Pôr um ovo junto ao berço do bebé alivia dores de nascimento dos dentes?
Alega-se numa publicação do Facebook que colocar um ovo cru dentro de uma meia por cima do berço do bebé vai ajudar a criança a dormir melhor durante o período em que estão a nascer os primeiros dentes. Verdadeiro ou falso?
O nascimento dos dentes nos bebés é, muitas vezes, um período difícil para as famílias. As dores, as noites mal dormidas ou a falta de apetite podem levar os pais a procurar soluções rápidas para ajudar as crianças nesta fase de aflição. Nesse sentido, as redes sociais têm-se tornado um centro de partilhas de conselhos e técnicas de parentalidade – alguns mais eficazes do que outros. Uma dessas publicações sugere que colocar um ovo dentro de uma meia por cima do berço alivia as dores gengivais do bebé, causadas supostamente pela pressão do dióxido de carbono (CO2).
A história é contada por uma mãe que, perante as noites mal dormidas do bebé, pediu ao pai da criança que “pendurasse uma meia com um ovo para o caso de serem os dentes [a nascer]”.
“Bub [diminutivo do nome da criança] dormiu a noite toda. E dormiu desde então”, lê-se no relato.
Passado algum tempo, o bebé voltou a dormir mal e, quatro dias depois, os pais trocaram o ovo por um novo, o que terá levado a criança a dormir novamente melhor. A autora da publicação explica a sua teoria: “Os ovos absorvem até sete vezes o seu peso em dióxido de carbono. O CO2 cria pressão sobre as gengivas. Se diminuir o CO2, diminuirá a pressão”, o que equivale, supostamente, a “menos dor.” Este truque tem fundamento científico?
É verdade que um ovo cru junto ao berço alivia dores de nascimento dos dentes do bebé?
Sofia Batista, médica dentista com especialização em odontopediatria, garante ao Viral que “não há evidência científica de que a absorção de CO2 vá ajudar de alguma forma as gengivas ou a erupção dentária”.
A dentista explica que o nascimento dos dentes – que pode ocorrer entre os três meses e um ano de idade – é um processo inflamatório cíclico que tem fases mais agudas, onde a criança poderá sentir maior desconforto nas gengivas.
“Quando se dá a erupção dos dentes, há um processo inflamatório que é cíclico. O nosso corpo tem capacidade de auto-resolver a situação de inflamação, não permitindo que o desconforto seja constante”, explica a odontopediatra. Este processo inflamatório dura, em média, três a quatro dias – um período que varia de criança para criança.
Sofia Batista faz um paralelo entre o ciclo inflamatório e o tempo que os pais demoraram a colocar o ovo por cima do berço, segundo o relato da publicação: “Passado os quatro dias, põem o ovo na meia e acham que o ovo faz efeito. Mas, na verdade, é o ciclo da erupção dos dentes.”
Também o pediatra Gonçalo Cordeiro Ferreira, médico no hospital Dona Estefânia e no Hospital da Luz, nega existir qualquer evidência científica nesta prática.
“A premissa de que o CO2 se acumula e faz pressão nas gengivas dos bebés quando em dentição não tem qualquer fundamento científico”, adianta em declarações ao Viral.
Acrescenta ainda que, por ser uma premissa “tão absurda”, a comunidade científica não “se deu ao luxo de gastar tempo e dinheiro para fazer um estudo controlado com bebés em dentição com ovos por cima da cabeça – sejam crus, sejam cozidos – comparando com bebés sem ovos”.
A referência à absorção do CO2 através do ovo poderá estar relacionada com um artigo publicado por uma equipa da Universidade de Calcutá, na Índia, no International Journal of Global Warming, em 2010. O estudo concluía que a membrana existente na casca dos ovos tem a capacidade de absorver “uma média de 6824 mg de CO2” por cada grama de membrana, ou seja, perto de sete vezes o seu peso.
No entanto, é importante sublinhar que se trata do peso da membrana e não do peso total do ovo. Este estudo sugeria a utilização desta membrana para reduzir a quantidade de CO2 existente na atmosfera, até que fosse desenvolvido um processo economicamente viável.
O que fazer e o que não fazer para aliviar os sintomas do nascimento dos dentes?
A Academia Americana de Pediatria identifica os principais sintomas associados com o nascimento dos dentes: vermelhidão e dores nas gengivas, produção excessiva de saliva – que pode levar ao aparecimento de bolhas à volta da boca – e aumento da necessidade de roer coisas. A instituição sublinha ainda que “o nascimento dos dentes não causa febre, diarreia, erupção cutânea na zona da frauda ou corrimento nasal”.
Além dos sintomas orais, as crianças podem também apresentar maior dificuldade em dormir e manifestar irritação ou perda de apetite.
Existem várias técnicas a adotar para aliviar o desconforto associado ao nascimento dos dentes num bebé. Mas existem também algumas práticas que podem ser perigosas.
Sofia Batista sugere que sejam dados às crianças gelados de leite materno. “O frio alivia as gengivas e, ao mesmo tempo, conseguem massajar”, explica a especialista. Para alcançar um efeito semelhante, podem também ser dados ao bebé pedaços de fruta que tenha estado no frigorífico.
Massajar as gengivas do bebé é também uma opção, seja com gaze ou com o dedo (desde que tenham as mãos lavadas). Se optar por mordedores, deverá ter em atenção alguns critérios: devem ser sólidos e inteiros; não devem conter gel ou o composto químico Bisfenol A (conhecido pela sigla BPA).
A odontopediatra alerta que os mordedores que contêm gel por dentro podem ser perigosos para as crianças, uma vez que os dentes podem rasgar o material e libertar o gel tóxico para a boca do bebé.
No mesmo plano, a especialista desaconselha também a utilização de géis anestésicos em crianças até aos dois anos, uma vez que estes químicos podem levar ao desenvolvimento de metahemoglobinemia – uma condição que pode provocar asfixia ao bebé.
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