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Criopreservação. Óvulos perdem qualidade? Quando fazer? Quais os riscos?

Os números de atos de criopreservação de óvulos de mulheres saudáveis têm vindo a aumentar de ano para ano. Também a idade média da mulher no nascimento do primeiro filho segue uma tendência semelhante. Como funciona o processo de criopreservação de ovócitos? É verdade que os óvulos perdem qualidade quando são congelados? E qual é a taxa de sobrevivência das células depois do processo? Em declarações ao Viral, vários especialistas esclarecem as principais dúvidas sobre este “seguro de fertilidade”.

19 Dez 2022 - 11:11

Criopreservação. Óvulos perdem qualidade? Quando fazer? Quais os riscos?

Os números de atos de criopreservação de óvulos de mulheres saudáveis têm vindo a aumentar de ano para ano. Também a idade média da mulher no nascimento do primeiro filho segue uma tendência semelhante. Como funciona o processo de criopreservação de ovócitos? É verdade que os óvulos perdem qualidade quando são congelados? E qual é a taxa de sobrevivência das células depois do processo? Em declarações ao Viral, vários especialistas esclarecem as principais dúvidas sobre este “seguro de fertilidade”.

Numa entrevista à revista Allure, a atriz norte-americana Jennifer Aniston fez confissões sobre as dificuldades que teve para tentar engravidar: “Daria tudo para que alguém me tivesse dito ‘congela os óvulos, faz um favor a ti própria’. Nós não pensamos nisso. E agora aqui estou eu. O tempo já passou.” A atriz, que deu vida à personagem Rachel na famosa série Friends, partilhou ainda que o processo para engravidar foi um “caminho difícil” e que tentou “de tudo” – desde tratamentos de fertilização in vitro a “chás chineses” –, mas sem sucesso.

A criopreservação de ovócitos é uma técnica clínica que estimula os ovários, recolhe os óvulos libertados e preserva-os a temperaturas muito baixas para serem utilizados mais tarde. Existem algumas dúvidas e mitos associados a este processo. O Viral contactou três especialistas para perceber se os óvulos que são criopreservados perdem qualidade durante o congelamento e descongelamento.

Os óvulos perdem qualidade quando são criopreservados?

óvulos criopreservação

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A área da criopreservação sofreu uma grande evolução nas últimas décadas e o processo utilizado atualmente tem uma maior taxa de sucesso. No entanto, nem todos os ovócitos sobrevivem ao processo.

“O processo de congelação e descongelação leva à perda de alguns ovócitos, não perdem qualidade”, garante ao Viral Teresa Almeida Santos, especialista em medicina de reprodução no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. “Em média sobrevivem mais de 80% dos ovócitos”, acrescenta a especialista.

Alberto Barros, professor catedrático de genética na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, sublinha o “salto qualitativo” que o processo de criopreservação de ovócitos deu nos últimos anos. “Até há cerca de 10 anos, o processo era muito mau. Era usada a congelação lenta, uma técnica que tinha uma taxa de sobrevivência muito baixa”. 

A nova técnica utilizada atualmente chama-se vitrificação e consegue garantir uma elevada taxa de sucesso após o descongelamento. 

Em vez de um congelamento progressivo, a vitrificação “permite retirar rapidamente a água” do ovócito e substituí-la “por uma solução crioprotetora”, explica Ângela Ribeiro, embriologista responsável pelo laboratório no Centro de Estudos e Tratamento da Infertilidade (CETI) e investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (I3S). 

“Esta substituição protege as membranas da célula e faz com que o ovócito resista ao processo de criopreservação, nomeadamente às temperaturas muito baixas a que vai ser submetido”, adianta.

O óvulo é depois arrefecido muito rapidamente para temperaturas de -80ºC, sendo depois conservado em azoto líquido a -196ºC. Anteriormente, era utilizada uma técnica de congelamento lento que apresentava baixas taxas de sobrevivência. São as baixas temperaturas a que a célula é submetida para preservação que podem ser prejudiciais e ditar a morte do óvulo.

Além do processo, a taxa de sobrevivência dos ovócitos está também dependente da qualidade dos óvulos. “Nós conseguimos garantir sucesso na criopreservação, mas vai depender da qualidade dos ovócitos da mulher”, alerta Ângela Ribeiro. “Quanto mais tarde for feita a colheita, maior o risco de a qualidade dos ovócitos ser inferior”, sustenta.

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Sobre a possibilidade de se desenvolverem anomalias genéticas na formação do feto, Alberto Barros garante que “os resultados atuais são tranquilizadores”, lembrando que já nasceram “muitos milhares de crianças” através de óvulos criopreservados. No entanto, a literatura científica divide-se entre os estudos que apontam para “um ligeiro aumento de risco de anomalias congénitas” e os que “apontam para números semelhantes a uma gravidez natural”. O especialista reconhece que é cedo para ter conclusões sobre este assunto, mas reforça que “estamos num patamar de tranquilidade relativa”.

Até que idade se “deve” preservar os ovócitos?

