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Deixar de fumar: O que não funciona e quais as melhores estratégias

21 Jan 2023 - 08:55

Deixar de fumar: O que não funciona e quais as melhores estratégias

“Este ano vou deixar de fumar” é uma frase comum que serve de resolução de Ano Novo para quem ainda lida com o vício do cigarro. Para os fumadores, o ano de 2023 começou com um incentivo especial para cumprirem a promessa. A 1 de janeiro entrou em vigor uma portaria que define requisitos muito exigentes para novas salas de fumo em espaços fechados.

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Em declarações ao Viral, Lília Andrade, pneumologista do Centro Hospitalar do Baixo Vouga que integra a Comissão de Trabalho de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, explica os efeitos negativos do tabaco na saúde, aponta as melhores estratégias para deixar de fumar e indica alguns mitos e receitas caseiras cujos resultados não têm fundamentação científica.

Qual o impacto do tabaco na saúde?

A lista de argumentos e dados científicos que mostram os malefícios do tabaco é quase interminável. Aliás, em 2019, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, a propósito do relatório desse ano sobre o consumo global de tabaco, que, “se o tabaco fosse um vírus, teria sido, de imediato, declarado uma emergência de saúde pública. É isso que o tabaco é: uma emergência de saúde pública”.

As razões para declarar o consumo de tabaco uma verdadeira emergência de saúde pública prendem-se com as consequências do tabagismo na saúde do planeta e na saúde das pessoas. 

A pneumologista Lília Andrade lembra que “a nicotina que existe no tabaco é altamente aditiva e constitui um fator de risco major para as doenças cardiovasculares, respiratórias, para mais de 20 tipos de cancro e muitas outras patologias debilitantes”, tal como a OMS voltou a evidenciar no relatório mais recente, publicado em 2021, sobre o consumo global de tabaco.

Contudo, apesar das advertências sobre os malefícios do tabagismo, os dados mostram que ainda “existem 1,8 milhões de fumadores em Portugal Continental com 15 anos ou mais, dos quais 1,5 milhões (16.8%) fumam diariamente”, diz a pneumologista, acrescentando que “o tabaco continua a ser uma das principais causas evitáveis de doença e de morte prematura, sendo responsável por cerca de 1 em cada 10 mortes por ano em Portugal”. 

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Os números citados por Lília Andrade pertencem ao Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo em que também se encontram as estimativas elaboradas pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) que apontam para que 11,7% dos óbitos ocorridos em 2019 em Portugal tenham sido causados pelo tabaco, num total de 13.559 mortes.

Quais as melhores estratégias para deixar de fumar?

“A primeira é constatar [o tabaco] que é prejudicial à saúde e decidir abandonar esse hábito”, frisa a pneumologista, quando questionada sobre quais as melhores estratégias para deixar de fumar.

O primeiro passo parte sempre do fumador, informado e consciente de todos os malefícios associados ao consumo de tabaco, que toma a decisão de deixar o cigarro de uma vez por todas.

Depois, “a melhor forma de deixar de fumar é contar com a ajuda de um médico ou outro profissional de saúde que combine aconselhamento comportamental com medicação específica e faça um seguimento periódico durante, pelo menos, três a seis meses”, aconselha a pneumologista.

Neste processo, recomenda Lília Andrade, a pessoa deve começar por “tentar perceber e registar a que hábitos do dia-a-dia está associado o hábito de fumar e arranjar hábitos de substituição”. 

Para isso basta agarrar num papel e numa caneta e anotar os momentos em que, ao longo do dia, pega no cigarro: se é depois da refeição, durante a condução, na pausa do café ou sempre que vive um momento de stress. 

Afinal, sublinha a especialista, são “os hábitos automatizados que o levam a pensar repetidamente no tabaco, criando a ilusão de que não se pode passar sem ele” e que são responsáveis por o fumador voltar a pegar no cigarro quando já não o fazia há dias, meses ou mesmo anos. 

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Além disso, para cada um desses hábitos instituídos, deve definir-se outro para o substituir, por exemplo, mascar uma pastilha, beber um copo com água, ouvir determinada música, meditar ou fazer exercício físico.

Outro conselho é confiar na medicação utilizada especificamente para ajudar a largar o hábito do tabaco. “Usar fármacos que substituem os efeitos da nicotina evita os sintomas de abstinência e devolve à pessoa a confiança de que afinal é possível exercer a liberdade para escolher não fumar”, sublinha a pneumologista.

A nível físico, a abstinência da nicotina pode resultar em sintomas como “desejo compulsivo de fumar, irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração, frustração ou angústia, distúrbios do sono, aumento do apetite ou peso”.

A nicotina é ainda capaz de causar dependência psicológica que “resulta do confronto interno que o fumador sente em atrasar a inalação e resistir ao consumo de tabaco versus a necessidade que sente dele. A pessoa memoriza o impacto negativo que sentiu, sente minada a confiança na sua capacidade de deixar de fumar e acaba por ser mais fácil abandonar essa ideia, levando-o a concluir que deve ser algo difícil ou que não é para todos”, explica Lília Andrade.

No mesmo plano, acrescenta, a dependência comportamental da nicotina é a que está relacionada com a associação do hábito de fumar a momentos e hábitos da vida diária e à repetição dos mesmos.

Atendendo à dependência causada pela nicotina e aos sintomas da abstinência, o fumador deve “ter presente que deixar de fumar é um processo de aprendizagem que, tal como na aula de condução, passa por conquistas e falhas, mas, progressivamente, o leva a confiar que é possível a sua autonomia”, sublinha.

Mas a terapêutica de substituição de nicotina não é tão prejudicial como a nicotina do tabaco?

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Questionada sobre a terapêutica de substituição de nicotina (TSN), Lília Andrade esclarece que “a TSN prescrita no contexto de um programa de cessação tabágica nunca ultrapassa a dose habitual de nicotina do fumador e evita a síndrome de abstinência da nicotina, sendo capaz de devolver à pessoa a capacidade de exercer a sua vontade de deixar de fumar sem sentir as amarras da dependência”.

Segundo a especialista, estas terapêuticas só devem ser usadas “quando a pessoa está mentalizada e preparada para deixar de fumar e já previu as alterações necessárias nos hábitos da sua vida diária associados ao consumo de tabaco”.

Os substitutos de nicotina mais usados são as pastilhas – que fornecem nicotina para duas horas – e os selos transdérmicos, que fornecem nicotina para entre 16 e 24 horas, dependendo do produto escolhido.

Segundo um estudo publicado na revista Cochrane, a TSN “deve ser prescrita por um profissional de saúde com experiência nesta área, por um curto espaço de tempo e em doses progressivamente menores até parar”, citou a especialista.

É melhor ir diminuindo o número de cigarros ou parar subitamente?

Muitos fumadores pensam que diminuir progressivamente o número de cigarros consumidos por dia pode ser mais eficaz para deixar de fumar, pois, assim, não vão sentir de forma tão drástica os efeitos da abstinência. 

Contudo, a ideia da pneumologista é diferente: “Após estar motivado e preparado para o fazer, a melhor proposta é marcar um dia para parar e nesse dia começar a usar substitutos de nicotina, ou outros fármacos que estejam indicados, prescritos por um profissional e saúde com experiência na área”.

Ou seja, na perspetiva da especialista, o melhor é procurar uma consulta de cessação tabágica, seguir os conselhos descritos para substituir os hábitos associados ao consumo tabágico e apoiar-se nas terapêutica de substituição de nicotina.

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Mudar para cigarros eletrónicos ajuda a deixar de fumar?

Com o crescimento da utilização dos cigarros eletrónicos, muitos utilizadores pensam que estes produtos são mais saudáveis e podem ajudar no processo de cessação tabágica, por não emitirem fumo ou por terem sabores. 

No entanto, Lília Andrade discorda e é taxativa quanto a essa matéria: “Mudar para cigarros eletrónicos é uma ilusão porque continuamos a absorver nicotina e subprodutos da combustão ou aquecimento do tabaco que são também potencialmente cancerígenos e prejudiciais à saúde”.

A pneumologista lembra um artigo publicado em 2018 no European Respiratory Journal cujas conclusões referem que “os cigarros eletrónicos são tão tóxicos quanto os cigarros de tabaco e a exposição prolongada ao vapor de nicotina pode causar danos pulmonares significativos, não sendo uma alternativa segura ao fumo do tabaco”.

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Qual a eficácia de “receitas caseiras” na cessação tabágica?

Para qualquer condição ou doença, há sempre receitas que nascem da crença popular e se generalizam na internet prometendo sucesso em determinado tratamento, e a cessação tabágica não é exceção.

Em várias páginas refere-se que um bom remédio caseiro para deixar o hábito de fumar é beber sumo de agrião com cenoura, uma receita que ajuda a desintoxicar o corpo libertando-o das toxinas do cigarro.

Noutras aconselha-se colocar um pouco de bicarbonato de sódio na língua para equilibrar a acidez excessiva do organismo e assim diminuir a vontade de fumar ou a ingerir algumas plantas como Hypericum perforatum (mais conhecida como erva-de-São-João) e ginseng para diminuir a vontade de fumar.

No entanto, garante a especialista consultada pelo Viral, não existe evidência científica que prove estas alegações.

Em conclusão, as estratégias que já estão comprovadas cientificamente para deixar de fumar passam por uma combinação entre aconselhamento comportamental, medicação específica e empenho da pessoa que quer deixar de fumar.

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Pneumologia

21 Jan 2023 - 08:55

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