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Marta nunca pensou ter tuberculose, mas o diagnóstico foi um “alívio”

24 Mar 2024 - 10:31

Marta nunca pensou ter tuberculose, mas o diagnóstico foi um “alívio”

Marta Jacinto não imaginava que o cansaço que sentia era um dos sintomas de tuberculose. Depois de realizar exames, numa segunda ida às urgências, os médicos perguntaram-lhe se tinha tido contacto com alguém com a doença. O diagnóstico foi recebido como um certo “alívio” – porque a “alternativa seria cancro”.

A tuberculose é uma doença associada ao passado, que muitos pensam estar erradicada no presente. Mas não está: dados do Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal, referentes a 2022, mostram que a incidência foi de 13,4 casos por 100 mil habitantes – uma taxa que tem vindo a descer sucessivamente nos últimos anos. 

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Durante o ano de 2022, morreram 91 pacientes, o que representa uma letalidade de 8,6%. Mais de 80% dos pacientes que receberam tratamento ficaram curados.

A história de Marta é um dos muitos casos de sucesso. Foi diagnosticada com tuberculose em 2008 e, depois de nove meses de tratamentos diários, conseguiu alcançar a cura. Mas não ficou por aí: a experiência motivou-a a tornar-se voluntária e a promover a literacia sobre a doença.

O cansaço foi principal sintoma de Marta

Os sintomas começaram a surgir no final de 2007, uma época em que a incidência da doença em Portugal era o dobro da atual. Marta tinha, na altura, 30 anos e trabalhava como informática em Lisboa. Sentia-se cansada, mas não tinha tosse persistente, nem expectoração.

Em novembro desse ano, decidiu procurar ajuda médica. Prescreveram-lhe um raio-x e, depois de analisados os resultados, “disseram que estava tudo ‘ok’”. Mas o cansaço constante permanecia e, meses mais tarde, começou a sentir a garganta irritada. Foi aí que decidiu ir às urgências.

Tentaram desvalorizar, mas eu insisti. Mandaram-me fazer um novo raio-x e mais um TAC (sigla para tomografia computorizada). Antes de sair da TAC, perguntaram-me se tinha estado com alguém com tuberculose ou se costumava andar de transportes públicos. Respondi que não”, lembra Marta.

Foi a primeira vez que a tuberculose surgiu como uma possibilidade de diagnóstico para Marta. “Até então, nunca me tinha passado pela cabeça”, confessa. 

A tuberculose é uma doença infecciosa grave, provocada por uma bactéria conhecida como bacilo de Koch. Esta bactéria transmite-se através da “inalação de gotículas expelidas pela pessoa doente quando tosse, fala ou espirra”, explica o Serviço Nacional de Saúde.

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Os principais sintomas da tuberculose são: tosse persistente há mais de duas a três semanas, cansaço, emagrecimento, suores noturnos e aumento da temperatura corporal ao final do dia. Existem três tipos – pulmonar, extrapulmonar ou disseminada –, sendo a tuberculose pulmonar a mais comum.

Um caminho para a cura que durou nove meses

Depois do diagnóstico, Marta teve de ficar uma semana em isolamento, até se saber se a doença que tinha era ou não contagiosa. Indicou os nomes das pessoas que conviviam com ela e dos colegas com quem trabalhava regularmente para que fizessem o rastreio

“Eu tinha a consciência de que era uma doença muito grave e, no meu local de trabalho, houve pessoas que, mesmo não sendo contactos meus, sentiram medo e foram aos Recursos Humanos pedir que houvesse um rastreio.”

O diagnóstico definitivo chegou e, no verão de 2008, Marta iniciou o tratamento. A informática conta que teve “a sorte de ter um bacilo que era permeável aos cinco tuberculostáticos [fármacos contra as bactérias da tuberculose]”, ou seja, que a sua doença era considerada simples.

