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Gordura trans aumenta risco de doenças cardíacas e de morte?

22 Set 2023 - 11:26
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Gordura trans aumenta risco de doenças cardíacas e de morte?

Quando se fala em gorduras, é preciso saber quais devemos incluir na alimentação e quais devemos evitar. Se é verdade que a gordura presente em alimentos como o abacate, o azeite ou as oleaginosas pode ter benefícios (quando consumida com moderação), também é verdade que, no sentido contrário, a gordura trans tem malefícios para a saúde.

Um dos alertas mais comuns é que a gordura trans aumenta o risco de doenças cardíacas, de diabetes e até de morte. Mas estas informações confirmam-se? Afinal, o que é a gordura trans e como evitá-la? Qual a legislação em vigor para reduzir o consumo de gordura trans?

A gordura trans aumenta o risco de doenças cardíacas?

O consumo de gordura trans está associado a uma subida dos níveis de colesterol LDL (considerado colesterol “mau”), o que aumenta o risco de ocorrência de enfarte agudo do miocárdio, AVC e diabetes mellitus do tipo 2. Vários artigos científicos publicados ao longo das últimas duas décadas confirmam esta associação.

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O cardiologista José Pedro Sousa, cardiologista no IPO do Porto e membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, explica ao Viral que “está absolutamente comprovada” a associação entre o consumo de gordura trans e o aumento do risco de doenças cardiovasculares.

O especialista sublinha que “não existe nenhum benefício conhecido da gordura trans” e que esta “é provavelmente a pior forma de gordura que existe”. O médico aconselha, por isso, que o consumo seja “o mais baixo possível”.

A nutricionista Lilibeth Teixeira também reconhece que o consumo de gordura trans “parece aumentar o risco de doença cardiovascular de forma mais impactante do que outro macronutriente na alimentação”.

“Sabe-se que, a nível celular, a gordura trans altera a secreção, composição e tamanho das apolipoproteínas B100, moléculas que são produzidas no nosso fígado e que têm como objetivo transportar a gordura na corrente sanguínea”, explica a nutricionista. 

Esta alteração “faz com que exista uma maior acumulação de colesterol LDL (considerado o ‘mau’ colesterol) e uma diminuição do colesterol HDL (considerado o ‘bom’ colesterol)”.

Quando a gordura trans representa 2% do consumo de energia total, o risco de evento cardiovascular aumenta em 25% e a mortalidade por doença cardíaca em 31%. 

Os dados fazem parte das conclusões de uma revisão sistemática, publicada em 2015, que analisou 73 estudos sobre o impacto do consumo de gorduras trans e gorduras saturadas no aumento do risco de mortalidade por todas as causas, de doença cardiovascular e de diabetes tipo 2.

Os resultados deste artigo vão ao encontro da evidência publicada anteriormente. Um artigo publicado em 2006 sobre o impacto dos ácidos gordos trans na doença cardiovascular concluiu que a mesma percentagem de gordura trans (2%) estava associada a um aumento de 23% do risco de incidente cardiovascular. 

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Os investigadores afirmam ainda que “alguns dados sugerem que a gordura trans pode aumentar o risco de morte súbita por incidente cardíaco”.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o consumo de gorduras trans esteja associado à morte de cerca de 540 mil pessoas por ano.

“O consumo elevado de gordura trans aumenta o risco de morte por todas as causas em 34%, a morte por doença cardíaca em 28% e a doença cardíaca em 21%”, lê-se no site da OMS.

Segundo este texto, “isto deve-se provavelmente aos efeitos dos níveis de lípidos: a gordura trans aumenta os níveis de colesterol LDL (‘mau’) enquanto reduz os níveis de colesterol HDL (‘bom’)”.

Além disso, “alguns estudos epidemiológicos e prospetivos têm vindo a verificar a possível relação entre o seu consumo e a incidência de vários tipos de cancro e diabetes”, acrescenta ainda Lilibeth Teixeira.

Segundo a OMS, em média, 1,4% do total de calorias consumidas em 2010 era proveniente de gordura trans. 

No entanto, os valores registados por país oscilam entre os 0,2% aos 6,5% – com os países da América do Norte, Améria Latina, Norte de África e Médio Oriente a registar uma percentagem maior de consumo em idades mais novas.

Posto isto, é verdade que o consumo de gordura trans tem um impacto negativo na saúde, principalmente no sistema cardiovascular. Esta gordura pode ser encontrada em vários tipos de alimentos e tem uma grande predominância nas dietas ocidentais e dos países desenvolvidos.

O que é a gordura trans e como reduzir o consumo?

A gordura trans é uma “gordura insaturada que contém pelo menos uma dupla ligação que apresenta uma configuração trans”, explica Lilibeth Teixeira. 

