Epilepsia: O que fazer perante uma crise epilética?
Pensar em epilepsia é pensar numa crise epiléptica: um paciente deitado no chão, inconsciente, com violentos tremores e a espumar. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), perto de 50 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de epilepsia, uma perturbação neurológica é caracterizada por “uma predisposição duradoura para gerar crises epiléticas”. Mas o que fazer (e o que não fazer) perante uma destas crises?
Epilepsia: O que são crises epiléticas?
As crises epiléticas “apresentam várias formas”, começa por explicar Rafael Dias, neurologista e médico nas Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (VMER), em declarações ao Viral.
Estas crises ocorrem devido a uma hiperatividade elétrica das redes neuronais que, dependendo da zona cerebral atingida, pode ter diferentes sintomas.
Se houver alterações num hemisfério, o paciente poderá ter movimentos involuntários localizados – por exemplo, movimentos mastigatórios ou numa mão.
Se a hiperexcitabilidade ocorrer em ambos os hemisférios, ocorre uma crise convulsiva. Nestes casos, o paciente tem uma perda de consciência súbita e ocorrem movimentos involuntários do corpo – como tremores e abalos – durante alguns minutos.
Durante a crise convulsiva, o paciente poderá ter alguma dificuldade em respirar, o que faz com que os lábios assumam um tom arroxeado.
Em alguns casos, é possível ocorrer incontinência urinária devido ao relaxamento do esfíncter. No final do episódio, é comum que a vítima fique sonolenta ou desorientada, explica o INEM.
Catarina Cruto, neurologista e neurofisiologista no hospital Pedro Hispano, adianta que alguns pacientes podem ter “algum aviso” prévio sobre a ocorrência de uma crise convulsiva, o que permite à pessoa “proteger-se”. No entanto, na maioria dos casos, estas crises são “súbitas”.
“O paciente fica hirto e contraído, pode dar um grito devido à passagem de ar pelas cordas vocais apertadas. Têm os olhos arregalados, se estiverem em pé vão cair e tem abalos e tremores amplos”, esclarece
Ver uma pessoa a ter uma crise convulsiva pode ser assustador, mas, como diz Rafael Dias, o primeiro passo para ajudar é “não entrar em pânico”.
“As pessoas que estão perto vão ser fundamentais para ajudar e, se estiverem em pânico, não vão conseguir prestar a ajuda necessária”, sustenta.
Os especialistas consultados pelo Viral esclarecem as atitudes a tomar perante uma situação destas.
1 – Proteja a pessoa durante a crise convulsiva
Se estiver perto da pessoa quando a crise convulsiva começar, tente aparar a queda. Estas crises são incompatíveis com a consciência, pelo que o paciente, se estiver em pé, irá desmaiar e cair no chão, podendo magoar-se.
Rafael Dias destaca a importância de “proteger a pessoa que está a ter a crise” e “amparar a pessoa de forma a que não caia e bata com a cabeça”.
Contudo, o aparar da queda nem sempre é possível dada a imprevisibilidade destas situações. Se encontrar o paciente já no chão, procure “colocar algo por baixo da cabeça” – por exemplo uma toalha, uma almofada, um casaco dobrado ou uma camisola – para evitar lesões associadas aos movimentos involuntários.
A queda poderá causar traumatismos e é importante perceber se a pessoa ficou com alguma ferida aberta, principalmente ao nível da cabeça. Se houver risco de traumatismo craniano, o paciente deve ser encaminhado para o hospital, aconselha Catarina Cruto.
Durante a crise convulsiva, deve afastar quaisquer objetos que possam causar lesões ao paciente, tais como vidros, fontes de calor ou objetos afiados.
“Deve desapertar-se o que estiver no pescoço, como colares, colarinhos ou gravatas”, acrescenta Rafael Dias.
Permaneça junto à pessoa até que esta recupere a consciência e volte a respirar normalmente. É importante apontar o tempo que a crise demorou a passar – normalmente dura entre dois e três minutos, mas, em situações raras, poderá demorar mais tempo.
Se a crise convulsiva acontecer numa piscina ou no mar, deve retirar a pessoa imediatamente da água. Rafael Dias lembra que “os ambientes aquáticos são um dos maiores perigos para os doentes com epilepsia”, uma vez que, ao ocorrer uma crise, há um elevado risco de afogamento. Nesse caso, deverá sempre chamar o 112.
2 – Não coloque nada na boca da pessoa
É comum ouvir-se dizer que, durante a crise convulsiva, se deve colocar um objeto na boca do doente – como, por exemplo, uma colher – para evitar que este engula a própria língua. Os dois especialistas garantem ao Viral que este se trata de um mito e que não existe o risco real de engolir a língua.
