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Da negação à aceitação. Como lidar com a dor de um divórcio

28 Mar 2024 - 10:03

Da negação à aceitação. Como lidar com a dor de um divórcio

O fim de um relacionamento amoroso ou de um casamento é, independentemente do motivo que leva à separação ou ao divórcio, um momento doloroso para a maioria das pessoas. Os sonhos que ficaram por cumprir, o sentimento de culpa e de tristeza pelo fim de um projeto de vida e o medo e a incerteza em relação ao futuro compõem um caldeirão de dor com o qual, sem as ferramentas certas, pode ser difícil lidar.

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A pensar nisso, duas psicólogas e especialistas em terapia de casal e familiar explicam ao Viral quais os possíveis impactos de um divórcio na saúde mental e partilham algumas recomendações sobre como lidar com uma separação.

Quais os impactos de um divórcio ou de uma separação na saúde mental?

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Os desafios e os impactos de um divórcio na saúde mental variam de pessoa para pessoa, dependendo de vários fatores, tais como “o género, a situação económica e profissional, a qualidade da rede de suporte, a inteligência emocional da pessoa e o seu estado de saúde mental antes da separação”. Quem o diz é Ana Mafalda Ferreira, psicóloga, terapeuta de casal e familiar e codiretora clínica da Academia Transformar.

Ainda assim, admite a psicóloga, um dos primeiros desafios que, frequentemente, surgem em consulta é o “estigma associado à mudança de estatuto” de “casado” para “divorciado” e “o impacto que isto poderá ter no sistema de valores da pessoa e na forma como ela se vê a si mesma”.

Na visão da terapeuta, “lidar emocionalmente com a rutura” é também uma componente desafiante do processo, sobretudo quando “existem conflitos entre o casal” que contribuíram para o fim da relação.

As questões mais práticas – como a mudança de casa e da rotina e a gestão das relações com os amigos em comum – fazem-se, muitas vezes, acompanhar de “uma tristeza associada à mudança de realidade”, aponta.

Ana Mafalda Ferreira lembra que “o medo, a culpa e a vergonha” são também sentimentos comuns nesta altura e com os quais pode ser difícil conviver, seja porque a situação é nova para a pessoa, seja pela “intensidade com que a rutura se deu”.

Neste contexto, pode haver uma maior tendência para o “isolamento da família ou dos amigos”, para ter mais “dificuldade em gerir emoções mais intensas” ou para “mascarar sentimentos e emoções difíceis com o uso indevido de substâncias, práticas que não facilitam a mudança, e que podem, inclusive, agravar a situação”.

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Todas estas questões podem ter impacto também “no funcionamento da pessoa no trabalho e noutras dimensões da vida”, tais como “a alimentação, o sono e o exercício físico, que, segundo a psicóloga, são três pilares fundamentais “para se manter uma maior estabilidade durante uma fase de crise ou de mudança”.

“Nestas situações em que a gestão emocional está a ser mais difícil, a alimentação, o sono e o exercício físico são dos pilares que, normalmente, sofrem mais. O que, em efeito quase cíclico, também vai agudizando a dificuldade na gestão emocional”, sublinha.

Noutro plano, Luana Cunha Ferreira, psicóloga, terapeuta de casal e familiar e investigadora, adianta que um divórcio (ou uma separação) “é visto e, frequentemente, sentido como um trauma”, sendo um momento em que “vários fatores de stress ficam com um nível elevado”, com impacto a vários níveis, nomeadamente emocional.

Apesar de adiantar que o divórcio “tende a ter efeitos muito pesados a nível da saúde mental, particularmente com perturbações no âmbito da depressão e da ansiedade”, a psicóloga sublinha que o trauma não corresponde apenas ao momento da rutura e inclui “todo o processo relacional que, depois, resulta na separação de facto”.