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Por outras palavras, é uma gordura resulta da hidrogenação parcial de óleos vegetais, que ocorre durante a produção de margarinas e outros processos industriais realizados com o objetivo de “aumentar o tempo de prateleira dos produtos, fornecer uma maior estabilidade nos processos de fritura”, entre outros.

Também José Pedro Sousa destaca o processo industrial para conservação como uma das principais utilizações das gorduras trans. “O processo de adicionar hidrogénio a óleos vegetais leva à solidificação do óleo à temperatura ambiente, o que aumenta muitíssimo o prazo de validade do alimento”, explica o cardiologista.

Mas também em casa pode haver gordura trans. Este tipo de lípidos também surge “através da confeção a altas temperaturas (como as frituras)”, acrescenta Lilibeth Teixeira. Esta gordura pode também ser encontrada, em quantidades muito inferiores, em algumas carnes e lacticínios.

“Os principais fornecedores de gorduras trans na nossa alimentação provêm do consumo de batatas fritas, hambúrgueres, pizzas, produtos de pastelaria, pipocas de micro-ondas, barras de cereais, chips de milho, margarinas e bolachas”, identifica a nutricionista. 

Um estudo realizado em Portugal, em 2016, concluiu que os grupos alimentares com maior percentagem de gordura trans são o das “bolachas e biscoitos” com 3,4%, seguido dos produtos de pastelaria com 2%. 

Para chegar a esta conclusão, os investigadores analisaram 268 amostras entre outubro e dezembro de 2013, tendo encontrado 50 amostras com uma percentagem de gordura trans superior a 2%.

A eliminação total de gordura trans da alimentação é impossível de  atingir”, afirma a nutricionista, uma vez que, “mesmo numa alimentação saudável e equilibrada, existe a presença de gordura trans proveniente de forma natural dos animais ruminantes em carnes e laticínios”. 

No entanto, a ciência não sabe se a quantidade de ácidos gordos com origem natural ingeridos tem o mesmo impacto na saúde cardiovascular.

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Mesmo assim, os dois especialistas destacam a necessidade de reduzir a quantidade de alimentos com gordura trans da alimentação diária

Aconselham que se dê preferência às gorduras insaturadas, presentes em alimentos como o azeite, os frutos oleaginosos, o óleo de linhaça, peixe gordos com ómega-3, entre outros. A opção por laticínios magros pode também contribuir para a redução da ingestão deste tipo de gordura.

A redução da gordura trans tem sido um objetivo da OMS nos últimos anos e muitos países já aplicaram regras para reduzir a quantidade de ácidos gordos trans na alimentação processada.  

Qual a legislação em vigor para reduzir a gordura trans?

Em 2018, a OMS fez um pedido a todos os países: eliminar a utilização da gordura trans em alimentos produzidos industrialmente. A meta deveria ser atingida em 2023, mas, entretanto, a organização já considerou este objetivo como “inatingível”.

Em 2004, a Dinamarca foi o primeiro país a colocar restrições à quantidade de gordura trans permitida nos alimentos, mas, nas últimas duas décadas, dezenas de países juntaram-se à causa. 

Segundo o relatório da OMS de 2022, 60 países já aprovaram as políticas obrigatórias para a limitação de gordura trans nos produtos alimentares. Desses países, 43 são distinguidos como tendo adotado as melhores políticas de redução dos ácidos gordos trans – neste grupo inclui-se a União Europeia (UE) e, por conseguinte, Portugal.

A UE entrou no grupo de países com melhores práticas em 2021, três anos depois de ter aprovado o Regulamento 2019/649, que limita a percentagem de ácidos gordos trans nos alimentos, com exceção dos ácidos gordos trans naturalmente presentes em lípidos de origem animal.

Este regulamento comunitário – que é também aplicado em Portugal – determina que “o teor de ácidos gordos trans – com exceção dos ácidos gordos trans naturalmente presentes em lípidos de origem animal – nos alimentos destinados ao consumidor final e nos alimentos destinados ao abastecimento do comércio retalhista não pode exceder dois gramas por 100 gramas de lípidos”.

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Apesar de 3,4 mil milhões de pessoas estarem, atualmente, sob legislação que limita a gordura trans, a OMS alerta que existem ainda cerca de 5 mil milhões de pessoas em todo o mundo que não estão protegidas contra os “impactos devastadores da gordura trans na saúde”

Nove dos 16 países com a maior proporção estimada de mortes por doenças coronarianas causadas pela ingestão de gordura trans não têm uma política de melhores práticas. Eles são Austrália, Azerbaijão, Butão, Equador, Egito, Irão, Nepal, Paquistão e República da Coreia [do Sul]”, avança a entidade.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, conclui que, “em termos simples, a gordura trans é um produto químico tóxico que mata e não deveria ter lugar nos alimentos”, sublinhando que “é hora de se livrar dela de uma vez por todas”.

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22 Set 2023 - 11:26

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