Quando as pessoas sentem alguma dor ligeira ou moderada ou apresentam uma temperatura corporal elevada é usual recorrerem a medicamentos de venda livre com função antipirética, para diminuir a febre, ou analgésica, para fazer frente aos quadros dolorosos. Entre os fármacos mais populares para essas funções está o paracetamol.

Também é habitual que os donos de animais, quando convencidos de que os cães ou os gatos têm algum destes quadros clínicos, os tentem medicar precisamente com o mesmo fármaco na expectativa de obter resultados idênticos alcançados nos humanos. Mas será o correto para os felinos? O paracetamol pode ser tóxico para os gatos?

É verdade que o paracetamol pode ser fatal para os gatos?

“Sim, o acetaminofeno, mais conhecido como paracetamol, é fatal para os gatos. Mesmo em doses muito baixas está relatada uma elevada toxicidade na espécie felina”, esclarece Tomás Magalhães, médico veterinário que preside ao Grupo de Interesse Especial em Medicina Felina da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC). 

Segundo a explicação dada pelo médico veterinário ao Viral, “os gatos têm uma deficiência enzimática que impede a conjugação e, depois, a metabolização hepática deste fármaco e a sua consequente eliminação através da urina”. 

Ou seja, como não é feita a metabolização do paracetamol, o fármaco acaba por se acumular no organismo do gato “com efeitos tóxicos muito marcados” que, sem o acompanhamento médico veterinário, conduzem à morte do animal.

Quais os sinais de intoxicação?

Analiticamente, os sinais de intoxicação por paracetamol em gatos observam-se “principalmente a nível sanguíneo”. 

O médico veterinário, que também é investigador na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, explica que “enquanto, no ser humano, uma dose elevada de paracetamol conduz, sobretudo, a alterações a nível hepático, nos gatos, estas manifestam-se a nível sanguíneo e levam o gato a apresentar sinais de cianose”.

Esses sinais passam, por exemplo, por “ter as mucosas [gengivas, língua] azuladas, aparentar fraqueza, prostração, dificuldades respiratórias e alterações da frequência cardíaca, precisamente porque tem dificuldade no transporte de oxigénio no sangue realizado pela hemoglobina”.

Esta sintomatologia é progressiva e pode conduzir à morte do animal no espaço de poucas horas.

É possível reverter o quadro de intoxicação por paracetamol?

Em primeiro lugar, Tomás Magalhães reitera que “mesmo o consumo de doses baixas de paracetamol pode ser fatal, e o prognóstico do gato é sempre muito reservado”.

Por isso, se o dono conseguir identificar o momento em que o gato ingeriu o medicamento – de forma inadvertida ou administrado por uma pessoa – no espaço de duas horas, “é possível induzir o vómito no gato para tentar, desta forma, remover [do organismo] a medicação que ele ingeriu”, descreve o médico veterinário.

Passado esse período, a maior parte do medicamento já terá sofrido o processo de absorção pelo trato gastrointestinal do gato e este já estará a viver um quadro de intoxicação medicamentosa.

O protocolo terapêutico para a intoxicação por paracetamol em felinos passa por administrar aquele que é considerado o antídoto deste quadro clínico: a acetilcisteína.

Podem também ser usados protetores hepáticos e fármacos antioxidantes, já que uma das ações do acetaminofeno é a oxidação da hemoglobina, o que faz com que esta proteína integrante dos glóbulos vermelhos perca a capacidade de transportar oxigénio até aos vários órgãos.

Tomás Magalhães salienta ainda que, seja em que quantidade for, “a ingestão de paracetamol por um gato é considerada uma urgência veterinária com uma taxa de mortalidade muito elevada, e o animal deve ficar sempre em observação”.

E como saber se o gato tem febre ou dor?

Se há animal que é considerado um mestre do disfarce é o gato. “Pela história da evolução na natureza, a espécie felina acaba por conseguir mascarar os sinais de dor ou de desconforto e nem sempre é fácil para os tutores avaliarem o seu estado”, reconhece Tomás Magalhães.

Todavia, existem “sinais subtis” a que o tutor deve estar mais atento, como notar que o gato fica mais parado, não quer brincar nem interagir com o dono, procura isolar-se, não come ou apresenta menos apetite do que o considerado normal para aquele animal.

Em suma, acrescenta, “o importante é que qualquer mudança na rotina do felino deve ser motivo para uma visita ao médico veterinário e nunca se deve recorrer a medicação para uso humano, seja paracetamol ou ibuprofeno, ambos altamente tóxicos para os gatos”.

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