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Entrevista

José Alberto Ferreira: “Anda muito doente mal diagnosticado ou subdiagnosticado, perdido por aí”

6 Jun 2022 - 09:00

Entrevista

José Alberto Ferreira: “Anda muito doente mal diagnosticado ou subdiagnosticado, perdido por aí”

Na Semana Mundial da Alergia, que este ano se assinala entre 5 e 11 de junho, José Alberto Ferreira fala com o Viral Check sobre as doenças respiratórias alérgicas. Muito requentes e incapacitantes, a rinite alérgica e a asma acabam, ainda assim, por ser desvalorizadas pelos doentes e pela sociedade o que condiciona o diagnóstico atempado e o tratamento adequado. O vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica e imunoalergologista do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho defende também um melhor acesso dos doentes às terapêuticas inovadoras. 

Quais são as doenças respiratórias alérgicas mais frequentes em Portugal?

Dentro da alergia respiratória podemos começar por falar da rinite alérgica, a patologia que será, provavelmente, a doença crónica mais frequente que existe. Nos números nacionais afeta quase um quarto dos portugueses, a prevalência andará à volta dos 22%, diria que perto de 2,5 milhões de portugueses sofre de rinite.

A rinite alérgica caracteriza-se pelos espirros, pela rinorreia, normalmente aquosa, pela comichão nasal e pela congestão, ou seja, a sensação de nariz entupido. E à rinite associa-se muitas vezes a conjuntivite, particularmente na situação mais comum nesta época da rinite causada pelos pólens, durante a qual é muito comum os doentes queixarem-se do lacrimejo e da comichão nos olhos.

Temos também a asma que, segundo os números nacionais, afeta perto de 7% dos portugueses, cerca de 800, 900 mil pessoas. A asma alérgica caracteriza-se pela falta de ar, pela chiadeira no peito e pela tosse seca que pode ocorrer com as mudanças de temperatura ou com o esforço físico.

Estas patologias têm graus de gravidade maiores ou menores e é preciso caracterizá-las bem para estabelecer o tratamento mais adequado ao grau de gravidade.

A rinite alérgica caracteriza-se pelos espirros, pela rinorreia, normalmente aquosa, pela comichão nasal e pela congestão, ou seja, a sensação de nariz entupido. E à rinite associa-se muitas vezes a conjuntivite, particularmente na situação mais comum nesta época da rinite causada pelos pólens, durante a qual é muito comum os doentes queixarem-se do lacrimejo e da comichão nos olhos.

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Além disso, as doenças alérgicas frequentemente coexistem. Por exemplo, cerca de 80% dos doentes com asma também tem rinite e depois existem outras doenças alérgicas – como a dermatite atópica, as alergias a medicamentos e a alimentos – que em alguma percentagem também coexistem nestes doentes. O doente com asma pode não ter só asma, pode ter quatro ou cinco patologias, a que chamamos comorbilidades, que lhe estão associadas. E o que acontece também muitas vezes é que um doente com asma e rinite até tem a asma bem controlada, mas a rinite agudiza nesta altura do ano e é o suficiente para descontrolar a asma. Enquanto não tratarmos a rinite e controlarmos a situação vai ser mais complicado controlar a asma.

Esses números comprovam que são doenças muito frequentes, mas considera que são devidamente valorizadas pela população? Estes números podem revelar algum subdiagnóstico das doenças alérgicas?

Os dados derivam de inquéritos bem construídos e acredito que, ao comparar com números internacionais, não andarão muito longe da realidade. Contudo, estas são de facto doenças nem sempre valorizadas. A asma acaba por ter algum valor porque implica não só um mal-estar, mas as pessoas têm noção que, numa situação mais complexa, pode implicar uma ida ao serviço de urgência, um internamento e, inclusivamente, resultar em morte. E causa uma grande limitação embora o próprio doente, por vezes, tente desvalorizar, mas se lhe perguntarmos se consegue subir dois andares seguidos, ele responde que não.

Com a rinite alérgica é pior. Um autor inglês disse há uns anos que a rinite é uma doença banal, exceto se for você a tê-la. É uma patologia que, normalmente, nos questionários de qualidade de vida pontua pior que a asma, é capaz de provocar uma qualidade de vida pior do que a asma, com sintomas mais chatos, mas realmente não se morre disso. Quem se queixa ouve regularmente de quem está ao lado “isso são só uns espirros toma lá uns lenços”.