Os efeitos dos fármacos não foram imediatos e, durante algum tempo, o cansaço manteve-se. “Notei que estava muito cansada, nem conseguia andar e falar ao telemóvel ao mesmo tempo – é uma atividade que exige mais esforço do que imaginamos”, conta Marta, acrescentando que, com o tempo, foi começando a sentir-se melhor

Durante nove meses, ia diariamente ao Centro de Diagnóstico Pneumológico (CDP) para realizar o tratamento assistido. Tomava quatro tuberculostáticos por dia – no final do tratamento tinha tomado mais de 1800 comprimidos.

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“Foi chato ter de fazer a toma observada no CDP, ter de me deslocar, todos os dias, em jejum, para ir fazer a medicação. Tinha de apanhar dois transportes ou ir de carro”, partilha, lamentando que na altura não houvesse outras opções. Atualmente, está em curso um projeto-piloto para testar a toma assistida por videochamada.

A pneumologista Conceição Gomes, coordenadora da comissão de tuberculose da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e representante do Programa de Doenças Respiratórias da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, explica que “o tratamento da tuberculose obriga a um conjunto de medicamentos específicos, nomeadamente antituberculosos ou antibacilares”.

É um tratamento “prolongado”, com uma “duração nunca inferior a seis meses”, dependendo do tipo de tuberculose e da reação do paciente. Apesar das dificuldades, Marta sabia que não podia abandonar o tratamento. Sabia também que tinha de fazer a sua parte para alcançar a cura – um objetivo que nunca foi posto em causa.

Incidência da tuberculose em Portugal tem vindo a descer

A tuberculose chegou a ser conhecida como a “peste branca”, mas, atualmente, é uma “doença que tem cura”, diz Conceição Gomes.

A pneumologista conta que os pacientes, quando chegam ao seu consultório, “não querem falar da doença porque está associada à morte”.

“Se perguntarmos a um paciente se tem alguém com tuberculose na família, muitos vão dizer que não. Mas, se falarmos em casos de gânglios na infância, já se recordam. As pessoas não gostam da palavra tuberculose”, aponta a especialista.

Conceição Gomes sublinha que a tuberculose é “um problema de saúde pública”, mas “não há que ter medo da tuberculose porque é uma doença que tem cura”. 

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O bacilo de Koch foi divulgado ao mundo em 24 de março de 1882 por Robert Koch, mas só décadas mais tarde foi identificada a “primeira arma” contra a tuberculose: o Bacilo Calmette e Guerin que deu origem à vacina BCG – integrada no Plano Nacional de Vacinação para crianças até aos seis anos em grupos de risco.

Os fármacos antibacilares surgiram na década de 1940, com a descoberta da Estreptomicina, e contribuíram para uma redução acentuada do número de mortes por tuberculose. Mas não terá sido o único fator. Também a melhoria das condições de vida nos países mais desenvolvidos terá tido impacto na redução da incidência desta doença.

Em Portugal, a incidência da tuberculose tem seguido uma tendência decrescente. Segundo o Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal, referente a 2022, foram notificados 1.518 casos de tuberculose, sendo 1.403 novos casos e 115 retratamentos. Os distritos de Lisboa e Porto são os que registam maior incidência.

Desde o início do milénio, a taxa de incidência passou dos 39,3 para os 13,4 casos por 100 mil habitantes, enquanto a taxa de notificação desceu de 42,9 para 14,5. Mais de 80% dos casos têm um tratamento de sucesso.

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Mesmo existindo fármacos, perto de 1,5 milhões de pessoas morrem anualmente com tuberculose no mundo. 

A Organização Mundial de Saúde estima que 10 milhões de pessoas desenvolvam tuberculose a cada ano, sendo que metade destes casos são registados em apenas oito países – Bangladeche, China, Índia, Indonésia, Nigéria, Paquistão, Filipinas e África do Sul.

Marta nunca duvidou de que iria ficar curada. No final do tratamento, decidiu usar a sua experiência para ajudar os outros e tornou-se voluntária na Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias (ANTDR). Durante anos participou em diversas iniciativas. 

“Há pessoas que acham que a tuberculose está erradicada, que acham que é muito contagiosa, que é uma doença de terceiro mundo. Isso não é verdade”, afirma Marta, sublinhando a importância de promover a literacia.

24 Mar 2024 - 10:31

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