Caso Salvador Sobral. Não produzir testosterona significa, por si só, ser “intersexual”?
O termo “intersexual” ou “intersexo” ganhou particular destaque nas últimas semanas, após o cantor Salvador Sobral ter afirmado num podcast que é “intersexual”, porque o seu corpo não produz testosterona.
Numa conversa com o humorista Pedro Teixeira da Mota durante o podcast “Watch TM”, Sobral contou que, depois de iniciar a toma de uma medicação específica para o coração, começou a notar “dores nas mamas”, perda de “pelo”, um arredondamento da cara e diminuição da libido.
Estes sintomas levaram-no a consultar um médico e a descobrir que o seu corpo não estava a produzir testosterona. Por isso, revelou o cantor, hoje em dia, toma injeções de testosterona a cada quatro meses.
Mas estará a não produção de testosterona relacionada com a “intersexualidade”? Sempre que alguém tem um défice ou uma ausência na produção desta hormona significa que é “intersexual”?
Quem não produz testosterona é “intersexual”?
Não, não produzir testosterona não significa, necessariamente, ser “intersexual” ou “intersexo”. Quem o diz, em declarações ao Viral, é a endocrinologista Catarina Senra Moniz, assistente hospitalar graduada de endocrinologia no Hospital Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada.
A especialista começa por explicar que os termos “intersexual” ou “intersexo” têm sido progressivamente substituídos pela expressão “diferenças de desenvolvimento sexual” e dizem respeito a um conceito “muito abrangente”.
Estas diferenças de desenvolvimento sexual podem corresponder, por exemplo, “a pessoas que, ao nascimento, têm genitais ambíguos”. Isto é, que “têm genitais que não conseguimos atribuir de forma clara ao sexo feminino ou ao sexo masculino” (o que, antigamente, era denominado pejorativamente de “hermafroditismo”). Mas não só.
“Passa desde as situações em que temos uma virilização dos genitais até aos casos em que os genitais são femininos, mas o cariótipo – ou seja, os cromossomas (XY) – correspondem a uma pessoa do sexo masculino”, sustenta.
Posto isto, sublinha a endocrinologista, estas diferenças de desenvolvimento sexual “têm múltiplas causas” e não estão necessariamente relacionadas com a não produção de testosterona, ao contrário do que as declarações de Salvador Sobral dão a entender.
Sem comentar o caso específico de Salvador Sobral, a especialista esclarece que, “quando uma pessoa não produz testosterona, consideramos que tem um hipogonadismo, ou seja, as gónadas não estão a produzir as hormonas sexuais masculinas (neste caso, a testosterona)”, esclarece a especialista.
Nestas situações, regra geral, estas pessoas “não são denominadas de pessoas ‘intersexo’”. Catarina Senra Moniz clarifica que “pode acontecer uma pessoa ‘intersexo’ não produzir testosterona, mas não é uma condição sine qua non”.
“Na maioria dos casos, um hipogonadismo não corresponde a uma pessoa ‘intersexo’. Mas uma pessoa ‘intersexo’ pode ter alterações na produção de testosterona”, reforça.
O que acontece quando não se produz testosterona?
Catarina Senra Moniz adianta que a não produção de testosterona pode acontecer “a nível dos testículos” ou “a nível central”, ou seja, “na glândula hipofisária, que produz o estímulo para o testículo produzir testosterona”.
E pode ter várias causas, “desde alterações de cromossomas a causas iatrogénicas, nomeadamente pós-quimioterapia, pós-radioterapia, ou após a toma de outros fármacos”.
Quando a diminuição ou ausência da produção de testosterona acontece na infância, a pessoa “não vai desenvolver os caracteres sexuais e toda a composição corporal do género masculino”. Por exemplo, “não há o aumento do pelo, do volume testicular e do tamanho do pénis”.
Por outro lado, quando a condição se dá na idade adulta, é comum haver “diminuição da libido, alterações do humor e menos energia”.
Além disso, “há alterações na composição corporal marcadas, tais como a diminuição da massa muscular e do pelo corporal”, e “pode haver também aumento do volume da mama, que nós denominamos de ginecomastia”, explica. Esta condição pode também “estar associada a causas de infertilidade”.
O tratamento é feito com administração de testosterona intramuscular ou em gel, sendo o intervalo entre doses definido pelo médico, variando de caso para caso.
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