E depois temos outro âmbito dessa desvalorização. Recentemente tivemos a notícia de que os centros de saúde iriam ter como indicadores se as utentes fazem IVG [interrupção voluntária da gravidez] ou têm doenças sexualmente transmissíveis. É curioso, mas a asma e a rinite não fazem parte dos indicadores dos cuidados de saúde primários. Os colegas de medicina geral e familiar, que estão muitas vezes assoberbados de trabalho, têm um conjunto de indicadores de atividade que têm de cumprir no acompanhamento dos utentes, como por exemplo indicadores cardiovasculares, da diabetes e nas doenças respiratórias da DPOC [doença pulmonar obstrutiva crónica]. Se tiver de fazer não sei quantas questões ao utente para responder a esses indicadores, deixa a asma para o fim porque não faz parte dos indicadores.

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Um autor inglês disse há uns anos que a rinite é uma doença banal, exceto se for você a tê-la. É uma patologia que, normalmente, nos questionários de qualidade de vida pontua pior que a asma, é capaz de provocar uma qualidade de vida pior do que a asma, com sintomas mais chatos, mas realmente não se morre disso. Quem se queixa ouve regularmente de quem está ao lado “isso são só uns espirros toma lá uns lenços”.

Existe uma desvalorização a vários níveis: do doente, da sociedade e do sistema de saúde. E estes são doentes que gastam muito dinheiro ao Estado porque se perde muito em ineficiência profissional. Um estudo espanhol mostrou há uns anos que na fase de agudização da rinite o trabalhador perde cerca 30% da sua eficiência. O absentismo não é muito na rinite, porque a pessoa até vai trabalhar, mas é um corpo presente com espírito ausente, neste caso fala-se muito no presenteísmo, já que o absentismo é mais com a asma.

Com os miúdos na escola ainda é mais complicado. O jovem que está nas aulas constantemente a assoar-se não vai aprender o que poderia porque vai estar distraído. Depois, se por acaso for tratado com os antigos anti-histamínicos que davam sono, está nas aulas, mas está a dormir. E é uma situação muito comum porque os números da rinite nos mais novos são idênticos aos dos adultos. Na asma são superiores, mas hoje em dia os pais já estão mais alerta e desde que façam a medicação já têm uma vida praticamente normal.

Pode dizer-se que a qualidade de vida destes doentes com doença alérgica fica comprometida? Há coisas que não podem fazer no dia-a-dia?

Há uns anos era muito frequente os pais virem pedir o atestado para o menino não fazer a aula de ginástica e custou um pouco mudar esse paradigma. O menino com asma deve praticar desporto, obviamente que, se calhar, vai ter mais sintomas e vai ter de fazer mais medicação para os controlar, mas à medida que ganha treino muscular vai conseguir fazer essa atividade com menos custo.

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É muito importante passar essa mensagem, desconstruir este mito. Pode fazer qualquer atividade, tem é de fazer a terapêutica e perceber que a medicação é amiga, é segura e se a fizer corretamente vai conseguir ter uma vida praticamente normal, inclusive fazer desporto de alta competição. E é preciso estar atento, porque outro mito que existe é que se em criança não tinha nada não vai ter alergia em adulto. As alergias podem aparecer em qualquer idade, às vezes por razões de causa profissional, mas muitas vezes não. Pode desenvolver-se uma rinite aos 30, 40 anos assim como as vezes nas senhoras surge a asma depois da menopausa, e estas são asmas difíceis de tratar porque respondem pior à medicação.

Os especialistas reconhecem ser importante a adesão do doente à terapêutica, mas na doença crónica, que implica manter a medicação durante um longo período de tempo, às vezes a vida inteira, é difícil… Mas é fundamental. E é também fundamental desconstruir a ideia de que as bombas inalatórias fazem mal ao coração que, por terem cortisona, a pessoa vai engordar, vai ficar com estrias, com cataratas, o jovem não vai crescer.

A dose de corticoide presente num inalador está na casa dos microgramas e é a dose praticamente fica toda na área bucal, onde queremos que atue e uma parte significativa vai para o pulmão. No momento em que se faz a inalação é importante lavar bem a boca e os dentes, bochechar e deitar fora a água, porque minimizamos os poucos microgramas que poderiam passar para o estômago. Mas mesmo esses seriam quase todos inativados pelo fígado. É preciso perceber que se a pessoa tem uma doença crónica, deve fazer terapêutica crónica e esta é perfeitamente segura. Depois podemos entrar pelo preço da medicação.

A vacina antialérgica, em doentes bem selecionados, é muito eficaz. Enquanto os medicamentos atuam mais ao nível dos sintomas, a vacina antialérgica é o único tratamento que consegue mexer na patologia e alterar a história natural da doença.

Estas doenças crónicas têm comparticipação para as terapêuticas mais recentes?

