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Raiz de dente de leão cura o cancro?

18 Jun 2023 - 08:30
falso

Raiz de dente de leão cura o cancro?

Circula no Facebook um vídeo em que se defende que, supostamente, beber chá feito com a raiz da planta dente de leão “destrói o cancro em semanas”.

Nessa publicação alega-se que investigadores da Universidade de Windsor, no Canadá, analisaram o impacto desta planta nas células cancerígenas e concluíram que “as células de leucemia foram forçadas à apoptose, isto é, ao suicídio celular”.

Segundo o mesmo post, além de destruir as células cancerígenas, esta substância não causaria qualquer dano às células saudáveis, “o que não acontece com a quimioterapia”.

De facto, o estudo referido é real e foi publicado em 2011 no Journal of Ethnopharmacology. Mas será que este artigo científico confirma que beber chá de raiz de dente de leão cura o cancro?

É verdade que o chá de raiz de dente de leão “destrói o cancro”?

Não, não há evidência científica robusta que prove que a raiz de dente de leão seja eficaz na cura do cancro. 

A nenhuma planta, chá ou elixir pode ser atribuída a cura de uma doença tão complexa, tão forte, tão inteligente e tão resistente como o cancro”, adianta, em declarações ao Viral, a médica, nutricionista e investigadora Paula Ravasco. 

A especialista em imunohemoterapia e em nutrição clínica e oncológica ouvida pelo Viral admite que gostava que as “alegações fossem verdade, mas, infelizmente, não são”.

“Garanto que se fosse cientificamente verdade, eu seria a primeira pessoa a apanhar essa planta e a gritar aos sete ventos essas propriedades”, acrescenta Paula Ravasco.

Posto isto, a investigadora e diretora da pós-graduação internacional em Nutrição em Oncologia na Universidade Católica aponta que a infusão de raiz de dente de leão não tem “nenhum benefício para o tratamento do cancro”, mas também não terá riscos.

A médica e nutricionista lembra que há alguns chás – como o chá de hipericão e o de erva príncipe – que são contraindicados a doentes com cancro porque “interferem com as vias metabólicas e competem com os tratamentos”. O mesmo acontece com o xarope de aloé vera e com o sumo de toranja.

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Outras chás e tisanas podem ter um efeito positivo durante os tratamentos, diminuindo o mal-estar associado aos tratamentos de quimioterapia e ajudando os doentes a manterem os níveis de hidratação. Esta questão deve ser verificada junto do médico oncologista e do nutricionista que o acompanha.

“As pessoas que são sujeitas a quimioterapia têm de reforçar os níveis de hidratação para não haver uma toxicidade tão grande”, explica a especialista, reconhecendo que existe “alguma dificuldade em fazer com que as pessoas bebam água” durante os tratamentos. 

É possível um alimento ou nutriente curar o cancro?

Perante as publicações que são partilhadas nas redes sociais em que se alega efeitos milagrosos de chás e de outros ingredientes no tratamento do cancro, coloca-se a pergunta: é possível um alimento eliminar as células cancerígenas do organismo?

“A alimentação não cura o cancro, os alimentos não têm essa capacidade, nem nunca vão ter”, afirma Paula Ravasco.

A especialista recorda, por exemplo, que, em 2005, um estudo analisou o impacto de extratos do fruto Rubus Coreanum (uma tradicional planta medicinal conhecida como bokbunja) no desenvolvimento e destruição de células cancerígenas. 

Para tal, os investigadores colocaram uma linha de células num ambiente rico em extrato de Rubus Coreanum e verificaram que este extrato “inibe a proliferação das células e estimula a apoptose” – processo pelo qual o organismo elimina células defeituosas, infetadas ou velhas, substituindo-as por novas.

Dois anos mais tarde, outro estudo seguiu um procedimento semelhante, utilizando diferentes compostos do alho. As conclusões foram semelhantes. 

Também o estudo referido no vídeo da publicação em análise foi realizado em linhas celulares, o que significa que as conclusões não podem ser extrapoladas para a ingestão de chá por seres humanos – que é um processo completamente diferente.

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“É muito entusiasmante vermos um determinado resultado numa linha celular, ficamos com esperança que aconteça nas pessoas”, refere a especialista ao Viral. No entanto, acrescenta, “já foi tentada a administração de concentrados com determinados nutrientes associados ao estímulo da apoptose e não se verificou o mesmo efeito”.

Paula Ravasco sublinha que o cancro é uma doença muito agressiva, capaz de escapar às mais apertadas defesas do organismo. “É um ser autónomo que consegue crescer dentro do ambiente mais hostil, que é o nosso corpo, e sobreviver a todos os mecanismos de proteção.”

Apesar de não ter efeitos curativos, a alimentação é muito importante durante o tratamento oncológico. A especialista destaca que existem evidências de que uma alimentação adequada ao doente pode levar, por um lado, a “um tratamento mais eficaz”, e, por outro, ao aparecimento de “menos efeitos adversos”.

“Durante o tratamento, temos de ter a certeza de que a pessoa ingere uma quantidade suficiente de proteína e energia, que consegue vincular os nutrientes necessários para que as células funcionem bem e para que os fármacos não sejam tão tóxicos”, afirma. 

O nutricionista que acompanha o doente estabelece uma “dieta individualizada”, que deverá ser iniciada antes de começar os tratamentos.

Em conclusão, os alimentos e as infusões não têm a capacidade de curar o cancro ou de eliminar tumores. As alegações de que uma determinada infusão, um alimento ou um nutriente podem tratar cancro são falsas. No entanto, a alimentação tem um papel importante no processo de tratamento e os doentes devem seguir uma dieta específica.

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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

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