O bebé dorme mal? Quais os riscos e o que fazer
O sono dos bebés é dos temas que mais preocupa os pais e que mais compromete o descanso das famílias. Perceba as consequências da privação do sono para o desenvolvimento dos mais novos e conheça as dicas da especialista Andreia Neves para uma noite descansada.
Ouvir os pais a queixarem-se de noites mal dormidas nos primeiros meses de vida dos filhos é comum. São muitos os relatos sobre o cansaço, a irritabilidade, as dificuldades de atenção e a ansiedade que sentem só de pensar na hora de dormir. Ou melhor, na noite que vão passar sem dormir.
Só que estes não são sintomas apenas sentidos pelos pais. Também os bebés demonstram que estão em privação de sono, só não o fazem por palavras, por razões óbvias.
Andreia Neves, cardiopneumologista investigadora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e autora do livro “O Sono do Meu Bebé”, explica ao Viral como, quando e por quanto tempo deve dormir um bebé até aos 24 meses e deixa dicas para que o sono passe a ser um momento menos problemático na família.
Afinal, quanto tempo deve um bebé dormir?
Para a especialista, a resposta a esta pergunta não se deve centrar apenas no número de horas: “Atualmente, sabemos que o sono saudável de um bebé deve ter a duração adequada, mas também uma distribuição correta ao longo do dia e uma regularidade”.
Segundo as mais recentes recomendações publicadas pela American Academy of Sleep Medicine, “no primeiro ano de vida, os bebés devem dormir entre 12 horas e 16 horas no período compreendido das 24 horas do dia, sestas incluídas, e, dos 12 meses até aos 24 meses, os bebés devem dormir entre 11 horas e 14 horas por dia”, cita a especialista.
Contudo, Andreia Neves explica ser importante perceber que, “se um bebé fizer 12 horas de sono noturnas no primeiro ano de vida mas não fizer nenhuma sesta durante o dia, isso significa que não tem um sono de qualidade. As horas devem ser corretamente distribuídas ao longo do dia”.
Para quem insiste em argumentar que tem um bebé que não gosta de dormir ou que nem todas as crianças têm as mesmas necessidades em termos de horas de sono, a investigadora alerta que essas premissas não são bem verdade.
É certo que alguns bebés podem dormir 12 horas ao longo do dia e estar sem nenhum sinal de privação de sono e que outros só dormindo as 16 horas ficam sem sinais de irritabilidade. No entanto, estes intervalos descritos na literatura científica e recomendados pelos especialistas “já contemplam as diferenças entre as necessidades de cada criança e foram determinados com base em milhares de estudos epidemiológicos”.
Por isso, alerta a especialista, “dormir menos que o limite inferior será sempre um sinal de alarme, e estaremos sempre perante uma criança em privação de sono, e dormir mais do que 14 horas também é mau sinal”.
O bebé não dorme? As consequências vão sentir-se no futuro
Os especialistas têm vindo a reforçar a importância do que acontece nos primeiros seis anos de vida no desenvolvimento futuro da criança, tal como reconhece a Unicef.
“É como se fosse a construção de uma casa e aquilo que acontece, sobretudo, nos primeiros três anos de vida tem um peso fundamental na saúde da fase adulta”, acrescenta a cardiopneumologista.
A ciência tem demonstrado que dormir bem na primeira infância tem um papel importante na saúde, não apenas física, como também intelectual, mas as consequências da privação do sono podem acontecer a curto prazo na vida da criança – com impacto no humor, na dificuldade de concentração nas tarefas – ou a longo prazo que, na perspetiva da investigadora, são as mais significativas.
“A privação de sono tem um impacto muito importante na forma como as conexões neuronais se desenvolvem e na forma como a criança perceciona o mundo. O sono é, muitas vezes, designado como o guardião da personalidade, precisamente porque é durante o sono que todas as experiências vividas pela criança durante o dia são integradas, processadas e vão formar a personalidade dela”, explica Andreia Neves.
Quando estamos perante uma criança que passa a infância inteira em privação de sono, “além das questões relacionadas com a memória, com a aprendizagem, com a capacidade de atenção, que ficam altamente comprometidas, também sabemos que dormir pouco e ou mal durante a primeira infância aumenta o risco de desenvolver obesidade, doenças cardiovasculares e doenças metabólicas na idade adulta”.
Aliás, já este ano foi publicado um estudo que acompanhou 10 mil crianças suecas cujas conclusões apontam que “a curta duração do sono pode aumentar o risco de sobrepeso e obesidade em crianças”.
Além disso, acrescenta a especialista, “sabemos também que estas crianças terão pior regulação emocional, pior desempenho académico e pior qualidade de vida”.
Uma dica para recém-nascidos: atenção às janelas de vigília
Quando se fala em truques e dicas para melhorar o sono dos recém-nascidos e dos bebés, Andreia Neves destaca, em primeiro lugar, o conceito de janelas de vigília.
“Os pais têm uma ideia, sobretudo nos recém-nascidos, de que, quando o bebé tem sono, dorme, e que, se está bem disposto, então, é porque não tem sono”, sustenta.