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Quer os inaladores, quer os anti-histamínicos, quer os corticoides em spray nasal são comparticipados. Contudo, temos outros tratamentos muito importantes na doença alérgica e que neste momento estamos a assistir ao problema da não comparticipação, que são as vacinas antialérgicas.

A vacina antialérgica, em doentes bem selecionados, é muito eficaz. Enquanto os medicamentos atuam mais ao nível dos sintomas, a vacina antialérgica é o único tratamento que consegue mexer na patologia e alterar a história natural da doença. Há diversos estudos de fármaco-economia claramente favoráveis a esta forma de imunoterapia. Embora haja um investimento inicial, o doente começa a melhorar da sua doença e, depois de parar a imunoterapia, alguns doentes conseguem ficar muitos anos praticamente livres da doença.

Isto foi comparticipado até 2011, depois veio a troika e deixou de ser comparticipado. Entretanto a troika foi-se embora, virámos a página da austeridade, mas continuamos sem comparticipação. Há muito doentes que não têm possibilidade de pagar o tratamento por inteiro, até porque são tratamentos de três a cinco anos, e Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica já chamou várias vezes a atenção porque era muito importante as nossas autoridades reverem esta situação.

Esses tratamentos são direcionados a algum grupo específico de doentes? Quem pode beneficiar mais da imunoterapia?

Doentes com rinite e ou asma alérgica em que o resultado dos testes cutâneos e/ou das análises, as chamadas IgE específicas, estejam de acordo com a história clínica. Por exemplo, se um doente diz que na fase da primavera sente mais exacerbação dos sintomas, faz-se os testes cutâneos e o que se obtém é uma forte positividade aos ácaros não bate uma coisa com a outra se os sintomas aparecem na fase da polinização. Não é candidato para fazer a vacina.

É por isso que estes doentes devem ser avaliados por pessoas com muita experiência nesta área, para ver se têm indicação para fazer a vacina. Aqueles que têm indicação, a grande maioria vai tirar grandes benefícios desse tratamento. Também vai depender do doente porque se é uma pessoa que tem uma exposição muito grande, um jardineiro por exemplo, é natural que ainda tenha alguns sintomas. Além disso, temos doentes polissensibilizados, que são alérgicos a várias coisas, e às vezes não é possível chegar a tudo.

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Quais são as novidades que têm chegado ao campo do tratamento da doença alérgica e que desafios ainda existem nos tratamentos destes doentes? 

Os medicamentos biológicos que são de facto fármacos com uma tecnologia que consegue ir praticamente à molécula. Ou seja, em vez de atuarmos com um corticoide, esperar que ele faça a desinflamação do local, os medicamentos biológicos são dirigidos ao recetor da interleucina, ou da IgE, ligam-se a sítios muito específicos de determinadas células e com isso inibem a sua ação, da qual resultaria uma cadeia de acontecimentos alérgicos.

Com os medicamentos biológicos conseguimos, de uma forma muito dirigida, tratar doentes graves em que a terapêutica convencional não é suficiente para tratar a doença alérgica. Temos um conjunto de doentes com asmas graves que conseguiam melhorias fantásticas com estes medicamentos biológicos, que além de serem bastante seguros em termos de efeitos laterais, com eles é possível fazer com que os doentes deixem de fazer corticoides orais, que são os fármacos que têm mais efeitos laterais.

No caso dos doentes com rinossinusite e polipose – que são pólipos nasais que mesmo depois de retirados cirurgicamente acabam, frequentemente, por voltar – às vezes estes novos fármacos diminuem a probabilidade de serem operados mais vezes. No caso de outras doenças alérgicas, como a urticária, doentes com casos gravíssimos que tinham de fazer corticoides ou imunossupressores, como a ciclosporina, com os novos fármacos biológicos conseguimos melhorias excecionais, assim como na dermatite atópica.

São tratamentos muito caros, que custam milhares de euros por ano e têm de ser usados em doentes muito selecionados, que não tenham respondido à terapia convencional. Em algumas situações é mais complicado o acesso a esta terapêutica, pois num hospital de grande dimensão conseguimos com maior probabilidade aceder a estes fármacos e em hospitais mais pequenos, por vezes, é muito mais complicado, o que cria um conjunto de desigualdades o acesso.

Essa dificuldade de acesso a estas terapêuticas nos hospitais mais pequenos tem a ver com a economia de escala na compra destes fármacos que é possível fazer nos hospitais maiores?

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Não é só isso. Num hospital central um ou dois milhões de euros de um fármaco faz mossa, mas é uma mossa mais ou menos pequena num orçamento de grandes dimensões, enquanto num hospital pequeno esse valor é parte de leão de um orçamento. Sabemos que colegas em hospitais mais pequenos não conseguem aprovações para estas terapêuticas, mesmo quando as guidelines para o tratamento das doenças são claras para a sua utilização.

