e de ansiedade” e, por norma, quem tem depressão ou ansiedade também dorme pior.
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