“Nós, em terapia de casal, sabemos, por exemplo, que os casais demoram, em média, sete anos a pedir ajuda. Mas, se extrapolarmos, sabemos que, quando o divórcio acontece, as pessoas já estão mal e já estão a sentir-se mal há muito tempo”, sustenta.

Aliás, refere a investigadora, “o que os dados nos mostram é que, nos anos anteriores ao divórcio, os indicadores de saúde mental começam efetivamente a baixar”. Isto é, prossegue, “os índices de depressão tendem a aumentar até ao momento do divórcio e depois tendem a baixar”.

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Nesse prisma, indica Luana Cunha Ferreira, a “baixa satisfação relacional, por si só, tem efeitos negativos concretos e mensuráveis na saúde mental e na saúde física”.

Por exemplo, acrescenta, “a nível emocional, alguém que vive quotidianamente insatisfeito na sua relação acaba por interiorizar mensagens muito negativas acerca de si próprio”.

Num cenário em que as nossas necessidades emocionais não estão a ser atendidas, “facilmente internalizamos, durante muito tempo, sentimentos de desamparo, de abandono, de desamor, de não nos sentirmos suficientes, e isto acaba por ter um impacto quase identitário e no sentimento de estabilidade de que as pessoas precisam”, explana.

É também por isso que, defende a terapeuta de casal, um divórcio pode ser também uma resolução: “No pós-divórcio, há um processo de ajustamento que – sendo, muitas vezes, traumático e podendo aumentar os sintomas a nível de saúde mental e de saúde física – pode também vir acompanhado de reequilíbrio, de esperança e de alívio”.

E quando a decisão é unilateral ou abrupta?

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Embora o fim de um relacionamento seja quase sempre doloroso, independentemente das razões que levaram à rutura, há contextos em que lidar com as emoções e aceitar a separação é particularmente desafiante.

Exemplo disso é quando a decisão de terminar a relação parte só de um lado e/ou acontece de forma abrupta e inesperada

Nesses casos, explica Luana Cunha Ferreira, ao ver-se confrontada com a decisão do outro de se separar, a pessoa que não queria o fim do relacionamento pode ter uma sensação de “grande desamparo e de abandono e quase de mudança de paradigma”.

“As pessoas sentem que, naquele momento, algo morreu. Descrevem-no como um grande choque. No fundo, o quadro de referência de vida que a pessoa estava a viver altera-se completamente e, não tendo sido elas a decidir, há uma grande sensação de perda de controlo, e isso é muito aflitivo”, detalha.

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Sentir culpa e pensar no que podia ter sido feito de forma diferente é também comum nestas situações. Na perspetiva da psicóloga, “na sociedade em que vivemos – uma sociedade tendencialmente patriarcal e que valoriza muito o casamento e o casamento ancorado no amor romântico -, há aqui um sentimento de falhanço pessoal”.

Apesar de as duas psicólogas consultadas pelo Viral considerarem que quem decide terminar a relação também sofre, Ana Mafalda Ferreira considera que o sofrimento de quem anuncia que se quer separar “não é comparável” ao de quem recebe a notícia.

A terapeuta de casal salienta que “a pessoa que não concordou com a rutura ou que estava preparada para lutar mais pela relação pode ter um processo mais tardio”, porque não teve tempo para se preparar para a mudança, enquanto a pessoa que decide terminar “já está preparada, já está a planear, já está a agir”.

“Os tempos e os timings são diferentes. Logo, o impacto emocional será outro. Por exemplo, uma pessoa que ainda estava preparada para lutar pela relação ainda vai precisar de algum tempo para acomodar aquilo que está fora do seu controlo e que também tem o impacto emocional em termos de tristeza e de medo”, clarifica.

Nesse sentido, acrescenta a terapeuta, “o significado de cada um para o término da relação será diferente e, por isso, não é comparável”.

Como lidar com um divórcio ou separação?