É também preciso identificar os doentes, anda muito doente mal diagnosticado, ou subdiagnosticado, perdido por aí e esse é outro desafio.

Os doentes que tinham situações de alergias ocupacionais espoletadas pelo local de trabalho beneficiaram porque ficaram em teletrabalho em casa. Os que trabalhavam em open spaces que têm asma ou rinite e apanhavam gripe e outras infeções respiratórias no inverno, esses também melhoraram porque ou estavam em teletrabalho ou estavam mais afastados nos locais de trabalho e com a máscara.

Os tais indicadores para as doenças respiratórias alérgicas nos cuidados de saúde primários ajudariam a diminuir o subdiagnóstico?

Sim, mas coisas, mesmo assim, têm vindo a melhorar. Já sabemos que o subdiagnóstico é complexo e a acessibilidade aos centros mais especializados também. Não se pode ter um especialista em imunoalergologia ou pneumologia em todas as esquinas, mas o acesso de quem está nos grandes centros é completamente diferente do de quem está na aldeia ou numa pequena vila do interior. Temos aqui no centro pessoas a fazer a vacina para a alergia a vespas e abelhas que fazem mais de 200 quilómetros para vir receber a vacina.

E que implicações tiveram estes dois últimos anos de pandemia causada pelo SARS-CoV-2 – com o isolamento e a utilização intensiva de máscara – para o doente alérgico e para o desenvolvimento de quadros alérgicos?

É uma questão muito interessante, mas ninguém pode ter uma resposta certa porque há muita coisa implicada. Quando há uma crise, vamos considerar estes dois anos uma crise, obviamente que há os beneficiados e há os prejudicados.

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Os doentes que tinham situações de alergias ocupacionais espoletadas pelo local de trabalho beneficiaram porque ficaram em teletrabalho em casa. Os que trabalhavam em open spaces que têm asma ou rinite e apanhavam gripe e outras infeções respiratórias no inverno, esses também melhoraram porque ou estavam em teletrabalho ou estavam mais afastados nos locais de trabalho e com a máscara. Isso viu-se porque tivemos quase um ano e tal em que os serviços de urgência estavam vazios de doentes com outras doenças respiratórias. Não tínhamos crianças internadas [por exacerbações de doença alérgica] porque ou tinham Covid-19 e iam à urgência ou parecia que não havia mais doença nenhuma.

No inverno 2020 nem houve gripe e com isso poupamos muitas agudizações de doenças respiratórias, em particular da asma, porque um dos triggers [desencadeadores] das exacerbações é o vírus da gripe. E este ano também parecia que não ia haver nada de especial, mas, entretanto, veio a gripe A e estragou tudo.

Os doentes polínicos que tinham de andar no exterior de máscara, de facto, muitos beneficiaram da utilização da máscara, embora alguns não se adaptassem, por terem trabalhos que exigiam mais esforços, por exemplo. Mas há um grande reverso da medalha que nem está relacionado com o vírus propriamente dito. Os sistemas de saúde estiveram a meio gás, empenhados em tratar os doentes Covid-19 e houve muitos diagnósticos que não se fizeram nestes últimos anos.

Nos últimos anos tem havido uma evolução muito grande do conhecimento do sistema imunitário e dos mecanismos fisiopatológicos das doenças não só desta área da imunoalergologia como também, por exemplo, na oncologia.

Notou uma dificuldade de acesso aos serviços de saúde para diagnosticar e monitorizar as doenças respiratórias alérgicas?

Exatamente e acredito que muitos doentes com crises não foram aos serviços de urgência com medo do novo coronavírus. Aqui no serviço começamos logo no início da pandemia a fazer teleconsulta, enviávamos as receitas, mas começámos as consultas presenciais pouco tempo depois. Estivemos pouco tempo fechados.

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O que este isolamento – quer em termos psicológicos, quer no sistema imunitário, sobretudo o das crianças que não foi exercitado – poderá trazer no futuro é uma boa questão. Há situações que não são fáceis de perceber em pouco tempo e alguns estudos que têm saído ainda são pequenos, trazem algum viés, e acho que ainda vamos esperar bastante tempo para saber quais as consequências.

Hoje os constrangimentos causados pela pandemia no acesso ao Serviço Nacional de Saúde já são menores, as consultas já são presenciais e já não há cancelamento da atividade assistencial. O que é necessário fazer para retomar a atividade que foi interrompida, para estes doentes recuperarem as idas regulares ida ao médico?

