Paladar muda de sete em sete anos?
Quando era criança não tolerava brócolos, couve-flor ou qualquer alimento que agora gosta de comer? A sabedoria popular tem uma teoria para explicar este fenómeno: a ideia de que o paladar muda de sete em sete anos. Mas será mesmo assim?
Existe mesmo um ciclo de mudança do paladar? O paladar muda mesmo durante a vida? E quais os fatores que podem influenciar estas mudanças de gostos?
O paladar muda de sete em sete anos?
De facto, o sentido do paladar e os sabores preferidos podem mudar ao longo da vida, mas esta alteração não é cíclica e não acontece de sete em sete anos.
Em declarações ao Viral, Tiago Fonseca, médico estomatologista no Centro Hospitalar Universitário de São João, explica que, analisando a “anatomia e fisiologia do sentido do paladar, não existe fundamento para esta afirmação”.
O paladar é um dos cinco sentidos e está, sobretudo, associado à língua, onde existe a maior quantidade de gomos gustativos – “células especializadas que permitem captar moléculas existentes nos alimentos ou outros objetos”, gerando impulsos nervosos que são conduzidos até ao sistema nervoso central.
“Quando [o sinal nervoso] chega ao cérebro, percebemos o gosto dos alimentos”, acrescenta o especialista. Quer isto dizer que o impulso nervoso que foi gerado pelos gomos gustativos é interpretado numa conjugação dos quatro sabores primários – ácido, doce, salgado ou amargo.
Quais os fatores que interferem com o paladar?
Existem vários fatores que podem influenciar o paladar e o gosto por determinados alimentos. De facto, a idade é um dos principais fatores, mas não há qualquer evidência de que as alterações sejam cíclicas ou ocorram de sete em sete anos.
O paladar das crianças, também por terem menos gomos gustativos, é diferente do dos adultos. Noutro plano, a partir dos 45 anos pode começar a dar-se uma perda do sentido do gosto, uma vez que as células gustativas “deixam de ser tão sensíveis ao paladar”.
Além da idade, também as alterações hormonais podem contribuir para a alteração da perceção do sabor. Um exemplo disso ocorre durante a gravidez.
“Uma mulher pode até gostar de um determinado alimento, mas durante a gravidez, pelas alterações hormonais próprias, pode preferir outros alimentos. Tem a ver com o aspeto hormonal”, aponta Tiago Fonseca.
A memória, a plasticidade neurológica e a maturidade cerebral contribuem também para a alteração das preferências alimentares ao longo dos anos.
É possível não gostar de um determinado sabor por ter uma memória negativa associada. É também possível que, por ter estado muito tempo sem comer um alimento que anteriormente não gostava, este passe a ter um gosto mais agradável.
“Se as sinapses [ligações neuronais] não são estimuladas, vão-se perdendo e os neurónios acabam por não estar sempre conectados da mesma maneira”, explica o especialista.
E prossegue: “A maturidade cerebral que ganhamos com a idade permite-nos ‘olhar’ para os alimentos de outra forma e sermos mais tolerantes a eles e ter uma maior capacidade de adaptação ao sabor. Os nossos gomos gustativos não mudaram, é uma questão de modulação.”
A higiene oral – especificamente a higiene da língua – e as patologias locais ou sistémicas podem também contribuir para variações no paladar permanentes ou temporárias.
Durante a pandemia de Covid-19, muitos doentes queixavam-se de ter perdido o paladar e o olfato durante alguns dias. Também os pacientes oncológicos a realizar tratamentos à base de quimioterapia relatam alterações ao nível do paladar.
Outros fatores que podem também influenciar o paladar do indivíduo são as necessidades nutritivas, a diversidade alimentar e as influências sociais e culturais – que se manifestam, por exemplo, na utilização de determinados ingredientes e condimentos em detrimento de outros.
Tiago Fonseca destaca ainda a importância do paladar na evolução das espécies, lembrando que este sentido permite identificar e ingerir as substâncias que alimentam, afastando-nos do que não é comestível ou até mesmo letal.
Em conclusão, é falso que o paladar se altere de forma cíclica, a cada sete anos. No entanto, existem vários fatores que podem contribuir para uma alteração do gosto ao longo da vida. A idade, as questões hormonais e a memória são as principais razões associadas a uma adaptação gustativa.
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