“O meu marido dorme tão bem, ele até ressona”. Esta é uma frase que o especialista do sono Miguel Meira Cruz confessar ter ouvido várias vezes no seu consultório, sobretudo quando começou a trabalhar nesta área. A ideia de que ressonar é sinal de um sono profundo e reparador é antiga. Mas será fundamentada?

É verdade que ressonar é sinal de sono profundo e reparador?

Em declarações ao Viral, o diretor da Unidade de Sono do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa, Miguel Meira e Cruz, adianta que a crença popular de que ressonar é sinal de um sono profundo e reparador é um mito. Aliás, em muitos casos, o ronco pode ser um alerta para problemas de saúde, sobretudo quando é persistente e intenso.

O também CEO do Centro Europeu do Sono começa por explicar que “as vias aéreas superiores [cavidades nasais, faringe e laringe] precisam de estar limpas, patentes, e com espaço suficiente para que o ar entre e corra livremente em direção às vias inferiores [traqueia, brônquios, bronquíolos e alvéolos] e, portanto, aos pulmões para realizar essas trocas gasosas”.

Quando isto não acontece – por motivos como “alterações do esqueleto”, “alterações da gordura que está à volta desse tubo respiratório”, ou existência de “massas ou alterações dos tecidos moles próprios da faringe” – existe “esse ronco ou ressonar”.

Assim sendo, “o ressonar é um sinal que alerta para que algo não vai bem nas vias aéreas superiores”.

O especialista esclarece que, regra geral, quando o ressonar é esporádico e se deve, por exemplo, ao consumo excessivo de álcool num determinado dia, não é uma questão alarmante ou que precise necessariamente de tratamento.

Por outro lado, “o ressonar sistemático, persistente e intenso é indicador, muitas vezes, de outros problemas, de patologias da via área, de malformações, e deve ser tratado”.

“O entendimento de que ‘se alguém ronca, é para tratar’ pode levar a sobretratamento de coisas que não precisam de ser tratadas. Mas também é necessário não negligenciar, porque é um sinal importante”, sustenta.

Meira Cruz aponta que, “hoje, aquilo que se pensa é que o ressonar não é normal, apesar de nós não sabermos exatamente o quanto de ressonar é que passa a ser mau, ou quanto é que passa a ser perigoso”. O especialista sublinha que esta incerteza existe porque “os estudos feitos não nos permitem responder a essa questão”.

Ainda assim, acrescenta, “a verdade é que o ressonar é o sinal mais comum referido pelos pacientes com distúrbios respiratórios do sono, nomeadamente a apneia do sono”.

E isso, assinala Meira Cruz, é também “uma evidência de que o ressonar persistente e intenso está associado a problemas respiratórios ou a uma insuficiência respiratória noturna, enquanto dormimos, que traduz a patologia obstrutiva”.

Nesse sentido, quando o ressonar é persistente e intenso, “deve ser seguido, avaliado e tratado, sobretudo quando está associado a patologia respiratória”.

Noutro plano, o especialista do sono frisa que, além de o ronco não ser sinal de que se está a dormir bem, o próprio ressonar pode prejudicar a qualidade do sono e as funções associadas. Isto porque, quando se ressona, “o cérebro deteta esse aumento da resistência da via aérea” e a pessoa “desperta”, ainda que não se aperceba desse despertar. 

Assim sendo, continua, “os ressonadores, mesmo aqueles que podem não ter ‘de caras’ apneia do sono, são mais vulneráveis a ter fragmentação do sono persistente”. Quando isto acontece, no dia seguinte, a pessoa “sente-se cansada, sente-se inapta a fazer determinadas coisas e não tem o sono que é requisitado para o desempenho de todas as funções” para as quais o sono contribui.

Por fim, Meira Cruz lembra que o ressonar pode ser também um “problema social”, já que afeta também a pessoa que “dorme com o ressonador”, que fica mais propensa a ter “défice de sono” e “problemas associados à sua insuficiência de sono”.

Em suma, é falsa a ideia de que ressonar seja sinal de sono profundo e reparador. O ronco é um sinal de alerta que, em alguns casos, é preocupante, sobretudo quando é sistemático, persistente, intenso.