É algo complexo. A primeira coisa que apetece dizer é reforçar equipas, acabar com o milhão de pessoas sem médico de família e nos outros locais reforçar equipas para que as pessoas sejam atendidas a tempo e horas, serem identificadas e medicadas.

O primeiro passo é identificar o problema, ser diagnosticado, ir ao médico para caracterizar a doença, porque só com esta bem caracterizada é que se pode avançar para o tratamento. O segundo conselho é fazer a medicação, isso é fundamental.

Era também preciso haver uma rede nacional de espirometria, as chamadas de provas de função respiratória. Nos hospitais ainda vamos tendo facilidade de pedir espirometrias, mas os médicos de família têm muita dificuldade em pedir espirometrias e no caso da asma é um exame absolutamente essencial para ajudar no diagnóstico, para o seguimento, para caracterizar bem a gravidade da asma e o doente devia fazer uma por ano.

Os serviços hospitalares precisam de reforço de pessoal, mas também de espaço e equipamentos. Por vezes não fazemos mais porque nos falta equipamento ou instalações, como gabinetes de consulta por exemplo.

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Voltando à componente mais clínica, dos tratamentos, em termos de futuro qual é a sua perceção do que é que pode estar para chegar e melhorar a forma como estes doentes são tratados?

Nos últimos anos tem havido uma evolução muito grande do conhecimento do sistema imunitário e dos mecanismos fisiopatológicos das doenças não só desta área da imunoalergologia como também, por exemplo, na oncologia.

Cada vez mais a ideia será em vez de fazer um tratamento de largo espectro, em que atuamos em vários eixos – os corticoides, por exemplo, atuam em várias células, ou um antibiótico cobre uma série de microrganismos – primeiro conhecermos os vários recetores e depois conseguirmos fazer uma medicina de precisão. Sabendo que o problema está ali poderemos utilizar um fármaco que se liga apenas ao recetor daquelas células e, provavelmente, podemos resolver o problema de uma forma mais dirigida e com menos efeitos laterais. O problema é que são fármacos, por norma, muito mais caros e torna inviável que se usem em grande escala.

Esta medicina personalizada já está a ser aplicada em doentes mais graves e está para chegar outra panóplia destas terapêuticas, porque quando se começa a conhecer o sistema imunológico e a utilizar estes fármacos começa-se a conhecer cada vez melhor os mecanismos implicados em cada doença.

É muito importante que cumpra a medicação, não só a pensar no dia de hoje, mas a pensar no futuro. Além disso, uma rinite deixada ao abandono sem tratamento tem um risco de progressão para asma, o que acontece mais frequente nas rinites alérgicas a ácaros de que nas rinites alérgicas a poléns.

Já vimos que as doenças alérgicas são muito prevalentes, com grandes implicações na qualidade de vida. Que conselhos pode dar para quem sofre destas patologias ter a melhor vida possível? 

O primeiro passo é identificar o problema, ser diagnosticado, ir ao médico para caracterizar a doença, porque só com esta bem caracterizada é que se pode avançar para o tratamento. O segundo conselho é fazer a medicação, isso é fundamental.

Às vezes temos os adolescentes, que é uma população difícil por natureza, que dizem “eu hoje estou bem, portanto não preciso fazer o inalador”, depois faço-lhes as provas respiratórias e já têm um conjunto de alterações. É preciso explicar que temos de fazer o tratamento com uma perspetiva de futuro. Alguém com 15 anos hoje, muitas vezes com alterações nas provas de esforço, diz que se sente bem e não quer fazer a medicação. Mas daqui a 20 anos, 30 anos já se perdeu uma oportunidade de tratamento.

Tendo em conta que as doenças alérgicas são doenças inflamatórias – a asma a nível brônquico, a rinite a nível nasal – se essa inflamação não for tratada vão ocorrer alterações da própria mucosa e do epitélio brônquico e o músculo liso brônquico vai atrofiar, aumentar de volume, o que faz com que o próprio calibre do brônquio encolha. Chamamos-lhe o remodeling da via aérea e se deixarmos as coisas andar o brônquio vai ficando mais estreito, a prova respiratória vai ficando cada vez pior e vamos ter uma obstrução fixa. Mesmo que depois possamos introduzir medicação, as vias aéreas não voltarão mais ao normal.

Por isso é muito importante que cumpra a medicação, não só a pensar no dia de hoje, mas a pensar no futuro. Além disso, uma rinite deixada ao abandono sem tratamento tem um risco de progressão para asma, o que acontece mais frequente nas rinites alérgicas a ácaros de que nas rinites alérgicas a poléns.

 

 

 

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6 Jun 2022 - 09:00

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