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Aveia: uma opção saudável ou “comida para cavalos”?

12 Jul 2023 - 11:00

Aveia: uma opção saudável ou “comida para cavalos”?

A alimentação saudável é um tema que nunca passa de moda nas redes sociais. Entre dicas, truques e dietas, são comuns as publicações sobre alegados alimentos “proibidos”. No Tik Tok, por exemplo, diz-se que a aveia não é adequada ao consumo humano.

Num destes vídeos, afirma-se que a promoção da aveia como um alimento saudável é “uma propaganda” das grandes empresas de cereais.

“Aveia é para cavalos, e, provavelmente, nem mesmo para cavalos. Na verdade, não é para consumo humano, não precisas dela. Não faz parte da nossa dieta ancestral caçadora recoletora”, alega o utilizador que se identifica como “Natural Heart Doctor”.

Noutro vídeo da mesma plataforma alega-se que “a aveia não é saudável” e que “não é um pequeno-almoço de campeões”. 

Segundo o autor da publicação, “a aveia está cheia de ácido fítico, um quelato [composto orgânico] que ataca minerais como magnésio, zinco, cálcio, ferro e muitos outros, evitando que estes sejam absorvidos pelo nosso corpo”.

Perante estas alegações, coloca-se a questão: a aveia é ou não um alimento saudável? O que diz a ciência sobre este assunto e o que recomendam os nutricionistas?

A aveia é um alimento saudável para os humanos?

Em declarações ao Viral, a nutricionista e professora auxiliar do Instituto Egas Moniz Filipa Vicente adianta que as alegações sobre a aveia não ser adequada para consumo humano são falsas.

“A aveia é um cereal edível [comestível] para o Homem”, sublinha a nutricionista, lembrando que este alimento “é uma fonte de hidratos de carbono complexos na forma de amido”, que é “rico em fibra e vitaminas do complexo B”.

“A ideia de evitar os cereais, sobretudo no âmbito de uma alimentação ‘primal’ ou ‘paleo’, surgiu pelo facto de estes alimentos não existirem na fase caçadora-recoletora do Homem, o que não é uma realidade hoje”, explica Filipa Vicente.

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No caso concreto da aveia, a nutricionista esclarece que a aveia “entra na alimentação em diferentes graus de processamento, o que influencia a digestibilidade”.

Também a nutricionista Lilibeth Teixeira sublinha que, desde a década de 1980, “a aveia tem-se tornado cada vez mais relevante devido às suas aplicações”. 

A partir dessa altura, “os estudos científicos começaram a chegar a conclusões importantes relativamente aos benefícios de incluir estes cereais na alimentação humana”, nomeadamente por ter beta-glucanos, proteínas, lípidos, fitoquímicos e polifenóis.

O perfil nutricional da aveia é uma das principais vantagens deste alimento, prossegue a especialista. 

Os beta-glucanos, por exemplo, estão associados à “manutenção dos níveis normais de colesterol e glucose” e atuam na “prevenção de doenças coronárias, dislipidemias, cancro do cólon e na redução da pressão arterial”. Por outro lado, a aveia é “uma boa fornecedora de proteína” e de amido resistente, “um componente importante para a saúde intestinal”.

Aveia ao pequeno-almoço: sim ou não?

Questionada sobre se a aveia pode fazer parte de um pequeno-almoço saudável, Filipa Vicente destaca que a inclusão deste alimento na dieta deve ter em conta a “tolerância, o gosto pessoal e a necessidade nutricional” de cada pessoa.

“Como qualquer outro alimento, [a aveia] pode ser nutricionalmente muito vantajosa, o que não a torna obrigatória na alimentação de um indivíduo que não a aprecie”, afirma a nutricionista.

A nutricionista refere que a aveia tem vindo a ser caracterizada pela sociedade como um “alimento saudável”. No entanto, este cereal pode não ser adequado para todas as pessoas. 

Por exemplo, alguém que tenha “maior risco de cólicas ou mesmo diarreia” sempre que come aveia “pode simplesmente evitar esta opção”. Isso “não significa que outra pessoa não tenha benefícios na ingestão” deste cereal.

