PUB

Fact-Checks

Arroz branco é tão prejudicial à saúde quanto o açúcar?

29 Mar 2024 - 08:30
falso

Arroz branco é tão prejudicial à saúde quanto o açúcar?

Alega-se em várias publicações do Facebook que o “arroz branco é tão prejudicial para a saúde quanto o açúcar”. Os posts justificam estas alegações com um texto publicado na página da Escola de Saúde Pública de Harvard sobre o índice glicémico de diferentes alimentos ricos em hidratos de carbono. 

PUB

Há até quem sugira que a universidade recomenda que não se consuma arroz branco. Mas será que o texto mencionado defende mesmo que o arroz branco é tão prejudicial para a saúde quanto o açúcar? E devemos deixar de comer arroz branco?

É verdade que comer arroz branco faz tão mal à saúde como comer açúcar?

arroz branco é tão prejudicial quanto o açúcar

Não, comer arroz branco não é igual a comer açúcar puro e não é isso que se sugere no texto publicado pela Escola de Saúde Pública de Harvard mencionado nestas publicações.

De facto, refere-se no texto que “uma porção de arroz branco tem quase o mesmo efeito que comer açúcar de mesa puro – um aumento rápido e alto no açúcar no sangue”. No entanto, isso não quer dizer que comer arroz branco seja igual a comer açúcar.

Em esclarecimentos ao Viral, a endocrinologista Joana Menezes Nunes explica o que se diz no texto mencionado nos posts e esclarece porque é que não faz sentido rotular o arroz branco como vilão ou afirmar que este alimento é tão prejudicial para a saúde como o açúcar.

A composição nutricional do arroz branco e do açúcar é diferente

arroz branco é tão prejudicial quanto o açúcar

A especialista explica que, em primeiro lugar, para se perceber o que é dito no texto da Escola de Harvard, é preciso entender a composição do arroz branco e do açúcar puro, bem como o seu valor nutricional.

Ao consultar a Tabela da Composição de Alimentos do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), a médica aponta que, por um lado, cada 100g (gramas) de “arroz agulha cru” (ou seja, o arroz branco) tem 347 kcal (quilocalorias) e 77,8g dessa porção corresponde a hidratos de carbono, “dos quais zero são açúcares”. 

PUB

Depois, verifica-se que cada 100g de açúcar branco tem 397 kcal e 99,3g dessa porção são hidratos de carbono que correspondem, na totalidade, a açúcares. Já o açúcar amarelo, tem menos 7 kcal do que o branco e 97,5g dos 100 equivalem a hidratos (na totalidade, açúcares).

A partir destas observações percebe-se que uma porção de arroz branco cru tem menos 50 kcal do que a mesma porção de açúcar branco, por exemplo. Além disso, enquanto os hidratos de carbono presentes no arroz cru correspondem a zero açúcares, no açúcar branco equivalem a 100%.

Hidratos simples versus hidratos complexos

arroz branco é tão prejudicial quanto o açúcar

Na perspetiva de Joana Menezes Nunes, é importante também esclarecer as diferenças entre os dois principais tipos de hidratos de carbono, já que o açúcar faz parte dos hidratos simples e o arroz faz parte dos hidratos complexos.

Segundo a endocrinologista, “os hidratos de carbono constituem a principal fonte de energia do organismo, necessária para garantir todas as funções”.

Os hidratos de carbono subdividem-se em “simples” e “complexos”, sendo que alguns alimentos ricos em hidratos de carbono são, naturalmente, mais interessantes do ponto de vista nutricional do que outros.

Joana Menezes Nunes adianta que os hidratos de carbono simples “são constituídos por uma ou duas moléculas de açúcar (glicose, frutose, galactose, lactose, sacarose) e são absorvidos rapidamente”.

Estão naturalmente presentes “em diversos alimentos como, por exemplo, fruta, lácteos, mel”, ou “podem ser adicionados aos alimentos e bebidas”, como o açúcar branco, o amarelo ou em pó (ver aqui e aqui).

Por outro lado, os hidratos de carbono complexos “são constituídos por vários açúcares, todos juntos”. Estes “são absorvidos mais lentamente, uma vez que as suas cadeias longas precisam de algum tempo para serem quebradas em açúcares simples”, esclarece Joana Menezes Nunes. 

PUB

Este tipo de hidratos “estão presentes em diversos alimentos, como cereais, tubérculos, arroz, hortícolas e tubérculos”. 

Dentro dos complexos, “podem incluir-se também as fibras, que são nutrientes constituídos por cadeias longas que o nosso organismo não consegue digerir”, refere. 

Apesar desta distinção, a especialista considera importante que se perceba que “os alimentos não são constituídos apenas por um nutriente”. 

Isto é, “por exemplo, a fruta, apesar de ter açúcares simples na sua composição [frutose], é fornecedora de boas quantidades de fibras, vitaminas e minerais”.