“Há um mito de que as pessoas vão enrolar e engolir a língua. Isso é impossível”, afirma Catarina Cruto, sublinhando que colocar um objeto na boca pode ser perigoso para a pessoa, uma vez que pode “atrapalhar ainda mais a respiração”.
Também Rafael Dias lembra que “o objeto pode partir-se e torna-se um perigo” para o doente.
Mesmo que veja sangue nos lábios durante a crise convulsiva, nunca deve colocar objetos na boca do paciente ou dar-lhe água para beber. Devido à forte contração da mandíbula, o paciente poderá morder a língua e causar sangramento, mas tal não representa risco de vida para o doente, aponta a neurologista.
O INEM e a Liga Portuguesa Contra a Epilepsia também destacam que não se deve colocar “qualquer objeto na boca” do paciente ou tentar “puxar a língua”. Afirmam também que “a teoria de que as pessoas podem ‘enrolar a língua’ e asfixiar não tem fundamento”.
O Centro norte-americano para o Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa) aconselha ainda a não fazer respiração boca a boca ao paciente. “Até acabarem os movimentos, o doente não vai respirar, está em apneia”, explica Catarina Cruto, sublinhando que, no final da crise, deverá recuperar a respiração.
3- Coloque o paciente em posição lateral e não restrinja os movimentos
Os movimentos involuntários do corpo são uma característica da crise convulsiva. Depois de perder a consciência, o paciente poderá manifestar tremores sucessivos – em alguns casos, agressivos – que se assemelham a um estrebuchar. Não tente conter os movimentos nem prender o paciente.
“Coloque o doente em posição lateral de segurança e deixe a crise passar”, aconselha Catarina Cruto. A neurologista explica que posicionar o paciente de lado irá “desobstruir as vias aéreas”, colocando “a língua de lado”, o que permite ao paciente respirar melhor.
As organizações de saúde nacionais e internacionais aconselham a colocar o paciente em posição lateral de segurança após terminarem os tremores.
Catarina Cruto explica que essa indicação pretende evitar “ser agressivo” com o paciente ou conter-lhe movimentos. No entanto, a neurologista sublinha que atuar logo permite “ganhar tempo” e é uma forma de se “antecipar ao fim da crise”.
Em alguns casos, os pacientes podem espumar da boca durante a crise ou vomitar no final. Ao colocar a pessoa em posição lateral de segurança, irá impedir que a “saliva, o sangue [causado por potenciais mordidas da língua] ou o vómito seja aspirado e vá para os pulmões”, evitando uma situação de sufoco.
No final da crise, tente ajudar a pessoa a orientar-se, explicando-lhe calmamente e de forma simples o que se passou. Se a crise tiver acontecido na rua, garanta que a pessoa chega a casa em segurança.
Quando chamar o 112?
Os pacientes já diagnosticados com epilepsia terão, provavelmente, um plano de ação indicado pelo neurologista para agir em caso de crise convulsiva. Por essa razão, nem sempre será necessária uma intervenção médica.
No entanto, há situações que requerem a intervenção dos serviços de emergência. Se for a primeira crise convulsiva que a pessoa tenha, deve contactar o INEM. Será importante que o paciente seja observado por um médico para perceber por que razão acontece a crise convulsiva.
Se ocorrer dentro de água, deve sempre ligar para o 112. O risco de afogamento é muito grande e, por isso, é importante que o paciente seja visto por um médico.
Outra situação em que deve chamar uma ambulância é se identificar lesões na cabeça, resultantes da queda. “Se o doente tiver batido com a cabeça, se houver suspeita de lesão traumática, deve ser chamado o 112 e o doente tem de ir para o hospital”, afirma Catarina Cruto.
Se a convulsão durar mais de cinco minutos, se o paciente demorar muito tempo a acordar após a crise, se não recuperar a respiração ou não tiver pulso (poderá ver na veia do pescoço), deve manter o paciente em posição lateral de segurança e chamar os serviços de emergência médica o mais rapidamente possível.
Resumindo, deve chamar o 112, se:
- For a primeira crise convulsiva conhecida da pessoa;
- Houver suspeita de lesão traumática devido à queda;
- A crise durar mais de cinco minutos;
- O paciente tiver crises convulsivas sucessivas;
- O doente demorar muito a recuperar a vigília ou ficar em estado comatoso e respirar de forma ruidosa;
- A crise convulsiva ocorrer na água;
- O paciente tiver também diabetes, doença cardíaca ou estiver grávida.
Em caso de dúvidas sobre o procedimento a seguir perante uma crise convulsiva, poderá também ligar para o 112.
Categorias: