Restos de cebola são venenosos e não deve guardá-los no frigorífico?
Circula nas redes sociais a informação de que os restos de cebola são venenosos, porque, supostamente, este alimento será capaz de absorver bactérias. Mas esta informação é verdadeira ou falsa?
Depois de preparar uma salada para uma refeição, sobra-lhe metade de uma cebola. Decide conservá-la no frigorífico, mas lembra-se de ter lido nas redes sociais que, depois de cortada, a cebola “absorve bactérias” e que, por isso, “os restos de cebola são venenosos”. Mas será que esta crença amplamente difundida online tem fundamento?
Antes de optar por deitar fora os restos de cebola, saiba o que dizem os especialistas em segurança alimentar sobre o assunto.
É verdade que os “restos de cebola são venenosos” porque a cebola absorve as bactérias?
A crença de que os restos de cebola são venenosos (e que, por isso, não devem ser guardados no frigorífico) não tem qualquer fundamento científico. Em primeiro lugar, porque as bactérias não são atraídas para a cebola ou por qualquer outro alimento. Depois, porque a composição da cebola é inibidora da produção de microrganismos. E, por fim, porque a temperatura do frigorífico também dificulta a multiplicação de bactérias.
Em declarações ao Viral, João Noronha, professor da área de segurança alimentar da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC), explica que “a cebola não atrai ou desenvolve microrganismos, os microrganismos têm de contaminar a cebola e só depois é que se multiplicam”.
Quer isto dizer que as bactérias não aparecem espontaneamente ou são atraídas para as cebolas ou para qualquer outro legume ou fruta.
No mesmo plano, André Pereira, professor na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, afirma que “a forma mais comum de transmissão de bactérias ocorre por contacto, não é por geração espontânea”. Uma afirmação que é também validada por Paula Teixeira, professora e investigadora na área de segurança alimentar na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica no Porto.
Existem várias formas de um alimento ficar contaminado por microrganismos – sejam bactérias, vírus ou fungos. “Uma grande parte ocorre por contaminação cruzada”, explica João Noronha.
Por exemplo, completa, “quando usamos uma faca para cortar vários alimentos diferentes – como carne fresca – o utensílio vai levar as bactérias de um alimento para o outro.”
Nesse sentido, Paula Teixeira acrescenta que uma limpeza deficitária do local onde os alimentos são manuseados ou a falta de higiene das mãos dos manipuladores são também perigosas fontes de contágio. É ainda possível o contágio através das movimentações do ar, porém é uma opção menos provável.
“O frigorífico não é um sítio onde ocorrem contaminações pelo ar. Para que a cebola ficasse contaminada, era preciso que as bactérias já estivessem na superfície do frigorífico”, afirma Paula Teixeira.
A investigadora explica que este espaço pode ficar contaminado, por exemplo, ao colocar carne ou peixe frescos – alimentos mais suscetíveis de ter contaminantes – mal embalados, ficando em contacto direto com a superfície do eletrodoméstico.
As baixas temperaturas características do interior do frigorífico “não representam condições propícias para que as bactérias se desenvolvam”, acrescenta André Pereira.
Quanto mais baixa a temperatura for, menor a probabilidade de as bactérias se multiplicarem e maior é o tempo que os alimentos ficam conservados.
Importa sublinhar que no frigorífico a temperatura pode oscilar entre os 0 ºC e os 5 ºC, segundo a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), enquanto no congelador pode ultrapassar os -18 ºC.
Composição da cebola dificulta a propagação de bactérias
Existe um outro fator que descredibiliza a afirmação partilhada: a própria composição da cebola. Este bolbo “tem algumas substâncias que não são propícias ao desenvolvimento de microrganismos”, acrescenta o professor João Noronha, sublinhando que “a cebola não é considerada um alimento de risco”.
Além disso, a existência de enxofre na composição da cebola parece inibir a proliferação de bactérias. De acordo com um artigo publicado no site da Universidade de McGill, no Canadá, – e que tem como objetivo esclarecer também o mito de que a cebola absorve bactérias – “as cebolas apresentam uma variedade de compostos de enxofre que possuem atividade antibacteriana”.
Quando a cebola é cortada, estes compostos “desencadeiam a libertação de enzimas que iniciam uma reação química produzindo ácido propanossulfônico, que, por sua vez, se decompõe para produzir ácido sulfúrico” – o ácido responsável pelas lágrimas que surgem quando se corta cebola.
Por fim, lê-se no mesmo texto, “a superfície de uma cebola cortada seca rapidamente, reduzindo a humidade necessária para a multiplicação das bactérias”.
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