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Amor ou controlo? 9 sinais de uma relação tóxica (e 7 de uma relação saudável)

14 Fev 2024 - 09:48

Amor ou controlo? 9 sinais de uma relação tóxica (e 7 de uma relação saudável)

Os bombons em forma de coração, as músicas românticas e as publicações repletas de declarações de amor partilhadas nas redes sociais são já uma tradição de São Valentim. Mas o que o mundo digital não mostra é que, muitas vezes, por trás da fachada de um mural perfeito, esconde-se uma relação tóxica, onde reina o controlo, a manipulação e o abuso.

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Mas desengane-se quem pensa que só quem está de fora da muralha não consegue ver o que lá vai dentro. Muitas vezes, as próprias vítimas têm dificuldade em reconhecer atitudes e comportamentos inadequados. A pensar nisso, o Viral contactou duas psicólogas e sexólogas para perceber quais os sinais que podem indicar uma relação tóxica e quais os fundamentos de uma relação saudável.

O que é uma relação tóxica?

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Para Ana Alexandra Carvalheira, psicóloga clínica, sexóloga e investigadora do ISPA – Instituto Universitário, uma relação tóxica é uma relação “de abuso de alguém sobre alguém”. E “essa relação abusiva não tem de envolver, necessariamente, violência física ou mesmo verbal”.

“Há várias formas de violência. Até o silêncio pode ser uma forma de violência. E há pessoas que pensam: ‘Ele não me bate, não é agressivo verbalmente, isto não é um abuso’. Mas pode ser. Pode haver uma relação tóxica sem haver violência física ou verbal”, sustenta a especialista.

No mesmo plano, a psicóloga e sexóloga Inês Melo adianta que uma relação tóxica acontece quando “a pessoa não está a sentir o bem-estar emocional e psicológico que uma relação deveria pressupor”.

Por outras palavras, detalha, “é uma relação em que não estão presentes os princípios de respeito, atenção, carinho, cumplicidade e tolerância e em que há uma certa incapacidade de aceitar a individualidade, a liberdade e a autonomia da outra pessoa”.

“Diria que é uma relação em que os custos são muito maiores do que os benefícios. Ou seja, aquilo que eu estou a retirar de bom da minha relação é muito menor do que aquilo que eu estou a retirar de mau”, exemplifica.

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Ambas as psicólogas sublinham que os sinais de toxicidade da relação nem sempre são fáceis de reconhecer, até porque o abuso vai progredindo gradualmente, começando com pequenas manipulações menos claras e ganhando maior dimensão com o tempo.

Ana Alexandra Carvalheira aponta que, muitas vezes, o agressor é alguém “muito sedutor” que usa a “sedução” para tornar “a manipulação mais eficaz”. Ou seja, faz por se manter “atraente” para que a vítima “continue a gostar dele”.

Apesar disso, refere a investigadora do ISPA – Instituto Universitário, é comum o abusador ser alguém “extraordinariamente inseguro”, “desestruturado”, “com muito baixa autoestima”, que se sente “diminuído e inferior” e que usa os mecanismos de controlo e de manipulação na relação para se sentir superior e para compensar a sua falta de autoconfiança.

Sinais de que poderá estar numa relação tóxica

1 – Críticas constantes e foco no negativo

“Numa relação tóxica, é tudo muito focado no negativo”, avança Ana Alexandra Carvalheira. Segundo a investigadora, neste tipo de relações “há pouca conversa e, quando há conversa, é sempre sobre críticas e coisas negativas”.

Também Inês Melo refere as “críticas constantes” e a escassez de “elogios verdadeiros” como sinais de uma relação tóxica.

A psicóloga e sexóloga afirma ser também frequente o agressor “disfarçar uma crítica com um elogio” e “usar o sarcasmo e a ironia para diminuir e criticar a pessoa” de forma “subtil”.

“A pessoa tende a inferiorizar-nos, a fazer-nos sentir insuficientes, ridicularizando também as nossas conquistas. Isto tem um objetivo muito específico: diminuir a nossa autoestima, para que seja mais fácil manipular-nos e manter esta relação por muito mais tempo”, argumenta Inês Melo.