Contudo, avisa, “esta é uma ideia errada, porque existe o conceito das janelas de vigília, que, no que diz respeito ao recém-nascido, recomenda que este não deve estar mais de uma hora acordado”.
Mesmo “os que não demonstram sinais de sono, ao fim de uma hora devem ser colocados a dormir”, acrescenta.
Esse período vai aumentando durante o crescimento do bebé e, a partir do ano e meio, a janela de vigília (o tempo que o bebé pode estar acordado) já pode variar entre as quatro e as seis horas.
Neste ponto, Andreia Neves reforça que “o sono não é uma coisa completamente orgânica. A criança tem de ser direcionada para o sono, tem de aprender a dormir”, tal como tem de aprender a comer com talheres ou a sentar-se à mesa com a família.
“Há uma corrente que espalha a ideia de que tudo é natural na criança, que nós, adultos, não precisamos fazer nada, que não é preciso ensinar a dormir. Ora, a evidência científica diz exatamente o contrário. O sono é essencialmente comportamental, tem de se direcionar a criança e estruturar uma aprendizagem relativamente ao sono”, acrescenta.
Implementar uma rotina é a melhor estratégia
É certo que, nas primeiras semanas, a família ainda se está a ajustar ao novo elemento da casa, e também ele próprio está a habituar-se à vida fora do útero. Por isso, poderá ser difícil estabelecer uma rotina logo nos primeiros dias.
Contudo, começar desde cedo a tentar estabelecer “uma regularidade de horários e uma rotina” para dormir deve ser uma prioridade para os pais”.
Isto porque, “se esta questão da rotina não estiver estabelecida, a regularização do sono torna-se complicada de gerir e, ao quinto ou sexto mês, dificilmente o bebé terá horários regulares”.
Para ajudar, o conselho da cardiopneumologista passa por estabelecer rituais que acontecem sempre da mesma forma antes de colocar a criança a dormir.
“O que os pais devem fazer é ter uma sequência sempre igual, que acontece antes de dormir. Pode ser uma atividade, como ler a típica história, para que a criança entenda que chegou o momento de dormir”, aconselha.
O recomendado é colocar o bebé no berço quando este estiver sonolento, mas não ainda a dormir.
Quando os bebés começam a bocejar ou a esfregar os olhos significa que estão com sono e devem ser colocados no berço quando derem esses sinais.
É também fundamental não esquecer as orientações de segurança que ditam que se deve deitar sempre os bebés de costas para prevenir a síndrome da morte súbita do lactente.
Cuidado com as transições
Neste ponto, é só pensar um pouco na vida dos adultos e questionar: será que gostamos de interromper uma série ou um filme que estamos a adorar ver para ir dormir?
A resposta é, claramente, não. Os adultos tentam aguentar sempre até ao fim do episódio ou ao fim do filme e só depois vão para a cama. O mesmo sucede com os mais novos.
“É normal que, se está a brincar ou a fazer algo de que gosta, seja muito difícil para a criança parar o que está a fazer para ir dormir”, reconhece Andreia Neves.
A especialista sugere uma ordem para esta rotina: “Brincar primeiro, a seguir jantar – que já uma tarefa que, a partir de determinada altura, o bebé começa a fazer sentado – depois fazer a higiene e só então é que vai dormir”. Isto, claro, depois de lhe ser contada a história ou de ser feito ritual que os pais escolherem para assinalar a hora de ir para a cama.
Em suma, adverte, “não se deve retirar a criança de uma tarefa prazerosa para ela ir dormir” porque isso só vai trazer conflitualidade, aumentar o risco de birras, e fazer a criança associar o deitar a algo de que não gosta e que lhe traz desconforto.
Dormir a sesta com claridade e barulho? É melhor não
“Persiste o mito de que, durante o dia, a criança deve dormir a sesta com luz e com barulho para que perceba a diferença entre o dia e a noite, o que é completamente errado”, diz Andreia Neves.
Aliás, frisa, já foi publicado pela Secção de Pediatria Social da Sociedade Portuguesa de Pediatria um documento, subscrito pela Associação Portuguesa do Sono, com recomendações para as creches, em que se indica as condições adequadas para as sestas: “Leito/colchão, ambiente calmo, escuro, com temperatura adequada, limitação de ruído e com vigilância”.
Nas férias deve manter-se a rotina de sono? Sim, mas pode ser mais relaxada
Em altura de férias, as famílias estão mais descontraídas, algumas viajam, e os pais ficam muitas vezes com dúvidas sobre o que fazer relativamente aos hábitos de sono dos mais novos.
Andreia Neves assegura que não é fundamentalista e que apenas pretende que “o sono seja um motivo de preocupação, mas não de obsessão porque ninguém deve viver escravo” de uma rotina.
Até porque, frisa, “as exceções fazem parte da vida, são normais, e é importante não esquecer que as crianças estão inseridas numa família que tem momentos dinâmicos e memórias para construir”.
Sendo assim, faz sentido aliviar um pouco as rotinas do bebé, deixá-lo adormecer mais tarde, ou dormir sestas mais curtas, desde que exista “um meio termo entre quebrar a rotina e entrar no caos”, conclui a cardiopneumologista.
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