O cortisol só tem efeitos negativos na saúde?
Conhecido como a “hormona do stress”, o cortisol é descrito, muitas vezes, nas redes sociais como um inimigo da saúde.
Em vários vídeos do TikTok e do YouTube, criadores de conteúdos de todo o mundo explicam “como reduzir os níveis de cortisol”, apresentando esta hormona como o principal responsável pelo ganho de peso. Mas é verdade que o cortisol só tem efeitos negativos na saúde? Quais as suas funções?
Em declarações ao Viral, o endocrinologista e autor da página “Hormonas em bom português”, Francisco Sousa Santos, explica as várias funções do cortisol no organismo e desmistifica a ideia de que esta hormona é prejudicial à saúde.
O que é o cortisol?
Francisco Sousa Santos começa por esclarecer que o cortisol “é uma hormona produzida nas glândulas suprarrenais” (localizadas acima dos rins).
Esta hormona é uma espécie de “derivado da cortisona” (um corticoide usado “no tratamento de algumas doenças”) e é “produzida naturalmente no nosso corpo todos os dias, ao longo do dia todo”, clarifica.
De modo geral, continua o médico, “as glândulas recebem um estímulo de uma parte do nosso cérebro (a hipófise), que, por sua vez, é estimulada por outra parte no nosso cérebro, o hipotálamo”.
Por outras palavras, “é como se fosse um efeito de dominó de estimulação hormonal, que culmina na estimulação da suprarrenal, que por sua vez vai produzir o cortisol”.
É verdade que o cortisol só tem efeitos negativos na saúde?
Francisco Sousa Santos começa por assegurar que a ideia de que o cortisol só tem efeitos negativos no organismo é falsa. Na visão do endocrinologista, esta crença surge porque, “efetivamente, existem situações patológicas” que provocam a produção “descontrolada de cortisol”. Nesses casos, acrescenta, “o excesso de cortisol é negativo”.
De facto, isto pode provocar várias repercussões negativas no corpo, tais como: “tensão arterial elevada, problemas nos ossos (nomeadamente osteoporose), diabetes, aumento do peso, irregularidades menstruais, infertilidade, estados mais depressivos e problemas ao nível do sono”, exemplifica.
Em última análise, sustenta, “aumenta não só a mortalidade, como a morbilidade”. Portanto, “tem repercussões graves no organismo das pessoas que têm excesso de cortisol patológico”. É aí que nasce, segundo o médico, “a má fama do cortisol”.
Em contrapartida, “a realidade é que estas doenças que culminam no excesso de produção de cortisol, felizmente, são muito raras”.
A título de exemplo, o endocrinologista refere que “o excesso de peso causado por excesso de cortisol é muito raro (menos de 5%)”.
Noutro plano, na perspetiva de Francisco Sousa Santos, é relevante salientar “as várias funções do cortisol no nosso corpo, todas elas muito importantes”.
Em primeiro lugar, o especialista destaca “o controlo dos níveis da glicemia, ou seja, do açúcar em circulação no nosso corpo”. Ao contrário da insulina, “o cortisol aumenta os níveis de açúcar, o que é particularmente importante, por exemplo, em situações de perigo em que precisamos de ter energia”.
Outro efeito importante é o facto de o cortisol “reduzir a resposta inflamatória e a resposta imunitária”. Isto tem utilidade em casos de doenças autoimunes, ou inflamações crónicas, já que, nestes casos, “interessa ter um controlo desta inflamação”, aponta.
Para mais, o cortisol é muito importante “no controlo da pressão arterial”. Também não deve ser esquecida a relevância da circulação de cortisol em “momentos de stress biológico”. Por exemplo, “quando o corpo tem uma infeção, precisa de estar preparado para combatê-la e aí o cortisol é muito importante”, sustenta.
Por isso é que o cortisol é conhecido como a “hormona do stress”. Esta denominação não remete para o estado de ansiedade da pessoa, mas sim para o facto de “o organismo estar sob uma exigência maior por algum motivo como, por exemplo, uma infeção ou uma cirurgia (estado de stress)”, clarifica.
“Ter falta de cortisol é tão ou mais perigoso do que ter cortisol em excesso”
Para Francisco Sousa Santos, “ter falta de cortisol é tão ou mais perigoso do que ter cortisol em excesso”. Quando isto acontece a “tensão arterial” pode ficar “muito baixa”, podem ocorrer “desmaios” e “a pessoa sentir fadiga e ter falta de energia”.
Por outro lado, é muito frequente verificar-se uma perda de peso involuntária”. Além disso, as “náuseas e os vómitos também são muito comuns como manifestações da falta de cortisol, assim como dores musculares e dores articulares”.
Para mais, “algumas doenças que provocam falta de cortisol podem ainda provocar outras manifestações, sendo uma delas a alteração da pigmentação, geralmente na pele, mas também nas próprias gengivas”, alerta o autor da página “Hormonas em bom português”.
A falta de cortisol é particularmente perigosa nas tais situações de stress biológico. Isto porque “não tendo a hormona do stress” para “ajudar o corpo a montar uma resposta contra a infeção”, os riscos “vão ser muito maiores e a pessoa vai ter um maior risco de mortalidade associada à infeção”, esclarece.
Quando se deve ou não controlar os níveis de cortisol?
O endocrinologista questionado pelo Viral garante que “a variação dos níveis de cortisol não é necessariamente sinal de doença”. Portanto, existem dois motivos para o cortisol aumentar ou descer: as doenças (já referidas); e as causas fisiológicas (que são normais).
Antes de mais, é preciso ter em conta que “o cortisol é uma hormona com uma flutuação circadiana nos seus níveis”. O que significa isto? “Que os valores do cortisol em circulação vão variar de acordo com a hora do dia”.
Geralmente, o cortisol está “mais alto no início da manhã, ao longo do dia vai diminuindo e à noite apresenta níveis mais baixos”.
Este é um dos motivos pelo qual “quando temos uma infeção é mais frequente termos febre à noite, ou ao fim do dia, porque é quando os níveis de cortisol estão mais baixos”, conta o especialista.
Além disso, existem outros fatores que influenciam os níveis desta hormona, como: o exercício físico, “principalmente o exercício muito intenso”; o “stress” (profissional e psicológico); a dieta (“os açúcares aumentam os níveis de cortisol”); e o “sono de baixa qualidade”.
Para mais, “se tivermos uma doença crónica como a diabetes isso também pode ter impacto nos níveis de cortisol”. Neste caso, “pode subir o cortisol como resposta e não como causa da doença”, esclarece.
Então, o que é um valor normal de cortisol? Segundo o médico, “depende do contexto: se a pessoa tem uma infeção respiratória, da hora do dia, se a pessoa fez exercício, depende de muitas coisas”.
E deve tentar-se controlar os níveis de cortisol? A resposta de Francisco Sousa Santos é “depende”. Porquê? “Se houver uma doença que está a provocar a produção de cortisol a mais ou a menos, então aí, sim, temos de controlar os níveis”.
Para isso, em situações de fraca produção de cortisol pode recorrer-se a “medicação”, refere. No caso de haver produção em excesso, “intervém-se de forma cirúrgica” ou também através de fármacos.
Contudo, “se me perguntar se devemos controlar os níveis de cortisol numa pessoa saudável, eu respondo-lhe que não”, frisa. Isto porque, “se a pessoa não tem uma situação patológica de produção de cortisol a mais ou a menos, o corpo é inteligente ao ponto de se autorregular”, conclui.
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