No mesmo sentido, Lilibeth Teixeira destaca que, “caso a pessoa goste do sabor e textura e não tenha nenhuma restrição alimentar”, a aveia pode ser incluída no pequeno-almoço nas suas variadas formas, como papas ou pão.

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“É um cereal muito rico a nível nutricional e que poderá fazer sentido na dieta, não só por essa mesma riqueza nutricional como também por promover uma maior saciedade, devido ao seu conteúdo em fibra e proteína, comparativamente com outros cereais mais refinados”, vinca.

Um estudo analisou o impacto de ingerir aveia ao pequeno-almoço em crianças entre os dois e os 18 anos, a partir de dados do National Health and Nutrition Examination Survey. 

Os investigadores analisaram as respostas de 5.876 crianças, dividindo-as em diferentes grupos, conforme o que comiam ao pequeno-almoço – “aveia”, “ovos e omeletes”, “donut, pães doces e bolos”, “panquecas, waffles ou rabanadas”, “cereais prontos a comer, baixo açúcar” ou “cereais prontos a comer, elevado açúcar”.

Os autores do trabalho verificaram que as crianças que comiam aveia ao pequeno-almoço tinham “uma dieta de melhor qualidade e maior ingestão de nutrientes essenciais” em comparação com as crianças que não tomavam pequeno-almoço ou que optavam por outro tipo de alimentos, sugerindo “que a aveia pode representar um componente importante de uma dieta infantil saudável”. 

Aveia tem ácido fítico que compromete a absorção de minerais?

Uma das justificações apresentadas contra a ingestão de aveia no TikTok é a existência de ácido fítico na composição deste cereal. 

De facto, a ciência confirma a existência destes antinutrientes. Filipa Vicente explica que “todos os cereais têm antinutrientes, como o ácido fítico, sobretudo concentrados no farelo”.

“Os fitatos sequestram, de facto, minerais na mesma refeição, o que é um problema se a pessoa tiver carência dos mesmos. À semelhança dos fitonutrientes nos hortícolas e frutos, estes antinutrientes são formas de proteção das espécies contra os predadores – incluindo o Homem.”

No entanto, a nutricionista sublinha que o ácido fítico, em particular, tem um “efeito interessante” ao sequestrar moléculas de glucose, o que pode “contribuir para um melhor controlo glicémico e, consequentemente, ser interessante na prevenção da diabetes tipo II”.  

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Uma revisão sistemática e metaanálise publicada em 2015 verificou “efeitos benéficos do consumo de aveia no controlo da glucose e dos lípidos em pacientes com [diabetes] tipo 2”. 

Outro artigo, publicado em 2021, identificou que o consumo de flocos de aveia grossos está “associado a uma redução mais significativa da glicose pós-prandial no sangue”.

Lilibeth Teixeira destaca ainda que apenas 2% do ácido fítico existente no alimento é absorvido pelo organismo, uma vez que este anti-nutriente sofre “degradação durante o processo de digestão”.

A nutricionista acrescenta que é possível “reverter ou minimizar” o impacto negativo do ácido fítico na absorção de minerais importantes, nomeadamente através do aumento da “biodisponibilidade dos minerais, através do seu processamento, germinação, imersão em água ou conjugando outros nutrientes de facilitadores de absorção”.

“Nos países desenvolvidos, o consumo de ácido fítico não trará impactos significativos, visto que a adequação e disponibilidade alimentar é suficiente para suprimir as necessidades nutricionais dos potenciais minerais em risco”, acrescenta Lilibeth. 

Por outro lado, em situações de nutrição desadequada, “caracterizada por défices nutricionais” – como ferro, zinco e cálcio – “o consumo de cereais ricos em ácido fítico deverá ser balanceado de maneira a não agravar os défices já existentes”.

Em conclusão, a aveia pode fazer parte da alimentação humana e tem benefícios para o bem-estar nutricional do indivíduo. No entanto, nem toda a gente gosta deste alimento e há quem seja intolerante aos componentes deste cereal. Por essa razão, a aveia não deve ser considerada como um alimento obrigatório na dieta.

As alegações referentes à existência de ácido fítico são verdadeiras, mas isso não representa perigo para uma pessoa saudável.

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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

Categorias:

Alimentação

Etiquetas:

Produtos naturais

12 Jul 2023 - 11:00

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