2 – Pedir para ver o telemóvel e as mensagens

Exigir as palavras-passe das redes sociais e o código do telemóvel ou pedir para ver as mensagens trocadas no Instagram ou no WhatsApp são, na perspetiva das especialistas, sinais de alerta, por representarem uma invasão da privacidade do parceiro.

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Ana Alexandra Carvalheira admite que recebe, com frequência, em consultório, casais a queixar-se de que “um mexe no telemóvel do outro”, um comportamento que considera “abusivo e de desrespeito pela privacidade e liberdade do outro”.

A investigadora defende que, mesmo quando uma pessoa não tem este comportamento “às escondidas” e pede ao parceiro para ver as mensagens, há motivo de preocupação, por se tratar de uma tentativa de vigiar e controlar o outro.

“É importante lembrar que a pessoa não tem de mostrar [as mensagens], porque é livre para não o fazer. Deve preservar a sua liberdade para manter espaços privados onde o companheiro não entra. Isso faz parte de uma relação saudável”, sustenta.

Inês Melo assinala que é também comum nas relações tóxicas “a pessoa mexer nas coisas do outro sem consentimento” e, depois, “ficar muito ofendida e desconfiada quando a vítima tenta impor os seus limites”.

“Há uma nuvem de ciúme sempre a pairar no relacionamento que faz com que uma das pessoas tente controlar todas as áreas da vida da outra”, explica.

3 – Exigir a partilha da localização

Num mundo cada vez mais digital, o telemóvel é, na visão de Ana Alexandra Carvalheira, “um dos principais mecanismos de controlo” utilizado nas relações tóxicas.

Nesse sentido, indica a investigadora, exigir ao parceiro que instale uma aplicação para partilhar a sua localização em tempo real é uma “red flag” (uma bandeira vermelha, um sinal de alerta).

Num relacionamento amoroso, continua, “tenho de respeitar a liberdade do meu parceiro e acreditar que ele me dirá onde está”.

“A geolocalização é algo que a polícia pede a um criminoso, a alguém que recebeu uma sentença e que não pode sair sem pulseira”, ironiza.

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4 – Manipular e culpar o outro por tudo o que acontece

Ameaçar terminar a relação de cada vez que é contrariado ou culpar a vítima pelas “explosões” e atitudes inadequadas do agressor são exemplos flagrantes de manipulação, uma característica transversal aos vários modelos de relações tóxicas.

Inês Melo adianta que é frequente o abusador “culpar o outro por tudo o que acontece” e nunca assumir responsabilidade pelos seus erros.

“A pessoa que está a manipular nunca pede desculpa. É sempre a vítima que pede desculpa, numa tentativa de manter a paz e de evitar os conflitos”, exemplifica.

Ana Alexandra Carvalheira lembra que, por vezes, estas manipulações são muito subtis e assentam em frases que põem a vítima a questionar-se sobre o seu próprio valor, tais como: “ninguém te conhece como eu”, “ninguém gosta de ti como eu” ou “tu vais ficar sozinha”.

5 – Usar o amor como desculpa para comportamentos abusivos

“Tenho ciúmes porque gosto de ti” ou “Só fiz isto porque te amo” são exemplos de frases que os agressores usam para justificar os seus “comportamentos abusivos” e a utilização de “mecanismos de controlo”, assegura Ana Alexandra Carvalheira. A investigadora do ISPA lembra, contudo, que “o amor não é isso”

“O amor não é manipulação. Amor não é ciúme exagerado, amor não é controlo, amor não é querer dominar a outra pessoa. O amor tem que ver com respeitar a liberdade do outro, respeitar o silêncio do outro, respeitar a escolha do outro”, frisa.

6 – Não aceitar o “não” como resposta

Na visão de Inês Melo, numa relação tóxica, “geralmente, há também uma tendência para a insistência, para não aceitar o ‘não’ como resposta e para pressionar a outra pessoa a fazer coisas que não quer”.

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Este comportamento, explana a psicóloga, “viola completamente o poder de decisão da outra pessoa, a sua autonomia e também a sua liberdade de agir como melhor lhe convém”.

7 – Afastar o parceiro dos amigos e da família

O isolamento social é, segundo ambas as especialistas contactadas pelo Viral, uma característica comum das relações tóxicas. 

O abusador tenta, por exemplo, “afastar a pessoa da sua rede de suporte”, nomeadamente dos amigos e da família, para ser mais fácil manipular a vítima e torná-la mais dependente do agressor, avisa Inês Melo. 

Neste caso, é frequente o uso de frases como: “Os outros não te querem bem, só eu é que te quero bem”.

Proibir o contacto com ex-namorados, amigos ou colegas de trabalho do sexo oposto (no caso dos casais heterossexuais) é também uma forma de controlar e de interferir na rede social do parceiro e de limitar a sua autonomia e liberdade.

8 – Falta de comunicação

A falta de comunicação, ou seja, “não haver conversa, é outro sinal”, assinala Ana Alexandra Carvalheira. A investigadora vai mais longe e assegura que, muitas vezes, a “vítima tem medo” de falar e de se expressar livremente.

“A vítima pensa: ‘Não vou dizer isto, porque isto vai irritá-lo, vai incomodá-lo, e depois vai haver uma discussão’ ou ‘Não vou transmitir-lhe a minha emoção porque, se eu lhe dissesse como me estou a sentir, ele ia ficar muito chateado’”, exemplifica.

O medo é, aliás, um elemento típico das relações tóxicas: “Enquanto que a relação saudável se caracteriza pela possibilidade de fazer escolhas livres e pela liberdade, a tóxica caracteriza-se pelo medo”.

9 – A vítima sente que “não tem saída”

Aliado ao medo de escolher livremente, afirma Ana Alexandra Carvalheira, é habitual a vítima sentir “que não tem saída”.

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“Sente-se presa, porque, entretanto – também por via da manipulação -, desenvolveu-se uma relação de dependência. O agressor fez com que a vítima dependesse dele”, esclarece a investigadora.

Quais os sinais de uma relação saudável?

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Se uma relação tóxica se caracteriza pelo controlo, pela manipulação e pelo abuso, uma relação saudável tem como pilares “o respeito, a liberdade e a alteridade”.

Quem o diz é Ana Alexandra Carvalheira que, por outras palavras, explica que uma relação saudável “é uma relação que permite o crescimento das duas pessoas”, em que há “liberdade para escolher” e em que as diferenças são respeitadas.

Neste plano, as psicólogas contactadas pelo Viral apontam sete indicadores de uma relação saudável.

1 – Aceitar e respeitar as diferenças

Para Carvalheira, numa relação é fundamental “praticar a alteridade”, ou seja, “o respeito pela diferença do outro”. 

Isto implica perceber que “o outro não é como eu quero que ele seja, e respeitar e aceitar as diferenças e as características de que eu não gosto assim tanto”, sem tentar “mudá-las”, sustenta.

Também Inês Melo considera fulcral entender que “há coisas que não vou partilhar com a outra pessoa (nomeadamente, objetivos, planos, formas de estar e de ver a vida) mas que, ao mesmo tempo, devo respeitar que assim seja para essa pessoa”.

“Numa relação saudável é importante também haver amor. E amor aqui no sentido mais puro da palavra: eu amar a pessoa a ponto de respeitar todas as coisas que ela traz consigo, toda a sua bagagem, toda a sua personalidade, os seus objetivos, a sua individualidade e a sua autonomia”, insiste.

2 – Comunicar com abertura e honestidade

“É muito importante também haver muita comunicação”, ajuíza Inês Melo, reforçando que “um relacionamento saudável assenta sempre numa comunicação muito saudável, muito honesta e muito aberta sobre praticamente todos os temas”.

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Este tipo de dinâmica de comunicação é, na visão da psicóloga, “meio caminho andado para que as coisas corram de uma forma saudável e leve para todos os envolvidos”.

3 – Não utilizar mecanismos de controlo

Utilizar mecanismos de controlo – como pedir para ler as mensagens do parceiro ou exigir a partilha da sua localização em tempo real – são comportamentos que, segundo Ana Alexandra Carvalheira, não têm espaço nas relações saudáveis.

