Mistura de vinagre e água oxigenada trata infeções fúngicas nas unhas?
Circula nas redes sociais e em blogues uma mezinha que promete tratar infeções fúngicas nas unhas, especialmente nas dos pés. A receita consiste em misturar vinagre e água oxigenada num recipiente e aplicar este preparado nas unhas com frequência. Mas é verdade que esta mistura elimina fungos instalados nas unhas?
Aplicar vinagre e água oxigenada nas unhas trata infeções fúngicas?
Em declarações ao Viral, Manuel Portela, coordenador da licenciatura em Podologia da Escola Superior de Saúde do Vale do Ave, da CESPU, adianta que “não existe evidência científica, nem clínica” que comprove que aplicar vinagre e água oxigenada nas unhas trate infeções fúngicas.
“Os fungos e as esporas do fungo são muitíssimo resistentes e não é com ácido acético [vinagre], nem com água oxigenada que os conseguimos tratar”, acrescenta o especialista.
O professor da CESPU adianta que, de facto, “o vinagre tem ácido cético em grande parte da sua composição” e, este ácido, “funciona como um excelente desinfetante” e que “a água oxigenada também é considerada um desinfetante, ou uma solução antisséptica”.
As características destes dois produtos podem fazer com que funcionem “como profilaxia (prevenção) e evitar a infeção”. Ainda assim, sublinha o especialista, “não os podemos considerar como antifúngicos”.
Noutro plano, Manuel Portela esclarece que “estamos em contacto com fungos e bactérias diariamente, por exemplo, nas piscinas, quando vamos a um balneário, quando vamos à praia”.
Contudo, frisa, “termos um fungo em contacto com a pele não significa que tenhamos uma infeção fúngica”. Isto porque os fungos necessitam de condições específicas para se instalarem e desenvolverem.
Assim sendo, este tipo de solução caseira pode até contribuir para “eliminar a existência de fungos, de bactérias, de vírus ou de outro tipo de microrganismos”, mas não trata um fungo instalado e desenvolvido.
Manuel Portela considera importante referir que “os fungos, nomeadamente nos pés ou nas unhas são, na maior parte das vezes, provocados por dermatófitos (fungos muito resistentes)”.
Segundo o podologista, já é difícil tratar os fungos, “mesmo com antifúngicos de última geração, mais desenvolvidos do ponto de vista farmacológico”. Por isso, “se fosse assim tão fácil, não havia a necessidade de se desenvolver mais antifúngicos, mais terapias ou novas metodologias no combate à infeção provocada por fungos”, sustenta.
Como se desenvolvem as infeções fúngicas nas unhas?
A exposição recorrente a fungos é comum e não provoca, por si só, um problema para a saúde. Portanto, “se a pele estiver intacta, mesmo que haja contacto com o fungo, ela tem uma capacidade de defesa contra esse tipo de infeções”, esclarece Miguel Portela.
“O grande problema é quando existe uma fragilidade, quando esses fungos encontram uma porta de entrada e invadem as camadas mais profundas da pele ou da unha”, justifica.
Além disso, como os fungos “crescem em meios quentes, húmidos e escuros, principalmente no pé têm todas essas características para se desenvolverem com mais facilidade”, acrescenta.
Quais são as “portas de entrada” para os fungos nas unhas? Uma é a “zona da cutícula”, salienta o professor da CESPU. Por norma, “na estética, tem-se muito a prática de retirar a cutícula da unha para que a unha fique mais bonita, mas está a retirar-se uma barreira muito importante” contra a invasão de fungos.
Além disso, “quando se corta a unha demasiado curta cria-se, muitas vezes, um pequeno traumatismo”, permitindo que “o fungo entre por baixo da unha, entre a unha e a pele”, esclarece.
Outra situação que pode potenciar o desenvolvimento de infeções fúngicas nas unhas “é a utilização de vernizes ou do gel nas unhas”.
O gel é sobretudo relevante neste contexto, “porque a sua utilização é prolongada no tempo e isso permite que a unha fique tapada, sem luz direta, permitindo que o fungo se desenvolva com mais rapidez e com mais facilidade”, sustenta.
Para mais, conclui, “se a unha estiver oculta pelo verniz, ou pelo gel, vai permitir que a infeção se instale, se desenvolva e evolua, sem que o doente perceba”.
Por que razão é tão difícil tratar infeções fúngicas nas unhas?
Como explica Manuel Portela, “os fungos nas unhas são de difícil acesso e de difícil tratamento”. Além de os fungos se “alimentarem essencialmente de queratina, que a unha tem na sua composição”, são difíceis de tratar com antifúngicos locais.
“Na pele, coloca-se uma solução líquida e a pele tem a capacidade de absorver essa solução”, aponta. Já na unha isso não acontece com a mesma facilidade. O podologista explica que “a unha é impermeável, dificultando o acesso do medicamento no leito da unha”.
Por outro lado, os “antifúngicos orais” – os que têm, de facto, evidência e mais resposta em termos terapêuticos – “são, por norma, tóxicos do ponto de vista hepático”.
Assim, segundo Manuel Portela, “doentes que tenham outro tipo de comorbilidade e sejam polimedicados, ou tenham algum tipo de insuficiência hepática/renal, devem evitar estes tratamentos”.
Importa ainda sublinhar que “há manifestações na unha com um aspeto clínico de uma infeção fúngica, mas que não o são”.
O podologista adianta que “existem dezenas de patologias da unha”, sendo que algumas até podem ser consequências de outras doenças (como o lúpus).
Por isso, “a maior parte das pessoas, quando percebe que tem um problema da unha, autodiagnostica-se com um fungo, ou recebe um diagnóstico errado dado por alguém que não é altamente especializado”. E, “se dermos um antifúngico àquele doente, a unha vai continuar igual, porque não se trata de uma infeção fúngica”.
É por este motivo que, com frequência, “o diagnóstico clínico e especializado não é suficiente, temos de recorrer à análise micológica ou microbiológica para perceber se de facto a pessoa tem um fungo, que tipo de fungo é e que tipo de antifúngico podemos aplicar para resolver o problema”, conclui.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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