óvulos criopreservação

A idade média para as mulheres terem o primeiro filho tem vindo a aumentar de ano para ano. Segundo dados do Pordata, nas últimas três décadas, passou de 24,9 anos (em 1991) para 30,9 anos (em 2021). A carreira é uma das razões que leva as mulheres a adiar a gravidez. Voltemos, por isso, às declarações de Jennifer Aniston: a atriz, atualmente com 52 anos, gostaria de ter sido aconselhada mais cedo para iniciar o processo de criopreservação de ovócitos. Porque não poderia tê-lo feito quando iniciou os tratamentos in vitro – que, segundo a própria, começaram quando tinha perto dos 40 anos?

A fertilidade da mulher vai reduzido à medida que a idade avança. No caso da recolha de óvulos para criopreservação ou doação, é aconselhado que se inicie o processo até aos 35 anos. Ângela Ribeiro sublinha que “há evidência científica que mostra que a partir dos 35 anos há um decréscimo da qualidade da fertilidade feminina”, sendo essa descida “muito abrupta, em termos de qualidade e quantidade de ovócitos”.

Para Alberto Barros, o limite é mais alto: “Na minha opinião, não é correto fazer congelação profilática dos ovócitos a partir dos 40 anos de idade. Com o aumento da idade da mulher, há um risco – que cresce de forma exponencial – de os ovócitos terem anomalias dos cromossomas.”

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Para recolher os ovócitos, os especialistas iniciam um processo de estimulação ovárica, “idêntico o que se faz em qualquer tratamento de reprodução medicamente assistira”, explica Teresa Almeida Santos. São administrados fármacos injetáveis durante 10 a 12 dias, sendo o processo controlado através de ecografias para “avaliar quando os óvulos estão em condições de ser removidos”.

“Uma vez confirmada a dimensão adequada dos folículos, é desencadeada a maturação final que permite programar o horário de recolha”, prossegue, referindo que a recolha deverá acontecer 36 horas depois, com recurso a ecografia vaginal e com sedação. Os folículos vão para laboratório, onde são identificados os ovócitos, que depois são submetidos ao processo de criopreservação.

O número de folículos recolhidos varia de mulher para mulher. Segundo Alberto Barros, não deverão ser retirados mais de 14 ovócitos numa estimulação. “A estimulação ovárica deve ser cuidadosa. Pelo risco de estimulação excessiva, não é sensato retirar mais ovócitos”, explica, acrescentado que uma hiperestimulação ovárica poderá causar edemas, aumento do tamanho dos ovários, entre outros problemas de saúde.

Criopreservação tem vindo a aumentar nos últimos anos

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O recurso à criopreservação de óvulos por mulheres que querem adiar a gravidez tem vindo a aumentar nos últimos anos. Teresa Almeida Santos reconhece esse “aumento de procura” por parte das pessoas que querem “adiar um projeto de parentalidade” e “assegurar a disponibilidade do óvulo”. Acrescenta ainda que existem dois motivos principais que levam as pessoas a recorrerem a esta prática: “o primeiro, e mais antigo, é para salvaguardar de um tratamento que possa destruir os óvulos, como é o caso dos tratamentos oncológicos; o segundo é por motivação da mulher, sem indicação de saúde”.

Essa motivação vai ao encontro dos dados sobre os atos de criopreservação. Segundo o mais recente relatório do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, em 2018, foram registados 174 atos de criopreservação de ovócitos na ausência da doença. Uma subida considerável, quando comparado com o mesmo relatório 2016, em que tinham sido registados 47 atos. 

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Nos relatórios de anos anteriores, a preservação do potencial reprodutivo era utilizada, maioritariamente, por homens e mulheres com doença oncológica, devido às consequências dos tratamentos de quimioterapia no sistema reprodutor. No entanto, em 2017, esta tendência inverteu-se: mais mulheres preservaram ovócitos sem doença associada (95) do que com por doença oncológica (90).

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“É uma espécie de seguro de fertilidade”, considera Ângela Ribeiro. “São situações muito ponderadas por mulheres que decidem adiar a maternidade, por motivos pessoais e/ou profissionais. Muitas vezes, o feedback que temos é que, chegado o desejo de engravidar e não tendo encontrando o parceiro, as nossas pacientes optam por congelar os ovócitos. Em alternativa, algumas partem para um processo de tratamento com recurso a dadores de espermatozoides.”

Por outro lado, Alberto Barros sublinha a importância de “não se adiar o processo de fertilidade”, mesmo tendo recorrido à criopreservação dos ovócitos. O especialista em genética lembra que a taxa de sucesso é um valor médio e que, em casos específicos, o número de ovócitos a sobreviver ao processo pode ser menor. “Se não houver sucesso com o processo de ovócitos congelados, poderá ser tarde para recolher ovócitos novamente”, esclarece o professor catedrático.

Por essa razão, deixa um alerta: “A reserva potencial não deve ser considerada uma segurança absoluta.” O especialista apela também aos profissionais de saúde para que “analisem a situação e esclareçam muito bem a mulher, sobre os benefícios potenciais e também os riscos” deste processo.

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19 Dez 2022 - 11:11

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