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Um divórcio ou uma separação são descritos, muitas vezes, como um luto. E lidar com essa perda implica, na visão das duas psicólogas consultadas pelo Viral, passar pelas várias fases deste processo: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação.

No entanto, vinca Luana Cunha Ferreira, “tal como num processo de luto, estas fases não são estanques”, e podem ser vividas num movimento de “para-arranca”.

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“É muito comum, em situações de separação ou de divórcio, as pessoas acharem que estão a afastar-se do trauma de uma forma mais linear e até parecer já estar tudo a correr bem e, de repente, haver qualquer coisa que faz um gatilho sobre a perda, sobre o luto e voltar-se atrás”, revela.

Ou seja, “estar melhor dois meses depois [do divórcio], não quer dizer que três meses depois esteja ainda melhor”.

Ainda assim, há alguns comportamentos e estratégias que podem ajudar a lidar com um divórcio ou com uma separação de forma mais construtiva e saudável.

1 – Investir na segurança financeira e económica

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Para Luana Cunha Ferreira, “um investimento muito sério no equilíbrio financeiro e na segurança económica” é o primeiro aspeto a ter em conta, porque, “sem segurança, pão e habitação, os humanos não funcionam muito bem”.

A investigadora lembra que “o divórcio tende a ter um impacto a nível económico e de estabilidade financeira mais chato para as mulheres do que para os homens”. No entanto, sublinha, em termos de saúde mental, em alguns casos, “tende a ter um efeito mais positivo para as mulheres”.

Isto pode estar relacionado com o facto de, com o fim da relação, poder haver um alívio do “trabalho doméstico e relacional não remunerado”, que, ainda hoje, recai, sobretudo, sobre as mulheres.

“Com o divórcio, elas ficam mais inseguras financeiramente, mas podem ficar mais aliviadas em termos logísticos e funcionais. Isso pode explicar algumas variações que vemos nos estudos de uma recuperação mais rápida nas mulheres, precisamente pelo alívio e pela liberdade que ganham a esse nível”, considera.

2 – Procurar o apoio da família e dos amigos

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Ter uma boa rede de apoio é visto pelas duas especialistas como fundamental para lidar com uma separação. Por isso, recomenda Ana Mafalda Ferreira, deve-se procurar o “contacto com os amigos e com a família”. Até porque, reitera, “o isolamento social e familiar pode também agudizar algum sistema de tristeza que necessite de ser cuidado e de ter suporte”.

Luana Cunha Ferreira salienta que, no contexto de uma separação, ter uma boa rede de suporte é particularmente relevante dado que, “como vivemos num modelo de sociedade muito focado na família nuclear, quando há uma separação, o único apoio que as pessoas têm desaparece, porque não estamos propriamente treinados para nos rodearmos de uma comunidade de afetos, mas sim para focarmos todo o afeto numa pessoa”.

Assim sendo, continua, “quando essa pessoa desaparece, pode ser extraordinariamente difícil continuar a viver de forma integrada, se não nos aproximarmos das outras pessoas que também fazem parte dessa comunidade”.

3 – Comer e dormir bem e praticar exercício físico

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O exercício físico, a alimentação e o sono são descritos por Luana Cunha Ferreira como “a tríade dourada que, muitas vezes, nos ajuda a manter algum nível de estabilidade ao longo de fases difíceis”.

No mesmo sentido, Ana Mafalda Ferreira aponta que “manter uma alimentação regrada e diversificada, fazer exercício físico e ter atenção à qualidade do sono pode-nos alicerçar esta gestão emocional”.

4 – Aceitar as emoções e, se for preciso, procurar ajuda especializada

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Tentar esconder ou ignorar as emoções negativas para tentar fugir à dor da separação pode ser uma atitude tentadora, mas que, na perspetiva de Ana Mafalda Ferreira, é contraproducente.

