Piercings na língua: Quais os riscos e como minimizá-los?
Mais do que uma moda ou tendência, os piercings são uma expressão de identidade de pessoas e culturas. Contudo, a utilização deste acessório em zonas sensíveis, como a língua, acarreta alguns riscos. Conheça as possíveis complicações e saiba como minimizá-las.
Usados por motivos estéticos ou de afirmação cultural em determinadas regiões do globo, a colocação de piercings na língua disseminou-se na sociedade, sobretudo nas populações mais jovens, tal como revela o estudo publicado no International Journal of Dental Hygiene.
Em declarações ao Viral, o médico dentista Tomás Carvalho, diretor clínico da Clínica Médis de Almada, explica quais os riscos associados à colocação deste acessório numa zona tão sensível e aponta algumas estratégias para minimizá-los.
Quais os riscos associados aos piercings na língua?
Tomás Carvalho começa por adiantar que os riscos associados aos piercings na língua podem ser divididos em dois momentos: logo na altura colocação e, depois, na vivência diária com um elemento estranho na boca.
É certo que houve uma evolução no que diz respeito aos materiais utilizados para a colocação do piercing na língua, mas Tomás Carvalho alerta que “os riscos de infeção existem” e não devem ser desconsiderados.
Afinal, sublinha, “há uma incisão que é feita e, nesse momento, estamos a expor o nosso sangue a bactérias que vivem na nossa flora oral e na saliva, o que aumenta a probabilidade de podermos desenvolver uma infeção”.
E, apesar dos cuidados que hoje são exigidos aos locais e aos profissionais que fazem este tipo de procedimentos, o médico dentista adverte que, “infelizmente, ainda existem sítios onde os materiais não estão devidamente esterilizados, o que pode contribuir para a propagação de infeções como hepatites ou herpes” e pode mesmo levar ao desenvolvimento de uma endocardite bacteriana.
Importa explicar que uma endocardite bacteriana ocorre quando um microrganismo entra na corrente sanguínea e se aloja nas válvulas cardíacas previamente danificadas ou no endocárdio, neste caso em consequência da infeção causada pelas bactérias que temos na flora oral.
Durante o procedimento de colocação do piercing, existe também o risco de hemorragia, porque, explica o médico dentista, “a língua é bastante vascularizada e, quando se faz a perfuração num sítio menos preciso, por um técnico menos experiente ou habilitado, corre-se o risco de acertar num vaso principal e causar uma hemorragia que se pode tornar descontrolada”.
Outra complicação que pode decorrer da perfuração da língua são as parestesias, uma sensação de formigueiro ou dormência na língua em consequência do dano provocado nos nervos e que pode levar mesmo a uma perda de sensibilidade que pode ou não ser reversível.
Tomás Carvalho lembra também que existe a possibilidade de ocorrerem reações alérgicas ao material usado.
“É raro acontecer com o titânio, mas com o níquel é mais comum e as reações podem passar pelo inchaço da língua, que pode resultar numa obstrução das vias aéreas, com dificuldades respiratórias a necessitar de cuidados hospitalares”, sustenta.
Estão também descritos casos em que, “durante a própria aplicação do piercing, se esta for realizada por técnicos não especializados, podem ocorrer traumas, nomeadamente fraturas dos dentes”, acrescenta o especialista.
Existem possíveis complicações a longo prazo?
Os estudos têm demonstrado que os piercings colocados na língua podem trazer consequências para a saúde oral.
Neste trabalho – que analisou 54 estudos, 15 dos quais considerados de boa qualidade metodológica – os participantes relataram lesões periodontais, distúrbios da fala, problemas na mastigação, dor, edema, hipersalivação, alergia e aspiração do acessório.
Tomás Carvalho aponta as infeções a longo prazo como uma das complicações mais frequentemente vistas em clínica.
Segundo o médico dentista, “as pessoas têm tendência a pôr a mão no piercing ou brincar com o piercing, o que facilita a acumulação de bactérias que levam a infeções ao longo do tempo”.
No entanto, sublinha, “as fraturas dentárias são, sem dúvida nenhuma, a principal consequência da colocação dos piercings na língua, é a que tem mais casos descritos [em estudos científicos]”, diz o médico dentista, como revelou o estudo publicado no The Journal of Contemporary Dental Practice.
A recessão gengival dos dentes anteriores, sobretudo no maxilar inferior, também está muito descrita na literatura.
“Cerca de 44 % das pessoas tem recessões gengival nos dentes da frente de baixo, é praticamente metade das pessoas que colocam piercings na língua”, sublinha Tomás Carvalho, lembrando os dados do estudo publicado no International Journal of Dental Hygiene onde este efeito foi descrito.
Existe também a possibilidade de engolir ou aspirar o piercing. “Este é constituído por duas peças de encaixe, e há até modelos em que é possível remover o piercing com a língua sem grande dificuldade, o que contribui para o aumento do risco de engolir ou mesmo aspirar o acessório o que pode causar problemas pulmonares ou gástricos”, acrescenta o especialista.
E, perante toda a evidência já publicada, Tomás Carvalho considera que “nenhum dentista vai aconselhar alguém a ter um piercing. É certo que pode ser uma expressão de identidade, mas estão muito bem descritas as possíveis consequências”.
Como minimizar os riscos dos piercings na língua?
Caso a intenção seja mesmo colocar um piercing na língua, o primeiro conselho de Tomás Carvalho passa por procurar “profissionais certificados, que tenham experiência e que também saibam explicar todos os cuidados” necessários para evitar que ocorram as possíveis complicações não só na colocação, mas também na convivência diária com o acessório.
Na página do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências, a lista de conselhos para quem quer colocar um piercing inclui procurar um profissional responsável com formação, que garanta a esterilização dos objetos utilizados e o respeito pelas regras de higiene e segurança.
Os cuidados básicos de higiene oral são aconselhados a todas as pessoas, tenham ou não piercing, e passam pela escovagem dos dentes duas vezes ao dia durante dois minutos, tal como recomenda a American Dental Association e a Ordem dos Médicos Dentistas, sem esquecer a utilização do fio dentário e do elixir.
Para fazer a higiene dentária, o médico dentista considera que é melhor para um portador de piercing na língua utilizar “escovas de cerdas mais macias, precisamente pela abrasão nos dentes e pela recessão gengival causadas pelo piercing, já que as escovas de cerdas médias ou mais duras vão aumentar a agressão à gengiva”.
E, como o piercing pode ser um veículo de bactérias, é também importante que seja realizada uma correta limpeza do acessório, como indicado pelo profissional que o colocou, e não esquecer a escovagem da língua.
“Evitar colocar as mãos no piercing e evitar brincar com o acessório” são também diretrizes do médico dentista para minimizar o risco de contaminação por bactérias exteriores ao corpo.
O dentista aconselha ainda uma vigilância atenta “aos sinais de infeção na língua que se manifestam por inchaço, dor, hipersensibilidade e, em alguns casos, libertação de secreções”.
Sempre que surgir algum destes sintomas, o portador do piercing deve procurar rapidamente um médico dentista.
Tomás Carvalho só recomenda mexer no piercing para monitorizar se este está bem apertado, para minimizar o risco de ser engolido ou aspirado, mas lembra que essa inspeção do acessório deve ser sempre realizada “com as mãos muito bem desinfetadas”.
Para evitar algum tipo de trauma na cavidade oral, o médico dentista recomenda também retirar o piercing durante a prática de desportos de contacto, mas sublinhando sempre que só com as mãos desinfetadas se deve mexer no acessório.
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