Quer isto dizer que: “o açúcar puro é uma unidade de hidrato de carbono (simples)”, frisa. Já os alimentos ricos em “hidratos de carbono complexos (compostos por vários hidratos de carbono simples) são muito ricos noutros componentes e são essenciais a todas as funções do organismo humano”. 

Índice glicémico (IG): o que é e qual a sua importância?

Além disso, aponta a endocrinologista, o tema “leva-nos ao índice glicémico”, referido no texto da Escola de Harvard. A frase que está a gerar confusão é a seguinte: “uma porção de arroz branco tem quase o mesmo efeito que comer açúcar de mesa puro – um aumento rápido e alto no açúcar no sangue”.

O efeito de que se fala tem que ver com o índice glicémico (IG). Tal como explica Joana Menezes Nunes, o IG é uma “característica dos hidratos de carbono que indica a velocidade com que os hidratos ingeridos irão aumentar a glicemia, ou seja, os níveis de açúcar no sangue”.

O IG “também determina a velocidade com que se estimula a produção de insulina, a hormona responsável por colocar os açúcares dentro das células”, acrescenta.

Têm um IG elevado – isto é, uma “velocidade rápida de libertação de açúcares no sangue, que elevam rapidamente a glicemia” – os alimentos com um valor “maior ou igual a 70”, refere a médica. 

PUB

Os alimentos com um valor entre 56 e 59 têm um IG médio e os com igual ou menor que 55 têm um IG baixo. Estes últimos são digeridos e absorvidos mais lentamente, por isso, “a libertação de açúcar no sangue é feita de forma gradual, não aumentando tanto os níveis de insulina no sangue”, sustenta.

De acordo com um guia sobre hidratos de carbono dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla inglesa), os hidratos simples “são os que provocam o maior aumento do açúcar no sangue”. 

Joana Menezes Nunes admite que o arroz, à semelhança de outros alimentos, “tem um índice glicémico elevado”, sendo que este valor é “menor no arroz basmati, selvagem ou integral”.

“A tapioca, por exemplo, também tem índice glicémico elevado, ou as bolachas de arroz, o pão branco, determinados cereais, poucas frutas e até os amendoins”, aponta a médica.

Contudo, salienta a endocrinologista, o IG dos alimentos pode variar (aumentar ou diminuir), consoante alguns fatores. 

Alguns deles são: “o método de confecção (cozido, assado, com ou sem molho)”; “o grau de maturação das frutas”; “a presença de outros compostos na refeição, como proteínas ou lípidos (gorduras)” ; e “o tipo de amido”.

Assim, no caso do arroz, cozinhá-lo “al dente” e comê-lo em conjunto com proteínas animais ou vegetais ajuda a baixar o seu índice glicémico (ver aqui).

Em suma, na visão de Joana Menezes Nunes, não se deve rotular o arroz como proibido devido ao seu índice glicémico. Aliás, no texto da Escola de Saúde Pública de Harvard nunca se diz que o arroz branco é tão prejudicial para a saúde quanto o açúcar, explica-se, sim, o que é o índice glicémico e compara-se o índice glicémico do arroz branco com o do açúcar.

PUB

“A dieta deve ser equilibrada e, a meu ver, respeitar a dieta mediterrânea e a baixa em sal”, frisa. Para mais, acrescenta, “os hidratos de carbono são um grupo essencial a manter e ingerir na vida diária”.

Pode-se, claro, “optar por uma conjugação de alimentos (como arroz com muitos legumes), ou optar por outras formas de arroz, se quisermos ser muito rigorosos”. Contudo, na perspetiva da médica, “extremos e fanatismos nunca foram saudáveis”.

PUB

Além disso, anota, “devemos lembrar-nos que, por exemplo, para determinadas atividades físicas os hidratos de carbono com IG elevado (como o arroz) são muito proveitosos”.

No caso das pessoas com alguns problemas de saúde (como é referido no texto da Escola de Harvard), os alimentos com baixo IG podem, de facto, ser uma mais valia e, em alguns casos, preferíveis.

Joana Menezes Nunes dá como exemplo a “pessoas com tendência para insulinorresistência, como doentes com síndrome do ovário poliquístico ou diabetes mellitus tipo 2”.

Isto porque os alimentos com IG baixo têm muito benefícios, tais como: “aumentam a saciedade, reduzindo o apetite; melhoram o trânsito intestinal e o colesterol bom (HDL); e diminuem a resistência à insulina e os triglicerídeos”.

Ainda assim, em caso de dúvidas sobre qual a alimentação mais adequada, seja em contexto de gestão de peso, seja porque se tem alguma suscetibilidade ou doença, Joana Menezes Nunes recomenda que se “consulte sempre um profissional de saúde credenciado”.

falso

Categorias:

Alimentação

29 Mar 2024 - 08:30

Partilhar:

PUB