No mesmo sentido, Inês Melo sublinha que esta necessidade de controlar o outro dentro da relação “é mais comum do que se possa pensar” e admite que, muitas vezes, “começa já na adolescência”.

A psicóloga lamenta que este tipo de comportamentos esteja a ser “normalizado” e lembra que “a liberdade e a individualidade são fundamentais numa relação saudável”.

4 – Definir limites e respeitá-los

Inês Melo assegura que definir limites é essencial numa relação. No entanto, frisa a psicóloga, além de comunicar esses limites, é importante não deixar que estes sejam ultrapassados.

“É eu conseguir impor o meu limite, comunicando-o, mas, se ele for ultrapassado, conseguir também sustentá-lo e aplicar uma consequência a esse desrespeito pelo meu limite”, detalha.

Na experiência da psicóloga, nas relações tóxicas, é comum as pessoas comunicarem os seus limites, mas depois permitirem que estes sejam “arrastados”. Quando isto acontece, o agressor “vai aprendendo, ao longo do tempo, que pode fazer isto e que pode ir desrespeitando os seus limites”.

5 – Saber ouvir um “não”

Por muito que um “não” seja difícil de ouvir, o consentimento é um dos principais alicerces de uma relação. No mesmo sentido, ressalva Ana Alexandra Carvalheira, é crucial também compreender que “uma resposta ambígua não é um sim”.

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“Uma resposta ambígua é um não. Ou, quando muito, é uma dúvida que é preciso esclarecer melhor”, clarifica.

6 – Respeitar as decisões e as escolhas do outro

Na perspetiva de Carvalheira, frases como “Eu respeito a decisão que tu tomares”, “Essa é a tua escolha e eu respeito” ou “Tens direito à tua escolha” são bons indicadores.

Isto porque, segundo a investigadora, quando ditas de forma genuína, estas frases mostram que há “respeito pelas decisões e pelas escolhas do outro”, características basilares de uma relação saudável.

7 – Manter a rede de amigos e “não fazer tudo juntos”

Por fim, numa relação amorosa, “respeitar a rede social” do outro e perceber que nem tudo tem de ser feito em conjunto são também atitudes saudáveis.

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“É bom comunicar que há coisas que fazemos juntos, mas que não temos de fazer tudo juntos. Dizer algo como ‘tu tens as tuas coisas, eu tenho as minhas coisas e, depois, temos as nossas coisas’ é saudável”, conclui Carvalheira.

Inês Melo refere-se ao mesmo aspeto como ter “liberdade para poder ser um ‘eu’ e para poder ser um ‘nós’, sem que um tenha, necessariamente, impacto [negativo] no outro”.

Como ajudar alguém a sair de uma relação tóxica?

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Questionada sobre o que devemos fazer para ajudar alguém a sair de uma relação tóxica, Inês Melo começa por recomendar “mantermo-nos presentes na vida da pessoa”.

A psicóloga admite que esta pode ser uma tarefa difícil, sobretudo quando o agressor tenta isolar a vítima da sua rede de suporte. No entanto, insiste, “é muito importante sermos firmes nesta decisão de não desaparecer da vida desta pessoa, tendo muita paciência com isso”.

Noutro plano, aconselha, “se houver alguma conversa sobre a relação tóxica, esta deve acontecer pessoalmente e quando estamos sozinhos com a vítima”.

“Não deve ser por chamada ou por mensagem, para evitar o risco de essa chamada ou essa mensagem estar a ser controlada ou ouvida pela outra pessoa”, alerta.

Além disso, é preciso evitar julgar ou acusar a vítima de ser culpada pela situação que vive.

“O processo de deixar uma relação tóxica é, muitas vezes, longo e doloroso. Por isso, devemos sempre ouvir aquilo que a outra pessoa tem para nos dizer, sem fazer julgamento da sua decisão, apoiando sempre a sua decisão, mas mantendo-nos firmes ao lado dela”, vinca.

Em casos mais extremos, “nomeadamente quando existe violência e até risco de vida”, deve ser feita queixa às autoridades, conclui.

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14 Fev 2024 - 09:48

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