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Efeito placebo: O que é? Qual o seu papel na investigação clínica?

13 Ago 2023 - 09:33

Efeito placebo: O que é? Qual o seu papel na investigação clínica?

Os chamados “placebos” são utilizados em investigações clínicas, sobretudo quando o objetivo é desenvolver um novo fármaco ou testar a eficácia de uma terapêutica. Mas o que são? Como funciona o efeito placebo? E qual a sua utilidade na ciência?

Em declarações ao Viral, Ana Rodrigues, docente e investigadora da NOVA Medical School (NMS) e coordenadora do EpiDoC, e Miguel Ricou, presidente do conselho de especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos, esclarecem todas as dúvidas.

O que é o efeito placebo?

Ana Rodrigues começa por esclarecer que os placebos “são todos os tratamentos sem propriedade terapêutica ativa como, por exemplo, um comprimido de açúcar ou de farinha”. Por outro lado, acrescenta Miguel Ricou, também pode ser considerado placebo “uma técnica sem efeito terapêutico conhecido”.

Assim sendo, a investigadora da Nova Medical School descreve o efeito placebo como “a melhoria da saúde física ou psicológica de uma pessoa, após fazer um tratamento que não tem propriedades terapêuticas ativas”.

No entanto, os especialistas consideram ainda relevante referir que este efeito “também pode ser negativo”, já que “a pessoa pode sentir um mal estar ou ter um evento negativo de saúde a tomar placebo”, salienta Ana Rodrigues.

A isto se chama “o efeito nocebo”, completa Miguel Ricou. Segundo o especialista, a expectativa da pessoa em relação à intervenção pode fazer com que tenha “sintomas de prejuízo”.

Então, como se explica o efeito de uma prática que não tem substâncias terapêuticas ativas? Ana Rodrigues esclarece que “já se fez muita investigação relacionada com o efeito placebo” e a teoria “mais consensual é a de que este efeito se prende com as expectativas do indivíduo”. 

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Isto quer dizer que, “se a pessoa tem a expectativa de que o tratamento vai fazer bem, é possível que a fisiologia do seu corpo trabalhe nesse sentido”, sustenta. Pensa-se que há “uma relação íntima entre mente e corpo”, conclui.

Qual a importância do efeito placebo nas ciências médicas?

Ambos os especialistas concordam que o efeito placebo tem um papel fundamental em contexto de investigação.

“O tratamento placebo é utilizado em investigação, nomeadamente nos ensaios clínicos, de modo a poder comparar-se o efeito do tratamento novo (em estudo) com nenhum tratamento ativo (placebo) na melhoria de uma determinada condição de saúde”, explica Ana Rodrigues.

Desta forma, “podemos determinar a eficácia do novo tratamento no controlo da doença que estamos a estudar”, acrescenta.

Em termos práticos, segundo Miguel Ricou, a amostra de pessoas em estudo divide-se em dois grupos: o que vai receber a substância ativa e o que vai receber a substância placebo. 

Antes do estudo, os participantes são sempre informados de que podem ser incluídos num grupo ou noutro. “Importa é, de facto, que a pessoa não saiba em que grupo está”, realça o psicólogo. 

Assim, “temos diferentes pessoas a fazer a toma de uma substância que elas acreditam que lhes pode fazer bem”, refere a mesma fonte.

“Só se tivermos melhores resultados no grupo que tem feito ativo é que consideramos que aquela substância em estudo pode funcionar”, esclarece.

De facto, acrescenta Ana Rodrigues, “existem doenças em que se verificou uma melhoria de saúde consistente em pessoas que estão a fazer placebo, com conhecimento disso (em regime de estudo clínico), são elas, por exemplo, a depressão, a dor, perturbações do sono e a síndrome do intestino irritável” (aqui e aqui).

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É admissível fazer placebo na prática clínica?

Ana Rodrigues e Miguel Ricou informam que os placebos não são habitualmente prescritos na prática clínica.

Na perspetiva de Miguel Ricou essa prática, “até do ponto de vista ético, é muito discutível”. Primeiro, aponta, “se temos uma intervenção objetiva para fazer”, não faz sentido “aplicar um placebo” – ou seja, “uma intervenção que sabemos que não resulta, só para aproveitar a crença da pessoa”.

Depois, “se houver um problema de base, este vai-se manter, porque o placebo não resolve”. Assim, nesse caso, “estaríamos a andar para trás, porque só haveria melhorias a curto prazo”, justifica.

Além disso, “para termos um efeito placebo, teríamos que estar de alguma forma a enganar as pessoas”.

Por outro lado, na perspetiva do psicólogo, “todos os tratamentos acabam por ter um certo efeito placebo associado”. 

Se houver confiança do doente no profissional de saúde, significa que também há confiança nas propostas terapêuticas feitas”, afirma.

Assim sendo, “havendo confiança nestas propostas, vai haver – ou poderá haver – um efeito placebo associado ao efeito clínico que se pretende”, trazendo melhorias, por vezes, mais rápidas.

Com frequência, “as pessoas saem da consulta, fazem uma toma do medicamento e sentem-se logo muito melhor” e, na visão de Miguel Ricou, isso vem, em “boa parte, do efeito placebo”. 

No entanto, é sempre necessário o “efeito clínico que evidentemente vai garantir que haja melhorias a longo prazo, reais, efetivas”, defende.

O que falta saber sobre o efeito placebo?

Na perspetiva de Miguel Ricou ainda é difícil, em alguns casos, controlar o efeito placebo. A título de exemplo, o psicólogo refere a investigação (em fase experimental) que decorre a propósito da possibilidade de, no futuro, se recorrer ao uso de psicadélicos em tratamentos de doenças mentais.

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“Uma das grandes dificuldades é conseguir controlar o efeito placebo. Porquê? São substâncias [os psicadélicos] em que o efeito é muito ativo e muito objetivo”, explica.

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Por isso, “mesmo que as doses administradas sejam baixas, a pessoa pode ter alucinações”, ou seja, há uma sintomatologia evidente.

Assim sendo, teria de se recriar um placebo que induzisse sintomas semelhantes, “para a pessoa não perceber que não está no grupo da substância ativa”. Mas essa “é uma das dificuldades da investigação”, porque é muito difícil recriar um placebo nestes moldes.

Além da questão do controlo do placebo, segundo Ana Rodrigues, “falta saber um pouco melhor de que forma a expectativa da pessoa consegue influenciar o seu corpo a melhorar”.

Na visão da investigadora, “se identificarmos as substâncias ou os mecanismos para este acontecimento podemos identificar novos tratamentos para essas doenças”.

13 Ago 2023 - 09:33

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