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Acha que foi o espermatozoide mais rápido? Não é bem assim

17 Mar 2024 - 10:12

Acha que foi o espermatozoide mais rápido? Não é bem assim

É comum a fecundação ser descrita como uma corrida dos espermatozoides até ao óvulo. Nas conversas entre amigos, é provável que tenha ouvido a seguinte piada: “Estás aqui porque foste o espermatozoide mais rápido”. Mas será tudo uma questão de velocidade? O óvulo tem algum papel na escolha do espermatozoide mais adequado?

A propósito do tema, o Viral contactou dois especialistas em medicina de reprodução. Teresa Almeida Santos, professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), e Miguel Raimundo, ginecologista e obstetra, desmontam a crença de que é sempre o espermatozoide mais rápido que “ganha” a corrida até ao óvulo.

É verdade que é sempre o espermatozoide mais rápido que fecunda o óvulo?

Teresa Almeida Santos e Miguel Raimundo começam por adiantar que esta ideia é um mito. “Não é necessariamente o espermatozoide mais rápido que atinge o óvulo e o fecunda”, sublinha a professora da FMUC.

Na visão de Miguel Raimundo, é fundamental “reconhecer que a fertilização [ou fecundação] é um processo complexo, em que diversos fatores, tanto do lado masculino quanto do lado feminino, podem influenciar significativamente o sucesso deste fenómeno”. 

Em primeiro lugar, é importante perceber que “os espermatozoides não são todos iguais”. A ginecologista explica que, “dos vários milhões de espermatozoides depositados na cavidade vaginal depois de uma relação sexual, apenas algumas centenas de milhares vão conseguir chegar ao terço externo da trompa (onde se dá a fecundação)”.

Segundo a especialista, por norma, “numa ejaculação, apenas 4% têm uma morfologia normal”. Depois, os espermatozoides que estão aptos nessa primeira fase ainda “têm de ir ultrapassando uma série de obstáculos ao longo do trato reprodutivo feminino, desde o colo do útero, à própria cavidade uterina e à trompa”, prossegue.

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Apesar de admitir que “a velocidade” também é importante durante todo o processo da fecundação, a médica sublinha que existem outros fatores a ter em conta, nomeadamente “a forma como os espermatozoides progridem”.

Além disso, é essencial “que o espermatozoide seja móvel”, salienta Teresa Almeida Santos. Isto porque tem de ser capaz de “ultrapassar as barreiras que vão existindo ao longo do aparelho genital feminino, que servem exatamente para selecionar os espermatozoides mais capazes”.

Até porque, exemplifica a ginecologista, “se uma pessoa tem relações sexuais às oito da manhã, mas a ovulação se dá à meia-noite, o mais rápido, quando lá chegar, pode até já não ter mobilidade”.

Assim que chegam perto do óvulo, os espermatozoides têm de ter “uma série de outras capacidades”, para poderem sofrer a reação acrossómica, uma reação necessária que permite que um espermatozoide perfure a parede espessa do óvulo e entre”.

Por outro lado, evidência recente “aponta para que haja alguns sinais emitidos a partir do óvulo no sentido de atrair alguns espermatozoides”. Portanto, frisa, “haverá também algum processo de seleção nesta última fase final antes da fecundação”.

Noutro plano, aponta Teresa Almeida Santos, quando se recorre a “técnicas de reprodução assistidas”, como a inseminação intrauterina e a fertilização in vitro (ver aqui e aqui), o contexto é completamente diferente.

Seleciona-se “os espermatozoides mais rápidos e depois são colocados em contacto com o óvulo, num meio de cultura”. 

Aqui “já não tem nada a ver com a rapidez, mas, sim, com o espermatozoide que for, de facto, mais capaz de se aproximar e, seguramente, de responder a sinais do óvulo”. Isto porque neste tipo de processo “já não há barreiras a ultrapassar, exceto a final”. 

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Como se processa a fecundação?

Miguel Raimundo define fecundação como “um processo crucial na reprodução humana”, caracterizado por “uma jornada complexa que envolve a união entre o óvulo e o espermatozoide”. 

Segundo o especialista em medicina reprodutiva, existem 10 fases fundamentais durante a fecundação. Primeiro, dá-se a “libertação do óvulo (ovulação)”. Este é o processo “no qual um óvulo maduro é libertado do ovário e capturado pela trompa de Falópio”. 

Por norma, acrescenta, “este evento ocorre a meio do ciclo menstrual, preparando o caminho para a possível fusão com um espermatozoide”.

De seguida, “durante o ato sexual, os espermatozoides são depositados na vagina, iniciando a sua jornada em direção ao óvulo”. Nesta fase, “enfrentam o desafio de atravessar o colo do útero e alcançar a cavidade uterina para, finalmente, encontrar a trompa de Falópio, onde a fertilização é frequentemente consumada”, explica.

Após a ejaculação, “os espermatozoides passam por um processo chamado capacitação, envolvendo alterações bioquímicas que os tornam aptos para fertilizar um óvulo”, refere o médico.

Por sua vez, “o óvulo liberta substâncias químicas que atraem os espermatozoides em direção a ele, facilitando a sua navegação pelo trato reprodutivo feminino”.

Na fase cinco, dá-se o “reconhecimento espermatozoide-óvulo”, ou seja, “moléculas específicas na superfície do óvulo (chamadas recetores) interagem com moléculas na superfície dos espermatozoides, estabelecendo o reconhecimento essencial para o próximo passo”.

Quando um espermatozoide alcança e se liga ao óvulo, “ocorre a fusão das membranas plasmáticas, permitindo que o núcleo do espermatozoide penetre no óvulo”, esclarece Miguel Raimundo.

Após esta fusão, salienta o ginecologista, há um bloqueio que impede a entrada de outros espermatozoides no óvulo, “garantindo que apenas um contribua geneticamente para o desenvolvimento do embrião”.

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Miguel Raimundo refere que esta fusão entre “os núcleos do óvulo e o espermatozoide resulta na formação do zigoto”, marcando, assim, “o início do desenvolvimento embrionário”.

Na penúltima fase, “o zigoto divide-se e forma um blastocisto que migra pela trompa de Falópio em direção ao útero”. Por fim, “no útero, o blastocisto implanta-se no revestimento uterino, dando início à gravidez”, conclui o médico.

17 Mar 2024 - 10:12

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