Consumir coentros elimina metais pesados do organismo?
Os coentros são apresentados nas redes sociais como um alimento com capacidade para “eliminar metais pesados” do organismo. Várias publicações alegam que a ingestão desta erva aromática pode reduzir “80%” de elementos como mercúrio, chumbo ou cádmio. Mas será mesmo assim?
“Coentros removem 80% de metais pesados do organismo” ou “coentros ajudam a eliminar metais pesados que tenham entrado em contato com nosso corpo” são algumas das alegações que se podem encontrar no Facebook.
A absorção de metais pesados – tais como mercúrio, chumbo ou cádmio – pelo organismo é cada vez mais uma preocupação. A Organização Mundial de Saúde (OMS) sublinha que estes elementos “são persistentes no ambiente e estão sujeitos à bioacumulação em cadeias alimentares” até chegarem aos seres humanos.
A exposição a ambientes contaminados e a ingestão de alimentos com elevada concentração de metais pesados podem estar relacionadas com problemas de saúde a longo prazo. Mas será que consumir coentros reduz a concentração destes elementos potencialmente tóxicos no organismo?
É verdade que consumir coentros elimina metais pesados do organismo?
Os três especialistas contactados pelo Viral adiantam não haver evidência científica que suporte as alegações partilhadas nas redes sociais.
Os estudos em que se associa extratos de coentros e metais pesados são escassos e, na maior parte dos casos, são realizados em roedores.
Os estudos em ratos não podem ser transpostos para humanos. O facto de ter havido resultados positivos em animais, não significa que os mesmos efeitos ocorram nos seres humanos.
Duarte Torres, docente na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) e investigador no Instituto de Saúde Pública (ISPUP) da mesma universidade, explica ao Viral que “esses efeitos têm de ser demonstrado [posteriormente] em estudos em humanos”.
Além disso, segundo o investigador, os estudos não demonstram uma maior redução dos metais pesados do organismo, mas sim a diminuição do stress oxidativo.
“Verificou-se que [a substância ativa dos coentros] diminuía o stress oxidativo que, muitas vezes, é provocado pelo aumento da concentração dos metais pesados. Não aumenta a eliminação, pode mitigar potenciais efeitos tóxicos”, afirma.
O especialista coloca várias hipóteses que podem diferir entre ratos e humanos.
“O composto que é responsável pela diminuição do efeito oxidativo – que teve efeito nos ratinhos – pode nem ser absorvido nos humanos ou pode até ser eliminado do organismo mais rápido e, por isso, não ter efeito”, aponta.
Além disso, o ser humano também “não terá benefício em consumir um eventual produto desintoxicante se não estiver intoxicado”, acrescenta.
O segundo ponto referido por Duarte Torres prende-se com o facto de os investigadores utilizarem as substâncias ativas dos alimentos – neste caso extrato de coentros – em doses “muito mais elevadas do que aquelas que podem ser atingidas com o consumo” do alimento no dia-a-dia.
Por isso, seria necessário ingerir uma grande quantidade de coentros para atingir dosagens semelhantes às usadas nos estudos.
Também João Pedro Lima, nutricionista e professor na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, sublinha que, “além da evidência científica, é preciso olhar para a evidência clínica”.
Isto é, “mesmo que existisse alguma evidência de que a utilização de uma substância dos coentros pudesse captar metais pesados, teria de se ter em atenção a quantidade necessária para atingir o efeito”.
Aumentar a quantidade de coentros na alimentação não terá, ainda assim, consequências nefastas para a saúde.
Sofia Teixeira, nutricionista na clínica Curva, sublinha que estas ervas aromáticas são “digestivas, antisséticas e calmantes”, e contêm caroteno, cálcio, proteínas, sais minerais, ferro e vitaminas B e C.
Para Duarte Torres, o problema acontece se a ingestão de coentros substituir o consumo de outros hortícolas, reduzindo assim a variedade na alimentação.
O que são metais pesados? E como chegam ao organismo humano?
Os metais pesados são “um grupo de elementos químicos” que existem na crosta terrestre e que podem ser tóxicos para os seres vivos, explica a Agência Portuguesa do Ambiente.
Esta toxicidade resulta do facto de estes elementos “não poderem ser degradados nem quimicamente, nem biologicamente, tendo tendência a acumular-se nos organismos vivos”. Entre os metais pesados estão, por exemplo, o mercúrio, o chumbo e o cádmio.
Existem também outros metais pesados – como o cobalto e o cobre – que, “quando em concentrações normais, contribuem para a realização de funções vitais para o organismo”, pode ainda ler-se na página da APA.
Sofia Teixeira sublinha que alguns destes metais pesados “são considerados oligoelementos e desempenham papéis funcionais essenciais para diversas atividades fisiológicas e bioquímicas, contribuindo assim para a saúde do corpo”. Entre estes elementos estão o ferro, o níquel, o magnésio e o crómio.
A contaminação do ar, dos solos ou da água pode estar na origem da intoxicação de várias espécies animais e vegetais.
Aos humanos, os metais pesados chegam, principalmente, através da alimentação, esclarece a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFA, na sigla inglesa).
A nutricionista consultada pelo Viral sublinha que as maiores concentrações destes minerais “são ingeridos através da água, dos alimentos de origem vegetal (como fruta e hortícolas) e do pescado”.
O mercúrio – e o metilmercúrio (forma mais tóxica deste componente) – pode estar presente em alguns tipos de peixe. É identificado, principalmente, entre espécies maiores, com maior tempo de vida ou que sejam predadores de topo – como os tubarões, o espadarte, o atum, o peixe-espada branco e o peixe-espada preto.
“O principal efeito tóxico do metilmercúrio é um efeito neurotóxico, afeta sobretudo o neurodesenvolvimento”, alerta Duarte Torres
O investigador adianta que, “pelo que sabemos através dos dados que temos, pode justificar-se a diminuição do consumo de alguns tipos de peixe – ou mesmo restringir o consumo – em grupos que sofrem maior toxicidade por mercúrio”. As grávidas e as crianças pequenas são os principais grupos de risco.
O especialista sublinha que essa restrição de algumas espécies “não quer dizer que se deva deixar de consumir peixe”, uma vez que estes alimentos “têm muitos benefícios, incluindo no desenvolvimento neurológico das crianças”.
Duarte Torres lembra também que “foram estabelecidos limites máximos” de mercúrio e de outros metais pesados no pescado e em todos os alimentos vendidos na União Europeia.
Também Sofia Teixeira faz referência ao regulamento europeu, aprovado em 2006, que estabelece “teores máximos para determinados contaminantes presentes nos géneros alimentícios”.
Quer isto dizer que os alimentos colocados no mercado não podem conter concentrações de arsénio, cádmio, chumbo, mercúrio ou estanho inorgânico acima das estipuladas pelo regulamento europeu.
Desta forma, “os operadores do setor alimentar podem garantir que os alimentos que vendem são seguros”, afirma o investigador.
“Portugal tem agências competentes para fazer o controlo dos alimentos”, acrescenta Duarte Torres, referindo-se à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
“Ou seja, nós temos um quadro legal que, de alguma forma, nos dá confiança de que os alimentos que consumimos são seguros. Mas isso não implica que não tenhamos de continuar a aprofundar e melhorar esse sistema”, conclui.
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