Para a psicóloga é fundamental “desacelerar” e “acolher a utilidade de cada emoção”, estando atento “aos picos de intensidade de stress, de tristeza que afetam o nosso funcionamento” e “procurar dar um significado útil do que se passou para a vida da pessoa”, e, caso seja necessário, procurar ajuda especializada nesse campo.

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5 – Evitar excessos e consumos abusivos

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Evitar mascarar a tristeza e a dor com comportamentos de risco e consumos abusivos ou excessivos é outra das estratégias apontadas pelas duas psicólogas. 

Luana Cunha Ferreira refere que devemos estar atentos a “qualquer consumo que nós estejamos a sentir como excessivo e que sintamos que está a ser utilizado como automedicação para o sofrimento”.

Estes consumos excessivos podem ir desde o consumo de substâncias lícitas e ilícitas (como o álcool e as drogas) à prática excessiva de exercício físico, passando pelo “controlo demasiado restritivo da alimentação” ou até pelo envolvimento em “relacionamentos pontuais muito sucessivos, em que estamos também a ‘consumir’ pessoas para apagar o sofrimento”.

6 – Explorar interesses antigos e redescobrir-se

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Apesar do sofrimento, uma separação pode ser também uma oportunidade para explorar caminhos que, durante a relação, foram negligenciados.

Para Luana Ferreira, esta pode ser uma boa fase para “investir na descoberta ou na redescoberta de partes de nós que, se calhar, ficaram mais apagadas durante a relação e que, agora, podem respirar de uma outra forma”.

“No fundo, é tentar encontrar – seja na vida relacional, no trabalho, na vida espiritual ou nos processos criativos – uma sensação de possibilidade e de potencial”, conclui.

7 – Não usar os filhos com arma de arremesso

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Quando o casal tem filhos, há uma dimensão adicional a ter em consideração no processo de lidar com a dor do divórcio. Nestas situações, frisa Ana Mafalda Ferreira, é crucial “manter um espaço de interação saudável entre os dois e manter uma coparentalidade saudável”.

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Para tal, é preciso comunicar com o ex-parceiro “de forma respeitosa” e “evitar usar os filhos como armas de arremesso”. Ou seja, criar um “lugar em que os filhos tenham confiança de que, apesar de tudo, os pais vão estar atentos a eles e vão continuar a responder às necessidades deles”.

Por fim, alerta Luana Cunha Ferreira, deve-se evitar “a substituição ou a troca” do ex-parceiro por outra pessoa.

Ou seja, devemos contrariar a tendência “para tentar preencher, com outras pessoas, o enorme vazio que vem após uma separação” e que nos pode levar a “entrar em relações muito fusionais e muito dependentes” ou até a “virarmo-nos para os filhos e fazermos deles um tipo de canal de afetividade que, se calhar, os vai sobrecarregar em termos afetivos”.

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Quanto tempo devemos esperar até entrar numa nova relação?

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Tanto Luana Cunha Ferreira quanto Ana Mafalda Ferreira consideram que não há um tempo certo a esperar antes de iniciar uma nova relação. Tudo depende de caso para caso.

“Tal como não há tempo para um processo de luto, também não há um tempo específico que seja melhor para iniciar uma nova relação após uma separação”, defende Ana Mafalda Ferreira. 

Contudo, aponta a terapeuta, é mais prudente avançar nesse sentido quando a “fase de aceitação já é mais constante no dia a dia da pessoa”.

Pela mesma ótica, Luana Cunha Ferreira defende que, apesar de não haver um “tempo médio de espera” ideal entre o fim de uma relação e o início de outra, devemos “estar atentos se as emoções que estamos a viver são nossas, que autoria temos sobre elas e também o que estamos a arranjar para responder às nossas necessidades”.

No fundo, devemos questionar-nos “se estamos com uma pessoa nova porque gostamos mesmo daquela pessoa ou porque ela está a servir como um paliativo para o nosso sofrimento”, remata.

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28 Mar 2024 - 10:03

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